Vamos parar de educar para a mediocrização!

Escrito e lido por: Eliana Rezende Bethancourt
Ouça eu ler para você (escolha a opção abrir com: 
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Uma análise sobre os sistemas educacionais hoje vigentes, não apenas no Brasil mas no mundo, revela uma condição decepcionante.
Apesar de tantos desenvolvimentos tecnológicos a realidade Educacional e os ambientes ditos de escolaridade estão longe de formar seres pensantes, atuantes e com espírito crítico e interventor.
Não há inteligência social nos modelos que temos.

O sistema educacional, até por sua conformação física, revela uma dicotomia entre o mundo vivido e o compartilhado em realidade 4.0 para uma vivência “fabril”. As escolas mantém seus espaços tal como projetados como os modelos pós industriais diziam que deveriam ser linhas de produção. Num ambiente onde todos são tratados como engrenagens e de forma homogênea fica difícil, não somente reconhecer mas valorizar potencialidades.
A norma assim é mediocrizante. Pensa-se na educação que sirva a todos… na média!

A lógica é muito simples: entra-se na escola com a mesma idade e aos lotes, todos são agrupados formando turmas e séries. A premiação bimestre a bimestre é atingir as notas, definidas de forma generalizante e que sempre estipulam uma nota mínima considerada média. E isso em geral, é conseguido por um desempenho que premia memorização, pura e simples, em alguns casos, a cola aparece como um recurso ainda pior e mais medíocre. Os que responderem de forma mais eficiente a todo o processo repetitivo e mediocrizante serão considerados aptos a seguir para a série seguinte. Estão promovidos. Até que um dia ganham um diploma. E com este pedaço de papel nossos alunos medíocres em série seguem para um mercado de trabalho.
E que, pasmem, querem criatividade, espírito crítico, colaborativo e independente!

Estranhamente, conteúdos são ensinados segmentadamente, como se nada tivesse relação com nada. Embala-se conteúdos em série e estes são descarregados série a série pelo primeiro desavisado de plantão que resolver assumir os mesmos. Os tantos especialistas em suas respectivas áreas não fazem a menor ideia como sua disciplina conversa com a outra, ou como se relaciona com a vida vivida extramuros ou a que se compartilha em rede. E assim, todos seguem usando materiais prontos e cumprem cronogramas, ementas, avaliações. Imaginam que ao conseguir as tais notas de média terão ajudado a constituir um educando e formado minimamente um cidadão social. Usam-nas como régua para medir supostos avanços ou cumprimento de metas, objetivos e afins.

Perde-se tempo enorme ensinando sobre a escravidão no Brasil, por exemplo, e em nenhum momento se discute sobre xenofobia, preconceitos, modelos produtivos e afins. Sempre há aquele limite chamado de politicamente correto e assuntos tabus para uma escola.
Mas não estamos falando em formação? Exercício de cidadania? Papel na sociedade? Não entram nesta discussão o papel biológico que torna os seres diferentes por fora, mas biologicamente semelhantes em sua essência?! Não seria uma conversa para todas as disciplinas?

Ensina-se sobre a antiguidade grega e romana, mas não se fala sobre o papel da democracia e como nos tornar cidadãos conscientes, hoje. Como foi a construção da ideia de cidadania, moral, gênero a partir destas civilizações? Como a geografia, a filosofia, a biologia, o pensamento racional via áreas exatas construíam a ideia de cidadão? E como este cidadão se relaciona hoje com tais temas? O que o mundo contemporâneo fez com tais assuntos? Isso tudo fica fora dos conteúdos.
E me pergunto: então para quê o sistema de ensino?

Tentam ensinar sobre países estrangeiros, suas capitais, economias. Mas será que os alunos que chegam de carro e vão embora de carro conhecem o seu bairro? Sabem o que é uma periferia? Fazem ideia de como vivem pessoas sem rede de esgoto? Que projetos seriam capazes de realizar para limpar e filtrar água, captar água de chuva ou aquecer água usando placas solares feitas com materiais alternativos? Sabem construir uma?
E a pergunta principal: os professores de geografia, ciências, física, química, biologia… sabem?

Ensinam-se sobre invenções, mas como discutir o papel das mesmas em nossas vidas, suas aplicações e caminhos? Qual a diferença entre invenção e inovação? Todas as áreas de saber estariam ali envolvidas.  E fico perplexa de ver como ninguém relaciona nada com nada.

Será que um aluno sabe como funciona um rádio? Uma TV?  Já desmontou um ou outro? Sabe quais são seus componentes? De que forma o som e a imagem se propagam? Como a música toca? Como nossa audição e visão funcionam?  Enxergamos com os olhos ou com o cérebro? E os animais escutam e veem da forma como escutamos e vemos? E uma máquina fotográfica? Como eram as primeiras? Como funciona uma caixa preta? Como a imagem se forma? Como se processava a revelação de um filme? Como é hoje uma imagem digital? O que significa do ponto de vista da representação um retrato? Como a arte representava as pessoas? Como nos fazemos representar? Onde todas estas imagens produzidas diariamente são armazenadas? O que é a nuvem? Como nossos arquivos pessoais são armazenados?  Por quanto tempo? Por quem e para quê? E quando não estivermos mais vivos, como ficarão nossas contas na internet?

E de novo pergunto: os professores de todas estas disciplinas correlatas e afins sabem fazer? Se interessaram algum dia em fazer as perguntas e ir atrás de respostas?

Notem que o que movimenta tudo não são conteúdos prontos: são as perguntas que geram a ação e a consequente produção de conhecimento. O professor não tem que saber, o aluno não tem que saber. Mas todos podem estar envolvidos na busca. E na retroalimentação de mais perguntas para ir mais longe e além. 

Vejam quantas possibilidades interdisciplinares há e que são perdidas diariamente. 

Será que isso para ser ensinado precisaria ser feito em divisões de turmas e idades? Não seria muito mais criativo, interessante e divertido que os alunos escolhessem o que queriam aprender e como? Independente de idades e turmas?
Não seria muito mais interessante que os professores funcionassem como mentores nestas descobertas, criassem projetos e os desenvolvessem ao longo de um período? E aí sim teriam resultados muito mais gratificantes, instigantes e interessantes?
Por exemplo: como criar uma rádio comunitária, elaborar as programações, produzir conteúdos, inventar produtos para serem comercializados, criar noticias. Ou seja, um único projeto pode fazer com que todas as disciplinas estejam envolvidas!  

Lembro-me de uma vez quando ministrava aulas, para as antigas 7ª e 8ª séries, numa escola tradicional carmelita. Não suportava a ideia de ter que cumprir aulas que vinham encaixadas em sistema pedagógico, no formato Anglo. E então resolvi que para falar dos anos JK e posterior (1950-1970) iria fazer um trabalho que envolvesse todas as turmas. Iríamos reconstituir o que ocorria no Brasil e no mundo na época. Os alunos se reuniram por interesses: uns foram para a arquitetura, outros engenharia, outros foram para a moda, outros o período dos festivais de rock como Woodstock e vários outros ficaram com MPB. Houveram os que construiram maquetes, outros criaram um desfile de moda e ainda outros tiraram letras de música para tocar ao vivo. Haviam os que eram tímidos demais, mas ajudavam nos bastidores: faziam as músicas passarem de forma correta no desfile, cuidavam da iluminação (eram donos da logística para o evento).

Passamos o semestre todo preparando o evento e na última semana de aula a apresentação no auditório reuniu a escola inteira, professores, pais e tivemos teatro, dança, show de rock com bateria e guitarra ao vivo tocado pelos alunos. Desfiles e uma exposição de maquetes pelos corredores. Frequentávamos o laboratório de informática e usávamos a internet para várias pesquisas e inspirações. Aqui, um à parte interessante: o laboratório era muito equipado e tínhamos um computador por aluno, e isto em 2005. E APENAS EU usava para minhas aulas! O resto do tempo o laboratório era apenas para fazerem alguns trabalhos ou jogar em horas vagas. Nenhum outro professor usava.

Os pais no período anterior à apresentação me cercavam nas reuniões preocupados, perguntando que, como aquilo seria ensinar. Me perguntavam: “E o conteúdo?!” Minha coordenadora ficava preocupada com o exame que teriam que fazer para continuar tendo o sistema de ensino validado.
Eu penas sorria…

O resultado?
Nunca a nota geral do sistema foi tão alta! Os alunos me diziam: “Prôf., eu lembrava de tudo o que estávamos fazendo… sabia tudo!”. Isso tudo para dizer, que não era fácil, lidava com meus colegas de trabalho torcendo o nariz: os alunos começavam a ficar excitados antes de minha aula, e era normal ficarem após as aulas discutindo o projeto uns com os outros. Nunca ficava em sala de aula com eles. Andava pela escola toda vendo locações, debatendo. E com os alunos espalhados por toda parte. Tivemos aula até embaixo de um pé de amora em dias quentes. 
Mas foi extremamente gratificante, e me mostrou que é muito possível.
Sei que tanto eu quantos eles sobrevivemos e aprendemos muito!

Lembro-me de ir ao cinema com todos numa matinê assistir o filme “Cruzada”, e como éramos praticamente nós, eles se levantavam durante o filme e me perguntavam coisas e eu falava. Era uma troca intensa e muito rica. Foram ao filme com tudo lido e depois queriam falar sobre o assistido.
Uma experiência agradabilíssima!

Turmas de 7ª e 8ª Séries do ano de 2005 – Colégio Nossa Senhora do Carmo – SP – com trajes dos anos1960

Em muitos casos os próprios alunos não querem essa mudança de paradigmas. Se ressentem destas ousadias.
Ministrando aulas na faculdade costumava (e porque era obrigada a) dar provas, mas estas eram com consulta e em duplas. E não existia para mim certo ou errado. Dizia que queria que desenvolvessem um raciocínio e me convencessem. Mesmo errado o que valeria seria a construção.
Como era difícil para alguns!
Me diziam que minhas provas eram as piores. Mas exatamente porque nunca cobrei algo decorado e pronto. E aí está o limite imposto por um sistema no qual tinham sido formados; uma linha de montagem. Não eram/são capazes de pensar por si sós!
Tão triste!

Por isso, meu clamor: vamos parar de educar para a mediocrização! É muito mais rico e muito mais satisfatório para todos.
Experimentem!

ADENDO PÓS-PANDÊMICO:

O artigo acima foi publicado em Agosto de 2015, e já naquele momento eu externava uma realidade vivida como experiência 10 ANOS ANTES. Ou seja, há 15 anos já pensava e aplicava ideias que hoje em dia (2020), seriam chamadas de “sala de aula invertida”, “metodologias ativas” e o ensino via Projetos em voga nas chamadas “Escolas Inovadoras”.

Meu desconforto entre a cisão entre conteúdos ensinados em sala e o mundo aqui fora era grande. Mas hoje em dia sinto ainda pior.

A pandemia descortinou um mundo de despreparo generalizado não apenas de escolas e suportes possíveis para o ensino feito à distância. Revelou um total inabilidade de muitos professores em lidar com uma escola sem paredes e cadeiras perfiladas. Subtraídos deste lugar de segurança onde conteúdos desfilam monotonamente, alunos e professores simplesmente não conseguiam encontrar um caminho para ensino/aprendizagem. Em verdade, o erro de séculos foi o de NUNCA ensinar os alunos a APRENDER. E aprender significa antes de tudo PENSAR sobre como determinadas perguntas possuem diferentes respostas de acordo com o caminho escolhido. Ensinar a APRENDER é muito mais dificil, já que não existem fórmulas e respostas prontas. Aprende-se quando se sabe fazer a pergunta certa. Já a resposta não é necessariamente certa ou errada… é um caminho.

A Pandemia escancarou outras mazelas: ora temos infinitos recursos tecnológicos subutilizados, ora estes não atingem ampla maioria da população discente. A pandemia, de repente, mostra uma distopia tecnológica: afinal, o mundo inteiro se conecta via aplicativos, o home office é uma realidade e tudo funcionando às mil maravilhas. Mas nos esquecemos que nosso país possui extremos econômicos, sociais e tecnológicos. A nossa bolha tecnológica não consegue entender que a maioria esmagadora dos alunos não possuem celulares. Se os possuem são em geral, pré-pagos com planos que simplesmente não comportam pacotes com dados suficientes para baixar o que quer que seja. As casas não possuem redes wifi, e muito menos computadores e locais adequados para que as crianças estudem.
Do outro lado, temos professores desesperados que precisam lançar mão do que possuem. Em muitos casos, só conseguem usar o whatsapp. Ou seja, o ensino chega mutilado, picotado e estilhaçados em inúmeras dificuldades.

Além desta desigualdade ampla e irrestrita aos meios tecnológicos ficou patente que não é a tecnologia que faz pensar, inova, cria, produz… quem faz isso são mentes pensantes, com espírito inquieto e perguntas assertivas. As tecnologias podem oferecer ferramentas muito interessantes, mas nem toda solução é tecnológica, em especial quando lidamos com pessoas.
Ironicamente, a tecnologia está mostrando o quanto existe deficiência intelectual e cultural entre as pessoas, que em tempos passados não se sentia exatamente porque todos tinham que ler e estudar mais, já que não havia o onisciente e onipresente Google para tudo. Criou-se uma geração preguiçosa, acomodada e impotente diante de resolução de problemas pequenos e cotidianos. Se não há uma tecla com a resposta as pessoas ficam paralisadas.
De outro lado, vejo pessoas robotizadas, engessadas e com pensamentos limítrofes para quase tudo. Deixar de ensinar a aprender está causando danos irreparáveis há uma geração inteira.

A Educação precisa ser entendida como um investimento de longo prazo em pessoas que estimulam o pensamento crítico e criativo e não apenas dizer que são necessárias tecnologias. As tecnologias sem estes cérebros pensantes serão de pouca utilidade, e serão usadas como uma continuidade de um ensino massificado, mediocrizante, tal como o que acontecia com lousas de pedra e escrita em giz.

A Pandemia veio mostrar que a Educação NUNCA mais será a mesma, e que muito pode ser feito sem ser em uma sala de aula construída em alvenaria. O mundo digitalizado às pressas nos faz perceber que há muito o que ser feito e aprimorado, e que a fantasia tecnológica morre de inanição em presença da falta de criatividade.

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Pesquisa: Educação escolar em tempos de pandemia na visão de professoras/es da Educação Básica

* Post publicado originalmente no meu Blog, o Pensados a Tinta

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Infância Roubada

Por: Eliana Rezende Bethancourt

Roubam-se infâncias. Expropriam-se direitos e vidas.
Do lado de fora, guerra e ruínas, pouco para comer, trapos para vestir, feridas para cuidar. Janelas sem vidros, paredes cobertas de mofo. Para se aquecer apenas o calor de outros corpos. Pés descalços e desolação ao largo. Caminhos estilhaçados feitos de abandonos, pedras e entulhos.
Não há para onde voltar e nem para onde ir.
Tanta agrura sob luzes e sombras…  

Cenários de desolação, fome, morte, doenças e condições desumanas. A guerra retira de todos sua dignidade e vontade. Instala apenas o básico da luta pela sobrevivência, nem que esta, ao invés de pautar-se na solidariedade, paute-se na luta contra o próximo. Luta entre desiguais. Sempre…

Pauperismo físico, mental, emocional… Almas carentes e em agonia de ser e estar.

Mas se não estão em campos de refugiados ou áreas de guerra, encontram-se em campos de carvão, minas, oficinas, lavouras… onde suas mãos miúdas tecem, quebram, queimam migalhas que garantem a manutenção apenas diária. Cobrem-se de terra, lama, poeira, cinza, graxa. Consomem-se ante o calor escaldante, gélidas temperaturas ou chuvas torrenciais.

O asfalto os planta em cruzamentos de espaços urbanos, onde bolas, balas e malabares tornam-se moeda de troca para engrossar formas de expropriação das pequenas somas obtidas no decurso dos dias.

Há ainda o próprio corpo: destituído, expropriado, prostituído. Possuído à força, pela vilania ou simplesmente pelo prazer do sofrimento do mais fraco. Não necessariamente vem do desconhecido e distante. Pode morar sob o mesmo teto. Pode ter nas veias o mesmo sangue. De novo luta entre desiguais.

Sem solidariedades, encontram no silêncio armas contra si vindas de iguais veias. Muitos tem nos progenitores as figuras de cúmplices coniventes.   

A conivência com o abandono, a morte e a violência encontra igualmente num Estado ausente e omisso formas de mais exclusão. Direitos fundamentais como: educação, abrigo, alimentação, saúde são simplesmente ignorados. Morre-se de balas que não são perdidas, mas que encontram corpos frágeis dentro do que seria seu lar, sua escola, seu bairro. Outros encontram a cooptação pelo crime organizados e usam seus poucos anos para trocar por alguns vinténs. Vida curta e breve, que não vale à ninguém.

A exploração infantil tem assim muitas faces. Mas há também outras formas de abandono!
Aquelas onde não há o cuidado dos limites. Dos nãos. Onde o excesso material é fornecido para compensar ausências e carências emocionais e de filiação. Deixados a sós e cuidados por suas babás eletrônicas descobrem cedo que seu poder de barganha é dado pelo que conseguem consumir.

Consumir se transforma no objetivo único e propósito de suas vidas. As relações passam a ser medidas apenas pelo que se possui. Pequenos e cruéis ditadores nas suas relações com os mais velhos e ausentes. Ausências feitas não apenas de presença física, mas de sentidos morais, éticos e de valores.

Tiram-se de existências tempos… da infância, da inocência, da alegria e leveza, do brincar!
Sequestros de chances e de possibilidades.

Para onde ir? Com que tintas mudar as cores desta paleta?
Onde está o sonho roubado? Por qual janela voou?
Provavelmente no próximo sorriso que nasce, na vida que brota em meio as pedras, nos raios da luz pálida de um dia dourado de outono, nas solidariedades tecidas por vidas que se cruzam e compatibilizam…

Ou…
Na vida que se deixa voar e liberta-se!


* Versão atualizada de post publicado originalmente no meu blog, o Pensados a Tinta

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Quino & Mafalda: Eternos

Por: Eliana Rezende Bethancourt

Estranho como uma relação entre criador e criatura pode ser tão forte e simbólica.

Ainda ontem relia este artigo que escrevi quando Mafalda se tornou cinquentenária (Setembro, 2014). Para minha surpresa, um dia após o aniversário de surgimento, o Sr. Joaquin Salvador Lavado, o Quino, nos deixa. Ele falace exatamente um dia após o aniversário de criação de sua eterna Mafalda.

O que nos fica?

Como uma boa ideia com humor e crítica ácida à mistura podem render bons anos de vida? A resposta em uma única palavra é: Mafalda. Contestatória, politizada, insatisfeita com o mundo. Sempre cheia de questões e inquirições. Uma ardorosa aversão às sopas. Niña esperta, espontânea, sabida, verborrágica: sempre com muito a dizer.

Mas a garota apesar de manter-se uma menina nas tiras é uma cinquentinha.

Considero que a coisa interessante no caso da personagem é sua sobrevivência no tempo a partir de uma boa ideia e doses de “realidade”. A atualidade está exatamente em explorar as vivências e angústias de todos,  independente de onde ou como vivam. É um questionamento para um mal-estar que nós latinos entendemos tão bem. Penso também sobre sua estabilidade e permanência em um mundo feito de tantas obsolescências e descartes. O que a torna ainda tão factível?

A primeira coisa que me vem à mente é exatamente essa inteligência ingênua, antenada e bem humorada que lhe confere tanto sucesso e permanência até hoje.

A politização com crítica mordaz dão um tom todo especial e, independente do país e da idade, nos identificamos com seus pensamentos.

Mafalda dentre tantas coisas não é apenas e tão somente um personagem de tirinhas. Nasce como personagem de campanha publicitária e emancipa-se pelas tirinhas. Ela representa toda uma sociedade (no caso a argentina) do final dos anos ’60 e começo dos anos ’70. Uma sociedade que vive em ditadura de suas fronteiras, e que vê os países vizinhos vivendo a mesma situação. Assiste a uma guerra em andamento no Vietnã e os EUA em plena expansão imperialista.
As tirinhas eram publicadas diariamente e sempre se relacionavam aos eventos cotidianos ocorridos na própria Argentina, na América Latina ou no mundo. Era portanto, produto de um contexto social, politico, econômico e trazia muito da própria personalidade de Quino, que era em sua essência um contestador e crítico da sociedade em que estava inserido. Mafalda externava todo este DNA de seu criador. Era ela que dava voz ao mundo efervescente em que estavam.

A sociedade é confusa para seu olhar: não sabe bem porque há uma guerra no Vietnã, inocentemente se preocupa com a presença dos chineses, não sabe o porque de tantos pobres em volta, desconfia da mídia (jornais, revistas, TV) e do “Estado” (militar) e só consegue ter clareza de que não se conforma!

O mundo, sob sua ótica, está doente e ela anda às voltas com a busca para solucionar o que está errado. Cercada de adultos, não consegue compreender porquê os pais e todos os outros permitem e estragam o mundo.  Nada fazem.

Os colegas não lhe trazem maiores respostas e aparecem como síntese de visões pequeno-burguesas: Manolito, que apesar de coroinha, tem como principal valor o dinheiro. Felipe é o sonhador romântico de plantão e Susanita convertida ao espírito de um consumismo burguês.

A convivência com estes já não era fácil, mas chegam os dois mais novos integrantes de sua turma: Libertad, responsiva mas muito pequeninha e o Guille (irmão caçula de Mafalda) capaz de dormir ouvindo rock e se deslumbrar por Brigitte Bardot.
Era o fim para Mafalda!

Diante de tantas contradições, talvez seja simples compreender o porque de tantas inquietações e verborragias trazidas por ela.

Imagino o quanto Mafalda se indisporia com o mundo em conexão e redes ditas sociais, os conflitos que ainda alimentam a fome imperialista americana e como direitos humanos continuam sendo violados. Não é mais só o Vietnã! Proliferaram países, guerras, lutas e motivações. Temos a Síria, Palestina, Croácia, Coréia, Irã, Iraque e por aí segue. Os pobres e desvalidos pela fome, pela guerra, pela discriminação de todas as ordens e faces (religiosas, étnicas, culturais, de gênero, sociais), doenças convertidas em verdadeiras epidemias aumentam dia a dia.

O planeta geme de muitas formas: há tempestades, tufões, furacões, tsunamis, secas prolongadas, queimadas. A política cada vez mais corrupta e sem limites éticos, morais, valores. Uma incompreensão sem fim.

Sim, é há a mídia. Agora não apenas impressa ou televisa. Chega de todas as formas. Uma explosão de sentidos e significados, e a desinformação cada vez mais usada como tática para atingir seus fins.

Temos que pensar que Mafalda surge na mesma época em que a televisão surgia e trazia ao debate sobre os meios de comunicação de massa e o quanto imprimiriam novos comportamentos à sociedade em geral. Sua resistência aos meios de comunicação como meios de manipulação mostram este desconforto que era vocalizado dia-a-dia nas questões de Mafalda.

Quantos temas!
Mafalda teria muito de que se ocupar.

Mas acho que o que menos interessa é a idade em si. A comemoração mostra o quanto essa personagem tem eco em diferentes sociedades. Esse eco reforça a concepção de que uma boa ideia desenvolvida com inteligência sempre é bem vinda! Em geral, interessa pouco a procedência do personagem. É este vigor o que comemoramos. É esta forma simples, direta, e de traços igualmente simples que comemoramos. Afinal transmitir ideias e inquietações pode até ser divertido. Quino e Mafalda nos mostraram isso por mais de 50 anos!

Ela faz aniversário, mas quem ganhou o presente fomos nós! Afinal, Mafalda chegou numa bagagem trazida pelos adolescentes dos anos 60/70 e apresentada aos adolescentes atuais pelos sessentões de hoje. O ideário da personagem não envelheceu e se mantém tão moderno como quando foi apresentado pela primeira vez em 1964. As aspirações, angústias e questionamentos continuam os mesmos.

E aí vejo uma outra metáfora para a nossa Mafalda. O tempo não precisa ser tirânico e nem amedrontador. Basta apenas estar em sintonia com seu tempo. O vigor não precisa de botox e outras plásticas, que na verdade só cuidam do que é externo. Sua juventude vem de uma mente sã, perspicaz, concatenada com a atualidade do seu tempo e suas complexidades. Perigosamente generosa!

Da minha parte, partilho com Mafalda a inquietude, questionamentos, politização com a existência e uma necessidade imensa de troca. Talvez por isso, goste tanto dos Grupos, de Debates e da escrita. Me dão combustível para alimentar e saciar minha sede por perguntas e busca de respostas. 
Assim sigamos, pensando, trocando e buscando argumentos e quiçá consigamos a longevidade e perenidade de Quino e Mafalda: criador e criatura!

Este aniversário fica mais triste, pois o Sr. Joaquín, o Quino nos deixa…
Mas está eternizado em nossas mentes e corações….

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Dica de Leitura:

Mafalda e a televisão: a comunicação de massa nos quadrinhos de Quino 
Mafalda e Quino 

* Post atualizado a partir de publicado originalmente no meu Blog, o Pensados a Tinta

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Redes sociais: domesticação dos sentidos e da criatividade

Há quase uma década venho me dedicando a analisar e escrever sobre o que as redes sociais tem feito, e/ou deixado de fazer, à sociedade dita digital.

Transcorrido o tempo tenho notado que a fórmula padrão iniciada com Facebook se repete de forma exaustiva, e mesmo tendo sido sucedida de tantas outras, tem encontrado um público usuário/consumidor que conseguiu piorar ainda mais aquilo que desde o início não era tão bom.

Retomo neste ponto ao papel que o Facebook teve em introduzir uma sociedade analógica ao viver digital, ao se transformar na primeira grande rede com alcance que superou tudo o que havia existido até então.

Mas em pouco mais de uma década o Facebook começou a conhecer o imobilismo criativo. Envelheceu antes mesmo de chegar à idade adulta.
Festejado em seus primórdios pelas possibilidades e potencialidades de conexão e compartilhamento social, usos dos mais variados, hoje sua plataforma parece ter encontrado a senilidade. Apesar de várias tentativas, e muitos escândalos, não tem conseguido reter usuários e a debandada aumenta dia-a-dia.

Apesar disso, e do Facebook ter sido sucedido por inúmeras outras redes, sua essência contaminou e moldou tudo o que o sucedeu.

Explico:

A experiência da rede tem se mostrado acomodada, acrítica, extremamente passiva e muitas vezes simplória. Os usuários muito rapidamente acostumaram-se a fórmulas que consagram e incentivam a economia de pensamento crítico. Tudo reduz-se ao “curtir”, onde a mecanização do gesto guarda em si a ignorância. Em muitos casos, se não na maioria das vezes, o botão é acionado sem que a pessoa tome de fato conhecimento do que se trata.

A preferência imagética é quase total e a fórmula aqui é uma foto e uma frase. A simplicidade rudimentar agrada, já que exige pouco, tanto de quem comunica, quanto de quem é comunicado.

Tanto imobilismo não entreterá por muito tempo a Geração Touchscreen.
Afinal, nasceram em outro tempo e, como dito por vários especialistas: o Facebook vem se transformando em uma rede que concentra a chamada terceira idade virtual.
Os natodigitais e os mais jovens buscam outras alternativas como o YouTube que ultrapassou o Facebook em 2019 e mantém com isso a liderança entre os brasileiros.
Logo atrás do Facebook temos, pela ordem atual: WhatsApp, Instagran, Facebook Messenger, Twitter, LinkedIn e Pinterest.

Apesar desta aparente oferta diversificada, estamos em um universo de mais do mesmo: Zuckerberg é o dono do Facebook, WhatsApp, Instagran e Facebook Messenger. Com isso estende domínios e algoritmos semelhantes à todas as redes, e, por tabela, oferece sempre a mesma coisa: domesticação de sentidos e ausência de criatividade à seus usuários. A forma de obtenção de dados é sempre a mesma, uma expropriação aviltante, que em alguns casos chega ao crime.

O restante da lista de redes mais utilizados no Brasil é ocupada pelo Snapchat e pelo Skype, atualmente nas mãos da Microsoft. Em ambiente profissional temos o LinkedIn. De diverso quase nada do que se encontra no Fecebookistão. E aí vejo que o problema não é apenas as plataformas em si, mas seus usuários que, ao quicar de uma para outra, esperam encontrar sempre a mesma coisa e a mesma forma de se comunicar. Estão totalmente domesticados.

Denomino domesticação de sentidos o fato de que as pessoas simplesmente param de pensar e agir por si só e por seus sentidos próprios. Seguem um comportamento raso de simplesmente seguir o fluxo, ou como alguns preferem chamar, ter o comportamento de manada. As redes sociais seriam um domínio onde se oferecem condições que demarcam uma situação ideal onde comportamentos se reproduzem.
Tomo de empréstimo a concepção de “fazenda de domesticação“, explicitada em um artigo de Piero C. Leirner, onde: “(…) A fazenda de domesticação é um terreno de atração, lugar do domínio e da realização. Do domus, mas também daquilo que faz – daí a etimologia latina da fazenda – e, também, do que está feito, !rmado, !rmare, daí o farm anglo-saxão. Na fazenda se quer domar, atrair, controlar essa força conjurada de um devir selvagem. É um latifúndio, não tem cerca, não se sabe bem onde começa e onde acaba; se sabe que ela quer crescer cada vez mais, e que pode até ter uma sede, mas o processo de domesticação ocorre em todo seu horizonte. Sua política, assim, é doméstica. Não há centro preferencial, “centro do centro”; se todos seus espaços se pretendem centrais, nesse nível sua geopolítica se dilui (…)”.
O artigo se concentra em explicar como o Estado domestica as sociedades e as pessoas. Mas para o objeto de nosso tema, ouso me apossar da expressão para pensarmos o ambiente das redes e a forma como ela se torna um grande feudo chamado internet. Ao oferecer os meios e as ferramentas, bastam apenas que atitudes sociais e culturais sejam imprimidas em seus utilizadores. Os aplicativos funcionam como os meios pelos quais se domesticam sentidos, sentimentos, e se externalizam isso. Tudo que ali ocorre é amplificado. As redes, portanto, não são diferentes do mundo analógico que temos. Apenas oferecem amplificação. Mas os sentidos domesticados nos dão a sensação de que grande parte parece apenas lobotomizadas.

Diante disso, nos mantemos em um loop infinito.

Observe:

Uma das coisas mais interessantes que temos que estar atentos é o padrão de repetição e passividade que uma plataforma, dita de interação e compartilhamento acaba oferecendo. Hoje é muito mais usual a passividade ante ao exposto, quer na forma escrita quer na forma visual, do que posicionamentos críticos e assertivos. Ironicamente as redes simplesmente eliminaram o que seja interação. Tornaram-se sim um palco para ostentação ou, o que talvez seja pior, um local onde prolifera o ódio, os xenofobismos, rancores e uma putrefata linguagem onde se faz linchamentos de reputações e vidas.

É estarrecedor pensar que cada vez mais as pessoas escolham apenas uma opção: “curtir” para expressar TUDO o que pensam sobre um tema. E o pior, mesmo que elas queiram se colocar, pouco estão interessadas em saber aprofundadamente sobre. 

A previsibilidade e constância de conteúdos e ausência de inovações são também igualmente avassaladoras. O grande meio de compartilhamento não está gerando, na mesma proporção, ideias criativas e inovadoras. Os grupos e as comunidades organizam-se de forma quase provinciana, no sentido de manutenção de pequenos nichos e interesses. Restringem-se ao miúdo e cotidiano de uma comunidade restrita e local. Mesmo em redes como LinkedIn nota-se que a última década simplesmente matou as possibilidades de interação, e as pessoas estão cada vez mais ausentes. Ausentes não por não estarem conectadas, mas simplesmente por optarem estarem confortavelmente instaladas com seus aplicativos nas mãos e a anos-luz de qualquer forma de contribuição, interlocução ou debate.

O que de fato temos, ao invés de um grande potencial de variáveis, é a repetição de padrões e fórmulas. Em geral, as pessoas cercam-se do que lhes é familiar e conhecido. E o mesmo se estende pelas formas de externar pensamentos e atitudes.

A cópia de ideias e até de conteúdos são constantes em blogs e em outros meios. É sempre muito raro encontrarmos conteúdos inéditos e de qualidade, fruto de uma reflexão pessoal de seu postulante. Temos quase sempre clichés que reproduzem falas vazias e que surgem de tentativas de auto-ajuda, motivação ou preconceitos mesmo. Fato que nos dá uma sensação e necessidade de perguntar: para onde é que vamos? Será mesmo que “todo excesso é prenúncio de uma grande falta?”

De fato, um temor sempre presente é em relação a esse excesso de informações rasas no qual estamos vivendo e se, de outro lado, não estaríamos às vésperas de uma grande falta. Isto é cíclico e está no desenvolvimento da História. Gerações que rompem estruturas, são fruto de uma geração anterior em que quase nada ocorreu e vice-versa. Isso vale para movimentos na arte, literatura, sociedade, política… e até no futebol!

O tema nos remete ao que significou o desenvolvimento da internet, as novas formas de comunicação e proposição de relações. Foi de fato um período de romper barreiras, estruturas e formas de estar e pensar. Hoje, é perceptível o atual momento como de uma saturação sem fim: as pessoas, especialmente em redes como o Facebook, LinkedIn, Instagran possuem um comportamento que ora é passivo, ora consumista, ora de ostentação.

Passivo em se contentar com simplesmente “curtir” ou “compartilhar” sem verticalizar nada. Fica-se numa superfície horizontal onde “toda” a mensagem se resume a uma foto ou uma frase (pior é quando eles vêm sem autoria correta e em muitos casos uma reprodução infinita de Clarice Lispector ou Caio Fernando Abreu).
Consumista no sentido de seguir não sei quem e nem porquê…
Ostentação de vidas e sucessos: ninguém tem problemas, tudo é uma felicidade e sucesso sem fins. Ou às vezes aquela choradeira interminável para falar sobre o “poder da superação”. Cansativo, de verdade!

Espalha-se um rastro de gostos e desgostos a troco de ter dados “embalados” e oferecidos às agências de publicidade que não param de poluir páginas feita em azul para que você, de novo, curta isto ou aquilo. É preocupante esta massificação zumbi de comportamentos e incapacidade de ações críticas de acordo com posicionamentos próprios frente ao dado ou estabelecido. Falta identidade e personalidade às redes!

Se todo o potencial que a internet oferecia não for reinventado e as pessoas não voltarem a buscar formas inovadoras, teremos cada vez mais plataformas que cairão vítimas de seu próprio veneno: o consumo pelo imediatamente novo. Não será para o melhor… simplesmente para o mais novo lançamento, sofrerá o descarte e substituição tal como um velho aparelho de TV de tubo.

Sim, o objetivo é irmos além de propriamente gostar de uma matéria interessante, mas é também verificarmos o quanto ela tem que ver com nossas opções, escolhas e repertório. Quanto de fato acrescenta àquilo que pensamos e acreditamos? 
A passividade não é desejada em espaço algum, mas em espaços ditos de compartilhamento e troca, fica ainda mais estranho.

O Facebook em verdade ditou um padrão, acolhido por uma maioria que é de curtir/compartilhar, como ferramentas de facilidade. É mais fácil clicar num botão de gostei ou postar uma foto e uma frase do que de fato articular um raciocínio e falar sobre algo de forma a acrescentar ou se colocar.

A massificação zumbi e robotização aparece como um instrumento de massa para obter cifras e dados e não como forma de gerar crescimento intelectual ou de conteúdo.  

É óbvio que não estamos aqui para questionar números. Contra tal não há argumentação. E talvez tenham sido alcançados exatamente por essa homogenização. Todos são tomados como meros algoritmos que são computados a partir do “gostei”. A situação é tão interessante que em tempos passados até campanha para ter o botão “não gostei”, houve. Mas claro que isso confundiria o sentido de construção da base do Facebook e demais redes em relação aos seus algoritmos, e portanto, nunca foi adotado por ninguém. E aí nos defrontamos com a situação absurda que é, por exemplo, a notícia da morte de alguém ou de uma catástrofe e que as pessoas sem pensar clicam “gostei”. Isso mostra o ápice do que seja um comportamento de manada zumbi sem critério ou crítica.
As pessoas simplesmente não param para pensar sobre isto!   

Buscar um olhar crítico envolve debruçar-se sobre. E em geral, as pessoas julgam não ter “tempo” para isso. A cultura da imediaticidade e consumo leva as pessoas para longe de estar em contato consigo próprias. Basta andarmos pela rua e vermos cada um com seu celular, seu jogo, sua música nos ouvidos. As pessoas não buscam mais relacionar-se com outros, mas sim com seus gadgets. Já disse antes que a internet tem conseguido o paradoxo de aproximar quem está a centenas de milhas ou quilômetros e em geral, separa os que dividem a mesma casa!

Esta robotização com ensimesmamento foi reforçada com as redes. E aqui há discussão para um post inteiro e que guardo para outra ocasião. 

Mas adianto que em cada período a humanidade está propensa a que determinados comportamentos se desenvolvam e se disseminem. Esta “massificação zumbi” é mundial e muito mais relacionada ao processo de midiatização e tecnologia em que estamos.

Há um narcisismo generalizado e uma busca por exposição que tem muito mais a ver com uma insegurança e temor de estar consigo próprio do que a necessidade de relação com o outro.
Os silêncios da alma são fantasmas para alguns e a busca da “multidão” tem um pouco esse sentido de fuga.
A robotização zumbi e massificada combinada com a alienação parecem ser uma marca dos nossos tempos.

Para além disso tudo, acho que o padrão de repetição em formatos idênticos para todas as redes é o que mais incomoda. De repente, Twitter e até LinkedIn repetem o mesmo padrão como forma de garantir que seus usuários continuem a usar suas respectivas plataformas. Aí tivemos o fenômeno do que se convenciona chamar de ‘Facebooquização’ virótica por TODAS as redes.

