Por: Eliana Rezende Bethancourt

O século XXI inicia-se sob a égide da tecnologia e do acesso à Informação.
Moeda social de fácil circulação, a informação abunda em diferentes meios e suportes. