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Como nascem as Fake News e a Pós-Verdade?

Por: Eliana Rezende Bethancourt

É preciso que se diga e se deixe muito claro: fake news não sai do vácuo! Ela é produzida, consumida, usada e distribuída em ambientes que são frequentados por todos nós.

Uma pesquisa realizada no Brasil com o objetivo de verificar o comportamento e ação dos brasileiros diante de fake news na redes sociais revelou fatos curiosos. Foram 2.016 entrevistas que serviram de amostragem e os dados e as perguntas seguem distribuídas pelo infográfico:

Veja o as imagens do infográfico que resultou da pesquisa:

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Um dos primeiros aspectos que a pesquisa chamou atenção é o peso que as redes sociais possuem na busca por informação. Note que 74% dos entrevistados dizem procurar se informar a partir delas. O que deixa uma margem bastante pequena para fontes mais fidedignas serem buscadas como referência .

A outra surpresa foi a deque apesar das pessoas considerarem a internet uma boa fonte de informação e terem um índice elevado de conceituação, 60% das pessoas dizem que consideram a televisão como meio mais fidedigno e de maior credibilidade.
O que coloca nas mãos dos veículos de mídia uma responsabilidade e peso muito grande, tornando-os com o consentimento dos telespectadores, um forte meio de influência.

Outro ponto interessante é que mesmo tomando conhecimento de que era uma fake news, apenas 29% desmentiram ao saber, e 8% compartilharam mesmo sabendo que era uma fake news.
As justificativas improváveis para isso foram achar engraçado, divertido, ou que não era sua função fazer isso, ou porque simplesmente gostaria que fosse verdade.
E 79% identificaram membros de sua rede que compartilha fake news. Ou seja, não é segredo para ninguém.

No que concerne às responsabilidade pelas fake news os números são muito democráticos e nos indicam que TODOS são considerados culpados, menos o proprio divulgador. Notem que:
31% acham que o culpado pela fake news é quem divulgou;
28% acham que o responsável é o veículo que divulgou;
25% acham que são as redes sociais, e pasmem:
17% acham que o culpado é o que leitor!

Como entender este fenômeno das fake news e desinformação

É erro considerar que uma fake news seja composta apenas de mentiras. NÃO!
Ela surge exatamente de um elemento ou fato do real, mas que a partir disso é alterado, modificado, distorcido ou omitido em determinadas partes para compôr uma mentira que alcance muitas pessoas e com isso, viralize e se perpetue como sendo verdadeira.

A fauna por onde as fake news se propagam é diversa.
E para tanto, poderíamos dividir o circuito de sua produção, distribuição e consumo da seguinte forma:

  1. De um lado temos os produtores. Estes são pessoas que em geral, possuem uma ampla gama de seguidores e que recebem exatamente para olhar tudo o que está acontecendo e busca brechas de inserção de MENTIRAS, DISTORSÕES ou mesmo OMISSÕES (esconde-se partes da realidade). É um caso clássico de DESINFORMAÇÃO. O principal objetivo é lançar um tema que repercuta na audiência e se transforme em um rastilho de pólvora que pode ser bem sucedido e simplesmente explodir o alvo desejado.

    A partir deste ponto criam-se manchetes e imagens que possam viralizar rapidamente em sua audiência.

    É interessante entender que tais produtores de conteúdo, como todos os que trabalham com esta área, conhecem profundamente seu público alvo e o que este público consome, gosta e compartilha.

    A audiência é fundamental para que consigam entrar em diferentes grupos e setores sociais, políticos e econômicos. Esta produção não é feita para ser questionada. Seus consumidores devem consumi-la e seguir na tarefa de reproduzir isso.
    Funcionam como câmaras de eco. Em geral, são gestores de grupos de WhatsApp que funcionam como a ponta de uma pirâmide gigante de pessoas que estarão nas ruas e na vida cotidiana fazendo com que as fake news ganhem as ruas, as conversas de boteco e as brigas entre familiares e amigos.
  2. A seguir e sendo absolutamente necessário temos os que se encarregarão da distribuição.
    Aqui não falamos da distribuição organizada entre produtores de conteúdo e influenciadores e gestores de grupo. Aqui falamos do consumidor cotidiano que integra diferentes grupos estruturados e grupos outros como: familiares, amigos, colegas de trabalho e que receberá e compartilhará tais fake news.

    E aqui temos um ponto muito interessante: TODOS os que compartilham definitivamente querem fazer isso, mas há diferenças importantes entre estes compartilhadores, receptores e reprodutores destas mentiras.

    Existem aqueles que consomem como a verdade mais pura e limpa e acreditam piamente em tudo. Aqui temos o compartilhador que parece estar numa profissão de fé: acreditam de forma visceral no que leem e possuem um perfil fundamentalista muito parecido com os encontrados em seitas religiosas.

    Simplesmente creem!

    E do outro lado, a mesma força de amor por este lado da fake news significa um ódio mortal à tudo e todos que o contrariam ou pensam de forma diversa.

    Torna-se a famosa luta do BEM contra o MAL em suas perspectivas e visões de mundo.
    O outro distribuidor DEFINITIVAMENTE SABE que se trata de Fake News. Não estão enganados sobre aquilo que compartilham. Possuem recursos intelectuais e informações que mostram claramente que se trata de uma construção mentirosa. Mas compartilham simplesmente porque DESEJAM que isso se viralize como verdade.

    Este perfil, compartilha por desejar sinceramente que isso seja uma verdade. Aposta na confusão que trará e que de alguma forma e por um tempo maculará a imagem daqueles que ODEIA, pois de novo se colocam em lados opostos.
  3. Uma vez distribuídas, tais fake news passam a ser consumidas nas diferentes vias da rua larga da internet, mas não apenas nela.

    Será reproduzida nas ruas, nos bares, nos encontros, nos trabalhos, nos transportes públicos, nas rodas de amigos. Neste ambiente, a fake News se propaga numa velocidade ainda maior e sairá dos radares de monitoramento de redes e encontrará absolutamente todos com predisposição a aceitar e desejar que tais mentiras sejam verdade.

    A partir daí temos um território de solidificação de uma imagem e narrativa que se quer construir, e em muitos casos, ganham tintas com ares de salvamento messiânico.
  4. E qual o papel dos agentes midiáticos na produção e distribuição de desinformação?
    Aqui encontramos uma situação interessante. Muitas vezes, os veículos de imprensa através de suas pautas transformam a desinformação em câmara de eco que será utilizada como matéria-prima para a produção de fake news.

    Num mundo que lida com o déficit de atenção, as manchetes são construídas com o velho jogo de letras e imagem que levem o leitor à apenas ‘deduzir’ o seu conteúdo. A partir daí entramos no território da imaginação livre onde vale tudo. É muito usual termos manchetes que não tem absolutamente nada que ver com o conteúdo.

    Em muitos casos – e nós temos inúmeros exemplos disso – os veículos de imprensa se posicionam de modo a comprometer sua lisura em todo o processo. E nos últimos anos não tem escondido seu lado. Aí temos o pior dos mundos, pois temos uma realidade paralela sendo fortalecida por aqueles deveriam combater as fake news e seus divulgadores.

    Em outros casos, temos a repetição incessante de um tema. como um mantra parece querer transformar em realidade o dito. É a outra forma que as câmaras de eco podem funcionar em mentes desavisadas e desatentas.

    Há ainda as redes sociais que cada vez mais tem se transformado numa tem sem lei e sem regras onde qualquer coisa é válida.

    Infelizmente não temos o que fazer. O importante é conseguir construir um repertório diverso e bem fundamentado para enxergar as brechas e direcionamentos que os meios de comunicação tentam nos impor. Não estamos falando de negacionismo, estamos falando de crítica fundamentada.

Assim, aqui algumas dicas de como agir:

Como forma de sintetizar e definir cada tipo de fake news, observe as imagens abaixo:

Como entender o conceito de Pós Verdade?

A explicação da palavra pós-verdade de acordo com o Oxford é de que o composto do prefixo ‘pós’ não se refere apenas ao tempo seguinte a alguma situação ou evento – como pós-guerra, por exemplo –, mas sim a ‘pertencer a um momento em que o conceito específico se tornou irrelevante ou não é mais importante’. Neste caso, a verdade. Portanto, pós-verdade se refere ao momento em que a verdade já não é mais importante como já foi.”

Dicionário Oxford

O que é claro neste conceito é a indisposição para os fatos em si. Para os adeptos da Pós-Verdade, segundo Dunker

Há uma suspensão completa de referência a fatos e verificações objetivas, substituídas por opiniões tornadas verossímeis apenas à base de repetições, sem confirmação de fontes. O conceito envolve uma combinação calculada de observações corretas, interpretações plausíveis e fontes confiáveis em uma mistura que é, no conjunto, absolutamente falsa e interesseira

Dunker, 2017

A principal característica dos tempos de Pós-Verdade é uma total indisponibilidade ao diálogo, onde as pessoas previamente já possuem uma determinada visão dos fatos e uma leitura da realidade que não admite uma versão contrária à sua. Chega a ser uma visão autoritária e restrita. Neste ponto, os sujeitos simplesmente se aproximam ou rejeitam de determinados argumentos retóricos que lhe são preferíveis, independente de sua verdade.

De forma bastante direta poderíamos afirmar que na Pós-Verdade há a substituição de fatos por convicção para validar posicionamentos.

De novo usando Dunker (2017) temos que:

Há três traços que marcam discursivamente a pós-verdade.
O primeiro deles é o da aceleração, entendida como um “fenômeno da cultura da performance generalizada, derivada do universo da produção e da soberania do resultado”.
Em outras palavras, refere-se ao número exacerbado de informações e instrumentos que acabam por dificultar a apreensão cautelosa dos fatos.
O segundo traço é a retórica icônica desses discursos, isto é, a quantidade exacerbada de informação que costuma vir em blocos, exigindo uma leitura como um “todo de uma vez”, o que ocasiona, com a mesma velocidade, picos de informação e o seu total esquecimento.
Um terceiro e último traço discursivo é que a pós-verdade “está muito ligada a certos esquemas de ação e protocolos de funcionamento”.

Dunker, 2017

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Bibliografia
DUNKER, Christian. Subjetividade em tempos de pós-verdade. In: DUNKER, Christian et al. Ética e pós-verdade. Porto Alegre/São Paulo: Dublinense, 2017.

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