Sou usuária e gosto muito de tecnologias, mas gosto de pessoas, silêncios e leituras, gosto da reflexão que ações e comportamentos têm, ou de uma boa ideia exposta num texto, ou até numa frase. Não precisamos nos isolar e nem viver no meio de tudo. Há o caminho do meio sempre! Estar nele significa conseguir olhar de um lado e de outro e encontrar o caminho perfeito que há quando se tem equilíbrio e bom senso. 

Discuto aqui que esta alienação consentida, onde o nivelamento horizontal alcança tais redes numa velocidade muito grande e onde verticalidade, profundidade e criatividade estão deixando muito a desejar. As pessoas chegaram a um ponto que não conseguem mais ler um artigo. Leem apenas a primeira linha e passam adiante. Sou capaz de apostar que apenas 1% dos que começaram este artigo chegaram até aqui…Por isso, já há algum tempo parei de me preocupar se as pessoas leem ou não. Meu papel é de escrever!

Um dos precursores da realidade virtual e crítico da web 2.0, Jaron Lanier defende um caminho diferente para se utilizar a rede. Ele é defensor de uma internet aberta, mas não completamente gratuita. A questão levantada por Lanier é estrutural. O problema é que a rede, gradualmente, direciona e agrupa os usuários em blocos. As informações ‘sugeridas para o seu perfil’ escondem uma variedade enorme de outras possibilidades e, ao categorizar por ‘gostos’, tornam o usuário um produto bem definido para publicitários, por exemplo. Ou seja, no modelo atual, quem lucra mais são os sites de busca e as redes sociais, e quem sai perdendo são os criadores, que dependem dos direitos autorais para viver.

Segundo ele, a estrutura atual permite que exista uma ‘agência de espionagem privada’ que desvirtua o propósito inicial de permitir que cada usuário pudesse trocar seus bits com outros, como em um grande mercado, e tudo seria acessível a uma taxa razoável. Esse fluxo permitiria que a criação individual fosse devidamente remunerada e estimularia o trabalho intelectual. Nesse sentido, ele afirma que “precisamos de um design mais antropocêntrico ao invés de um focado em algoritmos”. O senhor Lanier quer não apenas, a liberdade de trocar informação mas a liberdade de pensar e de ser criativo em um modelo que, atualmente, anestesia, cada vez mais, seus usuários.

Desde os primórdios, o Facebook teve como característica coletar dados e a partir deles ter concentrada uma ampla base de dados. Longe de ter um viés relacional, cultural, educacional rapidamente transformou-se num meio eficiente de fornecer dados para fins mercadológicos e de consumo. Ponto. Os algorítimos utilizados foram ficando cada vez mais competentes em nos limitar, enquadra e sempre nos levar aos mesmos lugares. Escrevi sobre isso no artigo: “Algorítimos: os hábeis limitadores

Sua facilidade rudimentar trazendo funções simples com botões de uma única opção deu à maioria das pessoas o que elas querem: entropia! É neste estado entrópico que as pessoas realizam ações robotizadas e em alguns casos até insensíveis (como por exemplo: filmar alguém morrendo, sendo espancado, etc…para a seguir lançar na rede em busca de reconhecimento por meio de likes).
O mesmo podemo falar de TODOS os celulares: não importa a versão, modelo…TODOS rigorosamente apresentam os mesmos botões e funções. O objetivo é o consumo feito por TODOS de uma criança de 1 ano ao octogenário, de um analfabeto funcional à um acadêmico letrado. A tecnologia envolvida está longe de buscar inovação.

Apesar de tudo, vejo que em verdade, o Facebook e demais redes sociais acabam sendo um grande espelho de comportamento social e cultural do nosso tempo. E eventualmente, as plataformas servem apenas para refletir o que a nossa sociedade é em sua maioria: superficial, frívola, autocentrada e egocentrada.

Como historiadora, fico sempre imaginando o que pesquisadores daqui há alguns séculos dirão ou apreenderão quando olharem perfis de redes… que sociedade verão no espelho?

Fotógrafo: Eduardo Henrique Gonçalves

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* Texto atualizado e revisto de post publicado no meu Blog, o Pensados a Tinta, com o título de “Facebook: robotização e sedentarismo em rede”.
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O fracasso bem sucedido

Por: Eliana Rezende Bethancourt

Numa sociedade performática, competitiva, consumista e muitas vezes vaidosa e hedonista, relatar ou admitir um fracasso parece ser algo impensável para alguém que pretenda ser bem sucedido. 

É importante dizer que o sucesso sempre será precedidos de inúmeros fracassos. 

Mas, não serve qualquer fracasso! É preciso que seja um fracasso bem sucedido, um que de fato deu certo. 

Explico:
Um fracasso bem sucedido é aquele que te trouxe aprendizados. Permitiu rever ideias, ações, estratégias, pensamentos. Obrigou-o a sair de fórmulas prontas e exaustivamente usadas para  um novo lugar, com novas perguntas e demandas por outras respostas. 

O fracasso bem sucedido funciona como uma catapulta, que em um primeiro momento o joga em um vácuo de onde não se espera nada. A sensação de vazio, de vaga, causa-nos uma sensação de tempo interminável. Do momento do lançamento até seu ponto de chegada há uma indescritível e interminável trajetória, que lhe revela o medo em todas as suas faces. Não há como voltar ao ponto inicial e o ponto de chegada é uma incógnita. Neste ponto de vácuo você pode encontrar formas de manter-se o mais ereto e procurar ganhar vantagem com o percurso. 

O que causa esse lançamento no vácuo pode ser um desemprego, uma mudança de carreira, um luto, a perda de bens ou da saúde. Importante é compreender que este ponto não é seu fim. Ele é apenas parte da trajetória. Se aprender deste momento, deste suposto fracasso, quando tudo parece perdido, desorganizado ou simplesmente ausente, estará na categoria que denomino de: fracasso bem sucedido

É óbvio que há muitas opções! 

Você pode transformar sua trajetória numa queda retumbante, fraturas expostas e totalmente sem condições de dar um passo sequer. Tudo é mesmo uma questão de entender como o tempo e a experiência se dão. Quando transforma suas ações em aprendizado terá conseguido produzir conhecimento, que nada mais são do que a experiência posta em prática. Se nada fizer com isso, será apenas um episódio traumático de sua existência, que marcará definitivamente o seu ponto de parada,  de desistência. Assumir a alternância dos eventos e do tempo é fundamental para fazer esta alquimia de transformar um fracasso em uma oportunidade segura, de fazer dar certo. 

Um exemplo muito bom é o que estamos vivendo neste momento de pandemia. Muitos profissionais perderam seu trabalho, ou passaram pela experiência da doença ou do luto. Isto, certamente fragiliza, preocupa e leva alguns ao desespero ou a tristeza profunda. Neste seu momento de vácuo não conseguem pensar além do momento imediato. E deixam de entender que; o percurso que fazem em sua catapulta pessoal, não durará toda a vida. Muitos dos que hoje perderam seus empregos ou posições provavelmente não as recuperarão. O número de empregos formais foi reduzido drasticamente, e para muitas empresas significará prosseguir sem o formato anterior. E neste ponto é que muitos profissionais devem entender que precisarão encontrar um novo caminho. O modelo mudou (paradigm-shift).

Eventualmente este novo caminho significará conviver com alguns fracassos. Como sairá de tudo isso é que mostrará se os fracassos fizeram seu papel de dar certo. 
Isto se chama ter um bom Quociente de Adversidades (QA). O termo foi criado pelo especialista em liderança, Paul Stoltz, presidente da Peak Learning, uma empresa de consultoria global fundada por ele em 1987, nos EUA. 

Não vou entrar aqui naquele discurso muito em voga, que se parece com a famosa auto-ajuda, pensamento positivo e outros termos que mais se assemelham ao de uma profissão de fé.
Não gosto desta mistura e a considero pouco qualificada. 
Vou pelo lado do pragmatismo que precisamos ter e demonstrar. É preciso Inteligência Emocional para entender o momento, se conhecer e verificar qual é o repertório que possui para enfrentar esta situação. Não vou dourar a pílula: muitos DEFINITIVAMENTE não se conhecem! E por isso é comum vermos a fila de desesperados quase que em cada ponto em que olhamos.  

Relembro aqui um outro artigo que escrevi sobre se “você tem carreira ou profissão?”. Isto porque de acordo com a resposta, seu tempo de trajetória neste vácuo pode ser maior ou menor, e a chegada com mais ou menos escoriações. O fato determinante aqui é: o que te diferencia dos demais, e o que faz com que você não caia numa vala comum que disputa a mesma coisa com muitos. Quando estamos diluídos numa multidão, rapidamente podemos ser preteridos por este ou aquele motivo.
Mas se temos algo que nos diferencie por completo, isto será determinante. 

Todas as áreas possuem, em maior ou menor grau, a necessidade de ser criativo.
Mas o que é ser criativo numa situação limite? A criatividade está ligada não a uma fórmula mágica que tudo resolva. Criatividade, em muitos momentos significa apenas e tão somente encontrar soluções diversas para coisas que sejam iguais. Significa encontrar um novo caminho entre ideias e conceitos, e novos conceitos a partir das mesmas ideias usando a própria experiência. Para isso, é óbvio que é preciso uma boa dose de flexibilidade e adaptação. O problema é que as pessoas tendem a ter o comportamento de manada para tudo: imitamos outros no que dizem, no que falam e até na forma de vestir.  Esquecemos de simplesmente fazer a pergunta: “e como seria fazer diferente disso?”.
Ou, a muito mais sintética e dura: “e se…”.
Além disso, a maioria atavicamente deseja ‘pertencer’ ao grupo, precisa se encaixar. Elas não conseguem entender que podem mudar as regras e alcançar objetivos maiores e mais interessantes. Se tudo o que você pensa e é, como profissional, tem que caber em um único formato, provavelmente terá muitas escoriações em sua chegada ao mundo pós-pandemia.

Em síntese e por partes: 

1. Conheça-se!
Se você não sabe quem é, e o que é capaz de realizar, pessoal ou profissionalmente, andará em círculos indefinidamente à espera que alguém lhe bata à porta para lhe oferecer um trabalho na matriz que você se colocou. 

O autoconhecimento definitivamente é fundamental para TODAS  as instâncias de sua existência, e porque seria diferente na seara profissional? 
Como pode achar que é outra pessoa que tem que te dizer como ela quer o seu trabalho?! Ou como pode esperar que este venha embrulhado numa caixa com fitilhos e laços com teu nome em um cartão? 

2. Seja Flexível
Provavelmente, o mundo pós-pandemia NUNCA mais será o mesmo no âmbito profissional. A sociedade sofreu um tranco de digitalização que levou para o território doméstico o desempenho de atribuições que só ocorriam em condomínios executivos. A empresas sobreviventes entenderão que podem enxugar custos e gastos de forma estrondosa em muitos setores. E o farão com certeza! Portanto, seja o mais flexível que puder na forma como se enxerga e como vê o desempenho de suas atividades.

Entenda que provavelmente tudo o que aprendeu nos bancos escolares ou em diferentes empregos não se aplicará mais. Se não se adaptar e for flexível o bastante, provavelmente se decepcionará e não sairá mais da fila da espera. Mais uma vez; o modelo mudou.

3. Diferencie-se
Se insiste em manter-se como sempre foi, estará provável e confortavelmente instalado em uma vala comum com outros milhares que pensam igual a você. 

O número de pessoas que de fato conseguem enxergar seu valor a partir das coisas que desenvolve e desempenha, é um imenso diferencial. As faculdades TODOS os anos despejam quantidades imensas de novos profissionais que acham que o diploma lhes deu uma profissão. Buscam sem trégua cursos, MBA, Mestrados, Doutorados, mas simplesmente não sabem o que fazer com o que supostamente aprenderam. Muitos tornam-se alunos profissionais, acumulando diplomas, certificados e bolsas, mas sem ser capazes de converter tudo o que supostamente aprenderam para uma carreira produtiva. Juntam-se aos milhões com diplomas pendurados e trabalhos que não tem nada a ver com o que estudaram. Portanto, olhe-se a fundo e veja como você pode usar o que aprendeu em sua formação e como pode transformar isso em algo diferente e criativo. Se não souber dar esta resposta, nenhum selecionador ou empregador saberá dar. Em vários casos, NÓS é que temos de mostrar o quanto eles precisam de nós. Se não soubermos como fazer ficaremos apenas com a ficha de preenchimento de vaga e nunca iremos à lugar nenhum. Aí culparemos empregadores, selecionadores, colegas, familiares pelo que nós não conseguimos. 
O mundo atual é feito de inúmeras carreiras que são interdisciplinares ou mesmo trabalhos que ainda não existem formalmente como profissão ou que tenha cursos formais oferecidos. Entenda como você pode aliar tudo o que já aprendeu a isso. Entenda que inúmeras profissões e ocupações simplesmente DEIXARÃO DE EXISTIR em pouquíssimo tempo. Se não tomar providências fará parte deste exercito crescente de desocupados sem possibilidades de ocupação ou integração. 
Está em suas mãos! 

4. Não mascateie
Não permita que o desespero o faça se transformar em um mascate. Daqueles que aceitam qualquer coisa e que se vende extremamente barato. Coloque limites ao que seja aceitável para a sua condição.

Em outro lugar, mas também não menos perigoso: não se prostitua. Respeite-se como profissional, saiba seu valor, o que faz e como o faz.

5. Dê-se o devido valor
Se você não se dá o devido valor, ninguém o fará por você. É preciso que você saiba exatamente o que faz, como faz e por quanto que faz. Aqui é o devido valor pelo que oferece. 

Há pessoas que pelo que oferecem ganham muito, e há muitos que ganham pouco pelo muito que fazem. 
É preciso saber se colocar, se valorizar e se respeitar como profissional. Se você não fizer isso provavelmente ninguém fará por você.  

6. Seja caprichoso
Um exemplo que gosto de dar aqui mesmo no LinkedIn quando analiso perfis que solicitam participação em Grupos. Muitos profissionais não demonstram capricho e cuidado em sua apresentação: não indicam o que fazem, como fazem. Em  alguns casos, não consigo saber nem o curso que a pessoas fez, pois ela só coloca o nome da instituição. Esquecem-se que devem valorizar o que estudaram e o que aprenderam. As fotos revelam pessoas que não estão em situações profissionais: alguns com ar desanimado, cansado, digitalização de fotos 3 X 4, cabelos molhados, vestidos para festas, acompanhados de maridos, esposas, filhos, carros. Olhem com atenção à tudo isso. Mostrem porque vocês merecem uma oportunidade e porque seu trabalho e a forma como o realiza são diferenciados. 

Sobre este tema abordei pontos a ser destacado no artigo: “Como escolher a foto adequada para perfil do LinkedIn

Você é seu melhor produto, portanto use uma vitrine adequada. 

7. Seja paciente
Nada acontece do dia para a noite. O seu fracasso bem sucedido precisa de tempo para acontecer!

Não irá adiantar ficar desesperado, abrir um perfil no LinkedIn e ficar pedindo peloamordedeus por uma vaga. Relações em redes sociais profissionais demoram para ser construídas. Não há imediatismo que caiba em sua necessidade. Portanto, procure lançar mão de um perfil destes para mostrar o seu melhor e de fato tirar proveito dos contatos que vier a ter. Se você está começando sugiro a leitura deste post: “LinkedIn para inciantes“. Será muito útil em te ajudar a construir uma estratégia pessoal de aproximação e busca de oportunidades.

8. Esteja atento
Como os seus erros se sucederão, esteja de olhos e ouvidos bem abertos e aprenda com eles. 

Deixe seus fracassos lhe ensinar a dar certo. 

Boa sorte com seus fracassos!

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Profissão de Historiador é finalmente regulamentada

Por: Eliana Almeida de Souza Rezende Bethancourt

A data de 12 de Agosto de 2020, será uma data histórica para os Historiadores. Foi a data em que o Senado derrubou vetos de jb à regulamentação da profissão de historiador, no Projeto de Lei 368/2009 de autoria do Senador Paulo Paim (PT/RS), uma luta que remonta desde os anos 1960.

A votação de derrubada ao veto pelos Senadores contou com 68 votos a favor e apenas 1 contra (Tiago Mitraud, NOVO-MG).

De acordo com o Portal do Senado: “O projeto prevê o exercício da atividade de historiador a quem tem diploma de curso superior, mestrado ou doutorado em história, nacional ou estrangeiro com revalidação; a quem tem diploma de mestrado ou doutorado obtido em programa de pós-graduação reconhecido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) com linha de pesquisa dedicada à história; e a profissionais diplomados em outras áreas que comprovem ter exercido a profissão de historiador por mais de cinco anos”. (Fonte: Agência Senado)

A regulamentação é a forma de reconhecer e valorizar a profissão de um profissional indispensável na interpretação histórica de aspectos sociais, políticos, culturais, econômicos, entre outros. Como intelectual ou técnico o historiador pode atuar tanto na preservação e conservação de bens culturais, como na produção e divulgação de conhecimento científico e no fornecimento de subsídios para diferentes áreas de conhecimento; uma vez que é uma área interdisciplinar.

A regulamentação é fundamental para tais profissionais para que possam exercer funções em órgãos públicos, tais como: Casas Legislativas, Bibliotecas, Museus, Arquivos e outras instituições culturais que requerem concursos. Sem regulamentação, desde o período da ditadura não há concursos para historiadores.

Como forma de ampliar a abrangência da carreira dos historiadores e não ocorrer uma forma de “reserva de mercado”, ao se fazer a proposição de regulamentação da profissão foram tomados os seguintes cuidados, de acordo com Rodrigo Patto Sá Motta:

“Outra novidade importante foi incluir as pessoas com títulos de Mestrado ou Doutorado obtidos em Programas de Pós-Graduação com área de concentração ligada a outro campo do saber, mas que tenham linhas de pesquisa regulares dedicadas à História (da Educação, da Ciência, da Arte etc). Assim, por exemplo, quem fizer uma tese sobre História da Educação dentro de um PPG da área de Educação será considerado historiador também. Com isso, ficam preservados – e valorizados – os espaços interdisciplinares que aproximam a História de outros campos do saber. Finalmente, para não deixar dúvidas que a autonomia das Universidades deve ser preservada, propusemos retirar do projeto de lei a menção ao ensino superior como atribuição dos historiadores. Assim, ficará mantido o quadro atual – pessoalmente, parece-me a situação ideal -, em que o perfil dos docentes para atuação no ensino superior é definido pelas instituições universitárias (Câmaras, colegiados, bancas). (…) Nada vai mudar na área da pesquisa, da pós-graduação e na produção do conhecimento histórico. A liberdade de expressão continuará intocada, pelo menos não será essa lei que vai agredi-la”.

Tomando-se todos estes cuidados a regulamentação traz flexibilidade ao mesmo tempo que fornece segurança e tecnicidade para desempenho de diferentes funções, que até então eram “improvisadas” por profissionais de outras áreas.

* Publicado originalmente no Portal: ER Consultoria | Gestão de Informação e Memória Institucional

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Fontes e Posts Relacionados:

Porque vale a pena regulamentar a profissão de historiador

Veto à regulamentação da profissão de historiador é rejeitado pelo Congresso

Patrimônio Cultural e Responsabilidade Histórica: uma questão de cidadania

Memórias Digitais em busca da Eternidade

Interdisciplinaridade: essencial para profissionais de Informação

Os Historiadores e suas fontes em tempos de Web 2.0

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Você tem Carreira ou Profissão?

Por: Eliana Rezende Bethancourt

Uma pergunta simples: “você tem uma carreira ou uma profissão?”
A pergunta tão simples de ser feita encontrará por parte de muitos alguma dificuldade em relação as duas coisas. 
Alguns poderão achar que se trata da mesma coisa. Afinal, estudei e me formei em algo e trabalho com isso. Mas em verdade, existe uma distância imensa entre uma coisa e outra. Olhar para sua trajetória e perceber qual é a sua situação será muito importante para determinar seu grau de satisfação e sucesso pessoal. 
Nos últimos tempos, em especial no período da pandemia e pós-pandemia tenho notado um grande afluxo de pessoas se inscrevendo no LinkdIn. Algumas extremamente ansiosas, outras chegando ao grau de desespero. Mas em muitos casos chegam a este ponto por não entenderem de fato o que desejam para as suas existências. 

Vejamos:  
Se utilizarmos um dicionário e buscarmos a raiz da palavra “profissão” teremos o sentido daquilo que você professa, as diferentes atividades que você precisa realizar e que são reunidas de forma sequencial compõem o que se chama profissão.  
Em geral, a profissão pode começar cedo e já nos primeiros anos de formação se aprende as tais atividades fundamentais para o desempenho de suas funções numa ou outra área. A escolha de um curso ou área de conhecimento dentro de um curso superior não lhe dá automaticamente a garantia de uma carreira. A propósito, os cursos universitários estão à anos-luz do que seja uma carreira. Mas podem propiciar caminhos e trilhas para encontrar qual espaço irá ocupar com as ferramentas que a universidade lhe der. Por isso, cada oportunidade precisa ser bastante explorada: escolha uma boa universidade, procure se engajar em projetos de pesquisa e desenvolva sua habilidades. A profissão obtida com seu diploma pode chegar rápido. Talvez 4 ou 5 anos depois de seu ingresso na universidade. 
A carreira, entretanto virá bem depois….
A carreira, vai sendo construída no decorrer da vida profissional. Representa o conjunto de suas conquistas, as histórias de sucesso que você colecionou no desempenho de suas atividades. Mas, ela também é composta por todos os seus tropeços, insucessos, equívocos e aprendizados daí decorrentes. 
A carreira em verdade é um fazer-se que não pára de ser construído. É um caminho onde, partilhas acontecerão, a partir dos que cruzarem seu caminho trazendo ou retirando coisas de você.  
Dito isso, fica fácil de perceber que ao ter uma profissão você pode ter em sua concepção um trabalho que lhe dá sobrevivência, desempenha funções, mas por si só não há a garantia de sentir-se preenchido, realizado, satisfeito. E talvez por isso, grande parte das pessoas encaram o que fazem como trabalho (no sentido de labor, de dificuldade). As horas dos dias são contadas e os fins de semana são esperados com grande ansiedade. O salário acaba sendo a única motivação, e talvez por isso, alguns só pensam em ganhar mais como forma de conseguir se levantar todos os dias para fazer provavelmente as mesmas coisas por anos a fio. Em alguns casos, e dependendo da pessoas, estas atividades tornam-se de tão repetitivas automáticas. A pessoa empresta seu corpo à função e muda-se para bem longe dali com a mente que vagueia.

Por outro lado, quem constrói uma carreira não tem pressa. Não conta seus dias pelas horas que passam. Sua métrica está em superar-se sempre. Em vários casos, considera um privilégio o que faz e a remuneração apenas uma troca, sem valor no sentido do que entende como verdadeiro valor. O espírito é inquieto e a busca de novos desafios uma constante. 
O melhor dos mundos em verdade é quando a pessoa, ao desempenhar seu papel profissional começa a construir sua carreira. Aí o contentamento e auto-realização serão a recompensa. A construção de uma carreira é um projeto que toma tempo e é um empreendimento para uma vida inteira. A carreira precisa que seu titular seja talhado, dia após dia. 

Alguns dirão: a carreira não é uma questão de talento?
Muita gente sai em busca de um diploma e descobre que isso por si só não basta! Há outras variáveis a considerar e construir uma carreira leva tempo, exige esforço, dedicação e algum talento.
Em outros casos, a escolha de uma carreira passa apenas por cifras e vejo muitos vestibulandos consultando tabelas de salários achando que um diploma lhes garantirá as cifras. Quando o diploma vem e a realidade profissional surge, em muitos casos não há contracheque que dê felicidade e realização ao individuo. E aí de ser um engenheiro no papel para um motorista de Uber na vida prática é um pulo!

E isso nos leva a pensar algo muito importante: Carreiras não são transmitidas de pais para filhos! É usual que alguém muito bem sucedido, com uma carreira brilhante queira que seus filhos sigam seus passos. Se esquecendo que a carreira não vem junto com código genético. E aí temos uma procissão de jovens que escolhem o que de fato não queriam só para não desagradar a família. Aí seu diploma lhe dará simplesmente uma profissão e um trabalho que terá que desempenhar pelo resto de sua vida. 
A carreira necessariamente é uma escolha pessoal e intransferível. Infelizmente, acaba acontecendo quando ainda somos muitos jovens e sem experiência de absolutamente nada. Daí que muitos acabam mudando suas rotas. A carreira precisa ser um projeto de vida, e como tal exige paixão. Só quem é muito apaixonado abdica de horas livres, fins-de-semana, passeios ou outras “tentações” para desenvolver algo relacionado ao seu trabalho. Mas como ter claro qual seu projeto de vida quando se tem apenas 17 ou 18 anos de idade?!
Quando isso tudo não é tomado em conta, o que vemos são pessoas que quicam por todos os lados, fazem milhares de cursos, trabalham em muitos lugares e estão sempre descontes, frustradas e sempre achando que não ganham o suficiente. Exaustas resolvem simplesmente trabalhar e aguardar o dia que tudo passe. E em momentos de grande desemprego e dificuldades são as que mais ficam “desesperadas”, pois o único sentido que davam às suas vidas que era a remuneração financeira não existe mais. Os que tem apenas uma profissão quando estão sem trabalho se sentem desempregados e sem perspectivas. 

Provavelmente aquele que tem uma carreira sentirá as dificuldades financeiras como todos os outros. Mas já terá aprendido que é apenas uma fase e que tudo o que fez continua a lhe pertencer. Não se sente sem perspectivas, e muito provavelmente estará com a mente ocupada no próximo projeto. Compreende que sua profissão não é um fim em si mesma, mas é um meio: para satisfação pessoal e autorrealização.  
Tudo isso para dizer que uma carreira se faz com autoconhecimento. Não serão terceiros a fazer isso por você. E por isso, pode acontecer que as pessoas percam vários anos de sua vida simplesmente tentando. Alguns sem sucesso. E outros, bem aventurados atingindo o sucesso e a satisfação dada por sua carreira e não pelo seu diploma.

Construindo uma carreira em tempos de pós pandemia
Às vezes, momentos de crise favorecem um auto-exame e reflexão sobre as opções feitas até então. Estar sem trabalho pode ser uma excelente oportunidade de pensar como começar a trilhar ou fortalecer sua carreira. É importante compreender que nos tempos atuais a segmentação de áreas de saberes está cada vez mais diluída, e que ao buscar desenvolver sua carreira terá que aprender a dialogar e interagir com diferentes áreas. O mundo  precisa de pessoas que saibam se situar tanto em relação à sua carreira como em relação ao mundo em que está.  Exatamente porque o diploma não oferece a ninguém uma carreira, deixo para efeito de autoconhecimento e como um exercício prático a elaboração de seu IKIGAI.   
Na cultura de Okinawa, Japão, há um conceito muito simples e profundo, com infinitas camadas, conhecido como IKIGAI (生き甲斐). Em uma tradução aproximada, significa “razão de viver”. 
Aqui você tem a mandala de IKIGAI:

Perceba que as cores e os círculos representam aspectos de sua vida. O objetivo é que você encontre algo que ama para fazer, que seja importante para o mundo e que ainda te paguem para fazer isso. 
Agora para compreender a forma adequada de preencher o seu IKEGAI e a sua importância para o tema que tratamos deixo este vídeo: 

Também como forma de auxiliar em seu caminho, deixo um diagrama das principais características que os profissionais devem buscar neste caminho de construção de uma carreira

E aqui deixo apenas um lembrete: o seu currículo acaba sendo a fotografia do estágio em que se encontra entre o que é uma carreira ou profissão. Ele faz uma radiografia e mostra a qualquer um como você vem se relacionando com seu diploma e com sua atuação. Por isso, para qualquer bom selecionador listas intermináveis de cursos não significarão preparo. Eles deverão estar inseridos em um fio condutor chamado carreira. Disposto aleatoriamente, só mostrarão o quanto ainda não sabe para onde vai. Ou se vai… Poderá simplesmente indicar que ainda não se encontrou.

Outros poderão mostrar que a pessoa se encontra em limbo do qual não consegue sair. Perdeu-se em algum lugar e não encontrou seu caminho.

Reforço que não há erro em se ter uma profissão. Ela deve sim ser uma opção, e não a ausência dela. Não pode ser significado de que não se interessa ou que simplesmente desistiu. Nada de errado com quem apenas busca o dinheiro ou status decorrente.

De novo, são escolhas.

E como gosto de dizer: “você faz suas escolhas, e suas escolhas fazem você

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Informação não processada é só ruído

Por: Eliana Rezende Bethancourt

Como poderíamos imaginar o quanto a grande massa de informações que temos hoje disponível, em ambientes digitais por meio de diferentes plataformas e programas, poderiam acabar se convertendo em massa amorfa e ruído branco, sendo apenas potencializadora de gastos e nenhum benefício? Como poderíamos supor que grande quantidade de dados e até informações poderiam ter como contra-indicação transformar-se apenas em custo sem nada poder oferecer? 

O fato é que a facilidade que hoje temos, tanto de produzir como de armazenar, registros que poderão ou não ser utilizados, faz com que produzamos uma quantidade imensa de dados que representam apenas, e tão somente ruído, pois não oferecem informações capazes de gerar produtos, sejam para quais fins forem. 

Esta massa, que aumenta dia-a-dia tem sua localização dificultada pela dispersão e ausência de padrões para seu armazenamento e posterior recuperação. É usual nos depararmos com conjuntos imensos de registros que ninguém sabe exatamente do que tratam e porque estão ali armazenados. Em geral, ocupam redes, computadores, pendrives e até gavetas. Nesta linha entram e-mails, tabelas, planilhas, gráficos e demais registros que, sem uma estruturação, nada trarão de benefício para seus produtores e/ou armazenadores do que volume e gastos para seu armazenamento. Nesta condição também estão digitalizações realizadas de forma massiva e sem critérios, tornando todo o conjunto apenas uma grande redundância desprovida de significado e sem possibilidade de ágil localização nem utilização.

A forma de acúmulo é bem conhecida por todos: guardamos por que achamos que um dia isso nós será útil, necessário, ou que alguém irá solicitar… “vai que”… e em pouquíssimo tempo temos uma imensidão de registros que, para pouco ou nada servem.
O acúmulo também pode ocorrer pela “desconfiança”. Temos receio que alguém, antes ou depois, irá perder o que é importante e nos responsabilizarão por isso. Então passamos a reproduzir tais registros, provocando o que chamamos de redundâncias de informações, entropia. A situação fica às vezes tão crítica que somos capazes de encontrar o mesmo registro em todos os suportes possíveis: analógicos, digitais, e às vezes até em fax-símiles, digitalizações e fotocópias.

Este acúmulo pode ficar ainda pior, se a eles acrescentarmos registros fotográficos, audiovisuais e até mensagens como whatsapp! Para estes casos, é comum termos uma imensidão de registros que compõem o que chamaríamos de “crônicas de mais do mesmo”. A facilidade de produção destes registros torna o número de imagens e audiovisuais uma quantidade absurda, mas que ao mesmo tempo, e quase sempre, impossíveis de serem identificadas e processadas. Tornam-se uma massa indecifrável e indisponível, quase sempre. Em geral, sabe-se que eles existem, que estão lá, mas ninguém os consegue localizar. Por um período sobrará alguém que saiba minimamente do que se tratava, mas transcorrido tempo, nem isso se saberá: ninguém será capaz de dizer o que ali está sem ter que abrir, registro a registro.  

Isto que inicialmente pode parecer apenas e tão somente desorganização, com o tempo e fazendo-se uma análise mais acurada se mostrará algo bem mais grave. 
O suposto mundo digital limpinho e muito organizado pode se converter em seu maior pesadelo, quase que sem você perceber.

A grande transformação pela qual o mundo passa depende em grande parte da forma como lida com seus dados. Muita tecnologia tem sido desenvolvida nas formas de produção de dados. Mas a produção simplesmente não basta! É preciso entender que estamos também sofrendo transformações nas formas como obtemos e coletamos tais dados, como os armazenamos e principalmente como os analisaremos para poder gerar informação de qualidade. Não entender esta dinâmica que vai da produção à utilização e guarda racional nos transformará apenas em acumuladores. E acumuladores, em geral, simplesmente não conseguem determinar o real valor do que possuem e para quê o guardam. Se isso pode ser um péssimo vício individual, imagine quando ele alcança patamares institucionais. 

O volume de dados gerados é imenso já que tudo à nossa volta comporta capacidades estatísticas para a reunião posterior e utilização destes registros, em geral para que sejam formuladas informações que validem decisões estratégicas. 
Por exemplo, informações oriundas de mudanças climáticas que acumulam registros sobre densidades, volumetrias e índices de chuvas e estiagens e interferência em regimes de plantios, ou combate de pragas. Há dados que se originam de pessoas: podem vir de prontuários médicos, prontuários de alunos, consumo de marcas, alimentos, veículos ou roupas, passando por arte, cultura e lazer. Quando estes vários conjuntos de dados se cruzam, quer pelo olhar de um pesquisador de área acadêmica específica, quer de um estudioso de tendências de mercado o resultado será muito mais registros que se sobrepõem. No entanto, todos estes dados AINDA precisam de uma lógica humana definindo as perguntas certas para encontrar nesta quantidade infindável de registros, e que de fato façam sentido como informação de valor.     

Observe:
A empresa Veritas fez uma pesquisa com 1.500 profissionais dispersos por 15 países e constatou que 52% dos dados armazenados dentro das instituições não possuem nenhum tipo de classificação, tornando-se com isso absolutamente invisíveis e indisponíveis para tomadas de decisões, sendo apenas útil para hackers – que violarão e utilização estes dados para fins que estão longe desejáveis para a instituição. 
No Brasil este número não é diferente e revela as mesmas mazelas.

Para se ter uma ideia desde volume, estimativas dão conta de que apenas no ano de 2020 estarão sendo lançados na atmosfera 6.4 milhões de toneladas de CO2 na geração de energia para manter armazenados em data centers tal quantidade de dados. Sendo que boa parte deles, ou mantendo-se a estimativa acima, 52% serão de dados e registros sem valor algum, por que são mantidos sem classificação e/ou identificação. E é preciso que se diga que estes números tendem a duplicar a cada dois anos. Ou seja, a produção mundial chega facilmente a 500 quatrilhões de dados armazenados no universo digital.

O que significa dizer que deste montante e obedecendo os percentuais citados acima teremos 91ZB de dark data no mundo, fato que apenas gera consumo de energia e libera CO2 na atmosfera. Mas o que é a “dark data”? Em uma tradução livre seria exatamente este amontoados de dados não tratados, e que por isso tornam-se inúteis e sem valor, pois não estão relacionados a mais nada. São órfãos neste sentido.

Os prejuízos óbvios são financeiros, mas também o são em termos de sustentabilidade do planeta. As pegadas ecológicas resultantes desta guarda desprovida de significado são imensas, e para uma empresa que tenta praticar a responsabilidade ambiental é bastante constrangedor. As pegadas ecológicas são o que poderíamos chamar de uma contabilidade ambiental onde as empresas e cidadãos utilizam e/ou avançam sobre recursos naturais e o quanto isso impacta o Planeta. O armazenamento em data centers significa milhões de toneladas de carbono, que ano a ano representam florestas inteiras. A chamada “dark data” sozinha pode significar uma produção de dióxido de carbono superior a de 80 países, ou mais precisamente seria como se um carro rodando 575 mil vezes ao redor da Terra queimando CO2! 

Entendendo e desmitificando o Big Data
O termo Big Data começou a entrar em voga pelos idos da década de 1990, mas foi ganhando importância à medida que o volume de dados acumulados no mundo foi aumentando, propiciado em grande parte pela facilidade tecnológica e diferenciação de suportes e mídias. Anteriormente quando falávamos em Big Data utilizávamos como principais métricas três variáveis: volume, variedade (podem ser compostos por dados estruturados, mas também com dados semiestruturados e principalmente não estruturados, como: vídeos, fotografias, áudios, atualizações de redes sociais, cliques, dados de máquinas, entre outros) e velocidade. Juntos compunham o que era chamado os 3Vs do Big Data. Mas, hoje em dia pode-se acrescentar mais outros 7Vs. Suas características podem ser resumidas, segundo Juan Pablo D. Boeira como sendo: 

Variabilidade: Um é o número de inconsistências nos dados (…) É variável também devido à multiplicidade de dimensões de dados resultantes de vários tipos e fontes de dados diferentes. Variabilidade também pode se referir à velocidade inconsistente na qual os dados são carregados em um banco de dados.
Veracidade: À medida que todas as propriedades acima podem aumentar, a veracidade (ou confiança nos dados) diminui (…) A veracidade refere-se à proveniência ou confiabilidade da fonte de dados, seu contexto e a importância da análise com base nela. Os criadores de dados resumiram as informações? As informações foram editadas ou modificadas por mais alguém? As respostas a essas perguntas são necessárias para determinar a veracidade dessas informações.(…)
Validade: Semelhante à veracidade, a validade refere-se à precisão e correção dos dados para o uso pretendido. Estima-se que 60% do tempo de um cientista de dados é gasto limpando seus dados antes de poder fazer qualquer análise.
Vulnerabilidade: O big data vem trazendo novas preocupações em relação à segurança dos dados e, por este motivo, é necessária uma atenção especial nos quesitos ligados à privacidade.
Volatilidade: Quanto tempo um banco de dados precisa ter para que seja considerado relevante? Por quanto tempo os dados precisam ser mantidos? Antes do Big Data, as organizações tendiam a armazenar dados indefinidamente – alguns terabytes de dados podem não criar altas despesas de armazenamento; pode até ser mantido no banco de dados ativo sem causar problemas de desempenho. É necessário estabelecer regras para a disponibilidade de dados, além de garantir a recuperação rápida de informações quando necessário. Faz-se operante também verificar se os dados estão claramente vinculados às necessidades e processos da organização, assim como se fazem sentido em relação a custos e a complexidade de um processo de armazenamento e recuperação.
Visualização: Por este motivo, é de suma importância utilizar-se de dashboards para visualizações gerenciais dos dados, transformando-os em informações para tomadas de decisão.
Valor: As outras características do Big Data não fazem sentido se não houver valor comercial relevante para os dados. (…)”

Questões fundamentais a tomar em conta em relação à sua produção de dados
O cenário que temos hoje, e que vem sendo fortalecido, é de digitalização da sociedade e das instituições tornando cada vez mais registros móveis e dinâmicos um caminho natural de compartilhamento e trabalho. E são exatamente nestes dispositivos que o maior número de informações são registradas e não identificadas, tagueadas, classificadas. Tornando-se uma fauna propícia ao vazamento de informações sensíveis. O que deixa claro que, se de um lado, há a facilidade de produção e armazenamento, de outro lado há o acúmulo massivo e sem significado que pode ter como principal produto vazamentos de informações que debilitam a segurança dos dados armazenados.Mas, se a segurança dos dados é um fator que preocupa muito as organizações, como estabelecer a hierarquia de valor e importância se não se sabe ao certo o quê se possui? Como saber o risco que representam e o grau de sensibilidade de seus dados se não conhecem ou sabem sobre eles?

Aí que entra o importante trabalho de Gestão de Informação e a utilização de ferramentas apropriadas para identificação, armazenamento e localização de informações, e sua posterior disponibilização para tomada de decisões estratégicas.
Note que não falo aqui em curadoria de conteúdos. Esta estratégia não se aplica ao dark data. Sobre este tema escrevi o artigo “Curadoria de Conteúdos: O que é? Quem faz? Como faz?“, onde abordo o que significa este trabalho. Ao lê-lo poderá perceber a diferença entre uma coisa e outra.

Existe ainda um outro ingrediente de complexidade, e não apenas de tecnologia. Se tomarmos instituições públicas ou mistas, ou mesmo empresas que precisam cumprir aspectos legais envolvendo leis trabalhistas e tributárias temos a Temporalidade Documental. Há documentos que necessitam cumprir prazos prescricionais estabelecidos em legislação vigente. Portanto, não basta apenas saber o quê se tem, se produz e onde se armazena. É preciso criar instrumentos para organizar e guardar pelo tempo estabelecido em lei tais documentos independente de seus suportes.

Mas podemos ir mais longe. Há empresas e instituições que possuem uma estatura que a tornam verdadeiros patrimônios e que detém importantes documentos que merecem guarda permanente. Para estes casos não basta querer guardar TUDO. É preciso estabelecer critérios sobre o quê preservar, para quê, por quem e com quais finalidades. Não saber isso significará o problema que pontuamos acima e os prejuízos daí decorrentes. 

Uma instituição que se reconheça como sendo detentora de um Patrimônio mostrará isso a partir de ações que indicam que possuem preocupações com o que chamo de Responsabilidade Histórica nas Organizações: seu papel em garantir à civilização futura o seu patrimônio cultural/documental como herança de um percurso de valor.

Como proceder diante disso?
É fundamental que antes de tudo a instituição conheça o quê produz, porquê e com qual finalidade. Para, a seguir buscar compreender o que merece este dispêndio de energia e custos, e o que pode simplesmente ser eliminado. Daí que o estabelecimento de normas e procedimentos para este fluxo documental precisam e devem ser criados e rigorosamente obedecido, bem como estratégias de segurança, sigilo e acesso precisam ser definidas. O que é preciso deixar claro é que quem deve fazer isso, são os que tem a responsabilidade de produção, circulação e guarda destes registros e não apenas ferramentas tecnológicas. Estas são muito importantes, minimizam retrabalho e auxiliam nas tarefas, mas não são Solução para todas as decisões que precisam ser tomadas e monitoradas. 

Como podemos auxiliá-lo?
Se você possui informações dispersas e definitivamente não sabe o quê possui e que decisões tomar em relação a isso, consulte-nos. Teremos imenso prazer em auxiliá-lo a encontrar uma solução que de fato atenda seus problemas não apenas de produção e armazenamento, mas também decisões sobre por quanto tempo manter tais registros, aonde e por quem.  

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Pelas Janelas do Confinamento

Por: Eliana Rezende Bethancourt

Sempre gostei de pensar sobre como uma fotografia funciona a partir do enquadramento que o fotógrafo nos oferece. O fotógrafo hábil é aquele que consegue recortar e enfocar partes que deseja destacar ou omitir. O enquadramento revela ao mesmo tempo que esconde. No recorte dado pelo fotógrafo há o que se quer mostrar, e todo o resto compõe o que chamamos extra-quadro. Tudo o que não interessa ao olhar fotográfico é simplesmente silenciado pela ausência imagética. A forma de enquadramento e enfoque trará ao observador a sensação de que não falta absolutamente nada. Tudo está ali.

A mesma lógica pode ser usada a partir dos enquadramentos de nossas existências: o que pomos em relevo e o que simplesmente omitimos ou escondemos.

O mundo que nos cerca é um palco cenográfico, onde cenas são justapostas e ganham alguma relevância, enquanto outras ganham sombras e desimportância.

O período de isolamento social conseguiu oferecer a cada um de nós um ponto referencial de observância do mundo e de expressão por ela: nosso olhar, nossas janelas, varandas, portões.

De forma especial e totalmente inesperada, dada às convulsões sociais pelas quais passamos, nossas janelas transformaram-se em camarotes, ora para simplesmente observar, ora para aplaudir e se manifestar. Historicamente, estes espaços de vida privada não tinham comunicação direta com a rua, mas eram sempre vistas como forma de uma vista indireta e contemplativa. Lá fora a rua estava distante e a janela oferecia a possibilidade da vista privilegiada do interior para o exterior, mas não o contrário disso. A solidão contemplativa era garantida por vidraças, venezianas, cortinas. Todo um aparato para velar, esconder. Do outro lado da rua apenas um quadro pendurado na arquitetura velado por cores de um tecido feito para ser cortina e barreira.

Crédito: Lionel C. Bethancourt

A experiência do isolamento social estendeu uma pausa imensa em vidas, planos, existências. Esperar…esperar… passou a ser o empreendimento de todos. A mobilidade quase infinita, deslocamentos rápidos, migrações simplesmente foram freados. Emparedados, enquadrados e fechados… eis no que o mundo teve que se converter. O confinamento se colocou como questão de sobrevivência, e com isso imperou sobre nossas vontades.

Mas nem tudo precisava ser contido. Novos meios foram encontrados para resignificar nossas existências, descontentamentos, frustrações, bem como momentos de contentamento, alegria, gratidão.

Sob esta ótica que neste período de isolamento as janelas e varandas converteram-se em espaço de troca. Uma nova estética se pôs, o mundo do interior de nossas casas revelou-se. Houve aplausos, músicas tocadas ou cantadas, buzinaços, ‘panelaços’ e até projeções de imagens, protestos e palavras de ordem, irreverências e muito ativismo. As janelas ofereciam com isso, o espetáculo da presença, da vida, do brinde, da resistência, presença das ausências…da procura do Outro em todas às suas formas ou solidariedades de objetivos ou ameaças comuns. Eram coletivos na expressão geral, mas ao mesmo tempo anônimos em nossas individualidades. As interações nos davam uma identidade através de pautas e solidariedades comuns.

As trocas simbólicas decorrentes da impossibilidade dos contatos físicos surgiam de forma espontânea e quase viral. As janelas, convertidas em abertura para o mundo e não mais como uma tela, um quadro, um enquadramento para ver ou se esconder contemplativamente. Tornaram-se um espaço para o encontro, para a troca, para a conexão num mundo onde a conexão virtual não basta às emoções, onde as trocas podem ser feitas de formas mais intensas e interativas. A criatividade encontrou muitas formas de manifestação: foram brindes, cantos, palmas, cores, apresentações musicais várias. A janela abria-se para o mundo e convertia-se em passagem/exposição. É estranho pensar nisso, já que parecia ser ponto pacífico que as pessoas estavam muito satisfeitas com suas redes sociais e contatos virtuais. Mas a ausência das ruas e seus espaços sociais de trocas e vivência mostraram o quanto ainda precisamos de tudo isso.

O mesmo se dá com a ocupação do espaço urbano/social: as projeções tão em voga, em especial na cidade de São Paulo revelavam isso de forma fantástica: imagens se projetavam de forma gigante em outros prédios que também se manifestavam. Uma estética diversa de resistência, ocupação e projeção digital e real no Outro os seus desejos e frustrações. O espaço social ganhava outra dimensão a partir do enquadramento/exposição nas janelas e varandas das cidades. A projeção encontrava na arquitetura bruta de fachadas e concreto a tela perfeita para funcionar como retrato e exposição. Sem circundar ou limitar a aparição a imagem extrapolava os limites construtivos e podia espalhar-se por outros prédios. Um diálogo interessantíssimo de desejos, vontades, protestos e “gritos” de silêncio povoado apenas pelas imagens. A imagem neste sentido era única, mas as vozes que a acompanhavam eram coletivas, deixavam de ser o indivíduo para ser o condomínio, o bairro, a cidade…o país.

Daí o sentido de ocupação do espaço urbano como campo de lutas e resistência. De reivindicações e protestos, de solidariedades…

Mas e aquela tão presente e às vezes inacessível “janelas da alma?”. Creio que aqui foi o ponto onde muitos definitivamente tiveram muitos problemas com o isolamento social. O confinamento levou muitos a ter que recolher-se para seu interior e ver o que habitava em suas janelas interiores. O contato com esta alma habitante, para alguns, foi carregada de percalços: conviver com o universo interior pode ser muito difícil. Longe das vozes externas que nos tiram a concentração e distraem, as vozes da alma podem ser muito ruidosas. Tão ruidosas que simplesmente não se consegue calá-las. A experiência da solitude para alguns é praticamente impossível.

A solitude é aquela experiência de estar consigo mesmo, mas preenchido, não há a sensação de estarmos sós. O pensamento é companheiro e o quê os olhos veem e o corpo que sente são os alimentos desta alma. São interlocutores e incentivadores da profunda existência interior. Para estes, a experiência deste silêncio interior é bem vindo e o período de isolamento social favoreceu experiência agradáveis de estar consigo mesmo. Para outros, foi a sensação de aprisionamento solitário, melancólico e até depressivo que imperou.

Como vizinhos de janelas geminadas, a alma pode muito bem relacionar-se com os de dentro e os de fora, dependendo de como prioriza e sente todos os estímulos que lhe chegam. A janela que abre para o interior também é uma perspectiva, um enquadramento de sua atitude perante a vida. Ao fazer isso, como o fotógrafo enquadramos e enfocamos o que para nós é importante, e simplesmente omitimos ou desconsideramos o extra-quadro. Não acho que se precisa viver uma mentira. Basta apenas entendermos que nossas perspectivas tem contextos e se inscrevem dentro dele. Pôr em evidência alguns aspectos não significa que tudo o que está no extra-quadro não existe. Quando mudarmos o olhar tudo estará lá. Por isso é bom conhecer e conviver com todas as nossas mobílias interiores.

Provavelmente isso não se manterá, e muito em breve retornaremos aos nossos medos, inseguranças, trancas, vidraças, cortinas, telas de proteção. Mas teremos experimentado, ainda que brevemente, uma forma de relação interativa com uma sociedade inteira a partir não de uma tela de computador, mas de uma janela que se abre e deixa entrar.

Como podemos ajudar?
Na ER Consultoria possuímos metodologia própria, conhecimentos testados e experiência prática para auxiliá-lo com as melhore práticas.
Se você possui um acervo que seja Patrimônio Cultural/Documental e não sabe como zelar por ele ou torná-lo ferramenta metodológica para ministrar conteúdos interdisciplinarmente entre em contato com a ER Consultoria. Teremos enorme prazer em pensar numa Solução customizada para as suas demandas, ou para o tratamento técnico documental de acervos documentais e fotográficos e sua preservação e conservação, além de sugerir caminhos para a produção de conteúdos didáticos interdisciplinares.
Outro aspecto que podemos ajudar são os relacionados à Projetos de Memória Institucional e suas relações com as cidades.

Veja nosso Portfólio de Cases e o que nossos clientes tem a dizer.

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EaD não é improviso! É Ferramenta.

Por: Eliana Rezende Bethancourt

A chegada do Covid19 nas existências de milhões de pessoas quase que simultaneamente, descortinou um horizonte distópico, presente apenas em ficções científicas.

Sem qualquer cerimônia ritmos de vidas, trabalhos, existências, planos simplesmente tiveram que ser interrompidos, adiados, e em alguns casos perdidos para sempre.

A Educação acabou sendo uma das áreas mais afetadas, por atingir diferentes faixas etárias e de níveis de aprendizagem que diariamente passam por ela.

E a Escola, de repente, como que num tranco, teve que digitalizar-se.

A aventura da digitalização em ambientes escolares encontra muitos e variados problemas, que por décadas, não foram tratados ou mesmo considerados. Por anos adiou-se a inciativa, considerando-se sempre que o futuro seria um bom lugar.

No entanto, e em virtude desta digitalização por trancos, assistimos a um processo de oferecer tal digitalização do ensino como panaceia de baixo custo e solução rápida para o enfrentamento do isolamento social. Era uma suposta solução, mas que resultava ser quase que de improviso, já que até então NUNCA tinha sido tomada como realidade para o ensino, em especial para os anos de formação dos alunos. Mesmo nos casos de Ensino Superior, o EaD era feito com várias ressalvas e em casos bem específicos. NUNCA como dinâmica para aulas.

Diante de tal quadro de improvisação generalizada os resultados não tem sido bons, e os motivos podem ser desfiados em um grande rosário. Poderia elencar uma infinidade deles, mas detenho em apenas alguns.

Vejamos:

1) Uma das maiores lendas sobre o EaD e processo de ensino digital ou virtual é de que ele seja barato e rápido. Bastaria um computador, um celular, uma plataforma qualquer e pronto! Mágica se daria. Vídeos poderiam ser mostrados e as aulas seriam uma festa.

A realidade é outra, muito diversa. EaD não é improviso! Não pode ser pensado como um remendo para um buraco curricular onde o ensino presencial não possa ocorrer. Até o nome parece indevido, já que o Ensino não pretende pôr os alunos à distância. Ao contrário, o maior esforço desta modalidade é dar ao aluno a sensação de proximidade ainda maior com seu professor do que em aulas presenciais.

2) Para alcançar seus objetivos PRECISA ser estruturado e pensado para seu público alvo. Necessita de  objetivos muito claros e sequências de dificuldades que incorporem e validem se a aprendizagem está ou não ocorrendo. Isto deve ser feito antecipadamente, e por isso, sua matéria-prima mais importante é o Tempo. Precisa passar por diferentes fases que vão desde a elaboração, produção, a validação e disponibilização. É um trabalho multidisciplinar que dá ao conteúdo extensão e profundidade que garantam interesse e possibilidades de aprendizagem. É neste caminho de construção que se estabelecerão as possibilidades de estreitamento de relação entre docente, discente e conteúdos propostos.

A lógica construtiva é de favorecer a aprendizagem por camadas de dificuldades e etapas, ao mesmo tempo em que individualidades se beneficiem disso, já que o estudo é individual.

Este meio de produção é interdisciplinar por que vai desde a definição e elaboração do conteúdo que o docente quer abordar a partir de um planejamento, e posteriormente, o desenho deste adequando-o ao ambiente a ser usado. Entram neste momento profissionais que trabalham com a redação, ilustração, animação destes conteúdos. Como tijolos de uma construção, vão sendo sobrepostos e encaixados para um fim último, previsto na fase de planejamento.

3) Os recursos vão muito além de plataforma digital obtida através de um aplicativo de celular ou do uso de vídeos gravados no YouTube.

Ou seja, EaD não é panaceia para nada e muito menos custa “barato”.

Infelizmente, como sempre acontece com áreas de tecnologia, há mascates que tentam vender uma fantasia que não se realiza.
EaD é APENAS FERRAMENTA!
A produção, altamente especializada fica com os alimentadores (que neste caso são os docentes e a equipe multidisciplinar citada acima). Não são mérito o produto de prateleira oferecido em uma ferramenta. Por isso, não estão no âmbito de uma Solução. Esta só pode ser oferecida pelos que sabem o que desejam, como e para quem se destina. Em outro artigo explicito a diferença entre Ferramenta e Solução, que você pode ler aqui.

5) E aí seguimos para o outro universo bastante real.
Tais plataformas necessitam de uma velocidade de internet e de trânsito de dados (no caso de celulares) relativamente grande para o quê a maioria esmagadora da sociedade não têm acesso. Muitos dos alunos não possuem sequer celular ou computadores pessoais com redes que ofereçam esta quantidade de tráfego de dados.

Do ponto de vista de tecnologia e acessibilidade somente uma minoria poderá ter acesso a este meio de ensino.

Mas as dificuldades não param na tecnologia.

Além do espaço virtual, temos uma dificuldade de espaço físico. Nossa sociedade chega a ser miserável, e imaginar que alunos conseguirão ter espaços apropriados para estudar e aprender é outra ficção. Muitos não possuem nem uma cama para chamar de sua! Dividem muitas vezes esta cama com outros irmãos, e esta é disposta em um quarto com outras “camas”, onde a família toda fica. Algumas vezes, este cômodo também é cozinha e/ou a sala. A conformação do espaço físico onde estes alunos estão, somados à inviabilização tecnológica se coloca como um muro para as necessidades de aprendizagem. Um obstáculo, muitas vezes intransponíveis.
E do ponto de vista de apoio intelectual ou mesmo o esclarecimento de dúvidas, quase quem na maioria dos casos não possuem pai ou mãe, ou alguém mais velho em condições de lhe ajudarem nas dúvidas mais simples. Temos um país onde o analfabetismo funcional e tecnológico impera. São tantas as mazelas!

6) Aí chegamos à outra ponta das necessidades: o capital intelectual produtor dos conteúdos: os professores das redes de ensino.

Uma reportagem recente mostrou que 8 em cada 10 professores se sentem incapazes de produzir e administrar os conteúdos on-line para suas diferentes turmas e séries. Vários deles, e quase que sem alternativa, usam Whatsapp para desenvolver seus conteúdos. O que representa de fato uma improvisação sem tamanho.

A formação de nossos professores é muito restrita em alguns casos, e isso faz com que tenham limitações profundas em introduzir seus conteúdos de forma diversificada e longe das salas de aula. Fazer a ponte entre conteúdos teóricos para questões práticas de aplicação tornam-se quase inviáveis para alguns docentes. às vezes por restrição intelectual, às vezes por inabilidades ou fragilidades didáticas.

Tudo estaria bem, mas ainda temos OUTRO sério e grande problema:

Nossos alunos, e dada a fraca formação que acabam por receber, estão longe do que seja saber estudar por si. O ensino EaD pode ser desafiador, e afirmo categoricamente que se beneficiarão dele os que souberem estudar, já que esta forma de ensino exige muita dedicação, concentração e disciplina. Em geral, os melhores alunos e mais dedicados são os que mais se beneficiam. Mas aqueles alunos com maiores limitações e dificuldades ficarão ainda mais longe dos objetivos propostos.

Ou seja, todo este processo de digitalização do ensino é interessantíssimo, mas muitas bases precisam ser previamente lançadas. Não há espaço para improvisos. EaD não pode ser olhado como o tapa buraco ideal num momento de pandemia.

É preciso sim, compreender que o EaD possui possibilidades e muitas limitações. E só a partir de um desenho cuidadoso que se pode optar por ele sem ser apenas um mascateador de educação. Ninguém deseja isso.

Mas então como fazer?

Em primeiro lugar, não creio que sejam as ferramentas disponíveis que darão respostas tão importantes e necessárias para nossas demandas. É preciso desmitificar o EaD como panaceia. A rigor, o elemento fundamental e mais importante na relação ensino-aprendizagem é a relação entre docentes e discentes e a forma como pontes são criadas para dar acesso à produção de conhecimento.

A dinâmica do ensino que temos nos dias de hoje ainda está presa às tradições positivistas do século XIX e começo do XX. Na maior parte das vezes, o ensino é conteudístico e os alunos colocados como receptáculos. É um sistema fabril, onde as individualidades e capacidades individuais não são tomadas em conta, onde o conteúdo é homogeneizado para consumo horizontal de muitos.

A digitalização de estratos da sociedade e a forma como as redes sociais invadiram todos os espaços alterou capacidades de concentração e interesses. De um lado nossos alunos estão viciados em estímulos rápidos e não conseguem concentrar-se por tempo suficiente para “criar” algo. No geral, os alunos delegam a ferramentas como Google e demais aplicativos, tarefas que exigiriam tempo e construção. E está aí, o calcanhar de Aquiles que os professores poderiam mudar todo o jogo do tabuleiro. Ao ensinar seus alunos a aprender e produzir, estariam libertando-se da tarefa monótona de “ensinar”. Em verdade, caberia a si a tarefa de ser um incentivador, um estimulador de trilhas para descobrir porquês. Aqui sim, acredito que a mágica se faça. E para tanto, não são as ferramentas que fazem isso. Num mundo onde onde inteligências artificiais estão em discussão, o verdadeiro “valor” não é o que máquinas são capazes de fornecer, mas sim àquilo de que precisam e só os humanos são capazes de fazer: desenvolver experiência para adquirir sabedoria.

Se o caminho é de descobertas, deve haver por parte de quem estimula isso o apreço pelo improviso, pela flexibilidade e mudanças de rumo. Portanto, o segundo passo fundamental é não exigir de si ou dos alunos mais do que todos são capazes de construir. Portanto, limite-se ao básico. Não expanda demais seus horizontes para ficar parado em lugar algum. Concentre-se com foco num ponto onde todos serão capazes de chegar e a partir dali, se for possível, seguir adiante. Neste momento é importante não sofrer da “síndrome de Deus”. Não queira fazer tudo ao mesmo tempo. Lide com suas próprias limitações, as de seus alunos e da sua instituição. Reconheça as diferenças entre todos. Aqui é uma trilha para uma montanha e cada um carrega mochilas com suprimentos diferentes, com pesos diferentes e com habilidades diferentes. Portanto, deve-se buscar um horizonte comum a todos.

Neste primeiro momento é preciso encontrar-se esta ambientação e troca.  Se ao término tiverem aprendido como realizar isso já terá sido um grande começo.

Entenda, que aqui o maior valor de todos é a capacidade criativa e colaborativa. Há que se admitir e entender que as disciplinas são comunicantes entre si. Saber fazer esta costura fina entre as partes diminuirá a carga e o volume de trabalho. Uma mesma tarefa bem construída poderá ser pensada por várias áreas e a forma de construção em projetos fica extremamente facilitada aqui.

Torne os alunos parte do processo e quem sabe, envolva-os ao ponto de eles próprios criarem conteúdos para os mais novos. Ou mesmo buscarem forma de compartilhar suas descoberta através de infinitas formas de publicação: de papel pardo à instagram, tinder, ou tipo post-it. Não importa! São apenas suportes. O que interessa é o conteúdo produzido. Isso é o que precisa ser entendido por todos: a capacidade criativa NÃO É DADA PELA FERRAMENTA usada mas sim por quem a alimenta, ou seja, TODOS NÓS!

Dou um exemplo super simples: o que faz uma pipa voar? Como se constrói uma?

A partir desta pergunta simples são acionados conhecimentos de física, matemática, artes, educação física, para ficar apenas em alguns casos. Os alunos podem tentar explicar a relação entre os tipos de papel, peso, volume, velocidade do vento no equilíbrio de sua manutenção no ar. Ao mesmo tempo que para sua construção e decoração precisam de elementos criativos e habilidade manuais. Empinar a pipa significa um bom esforço e condições ideais de clima e espaço físico (aqui se aborda o risco de uma descarga elétrica por raios ou rede elétrica). Notaram quantos elementos podem ser colocados, construídos e desconstruídos a partir daí? E há mais: as pipas podem conter para sua ilustração pequenos trechos ou poesias…

Videos criados pelos alunos podem mostrar o passo-a-passo. Ou quem sabe alguém consiga desenhar estas etapas utilizando-se da noção de elaboração de um infográfico.

Enfim… o céu é o limite para criar.

Mas aqui retomo o papel dos professores: o medo do improviso e flexibilização por parte de alguns se dá por sentirem que estão sem suas armas de segurança. O espaço da sala de aula e do livro didático se torna seu grande porto seguro. Ao criarmos situações inusitadas de aprendizagem encontraremos experiências talvez muito diferentes do que imaginamos inicialmente. Este é o ponto e a inação de muitos. Ao despertar nos alunos esta fagulha de criatividade e caminho interdisciplinar é preciso estar aberto a tudo.

E por último, mas não menos importante. Não se fie em ferramentas. Fie-se na produção conjunta de conhecimento. Escolha uma ferramenta que sirva aos teus interesses e necessidades e não o contrário, uma ferramenta que te faça de servo e te obrigue a se adequar a ela.

Descobrirá rapidamente que o segredo não é a digitalização em si, mas sim na forma como produz conhecimento a partir dos caminhos que trilha e como se aprende a aprender.

Boa sorte!!!

Como podemos ajudar?
Na ER Consultoria possuímos metodologia própria, conhecimentos testados e experiência prática para auxiliá-lo com as melhore práticas.
Se você possui um acervo que seja Patrimônio Cultural/Documental e não sabe como zelar por ele ou torná-lo ferramenta metodológica para ministrar conteúdos interdisciplinarmente entre em contato com a ER Consultoria. Teremos enorme prazer em pensar numa Solução customizada para as suas demandas, ou para o tratamento técnico documental de acervos documentais e fotográficos e sua preservação e conservação, além de sugerir caminhos para a produção de conteúdos didáticos interdisciplinares.

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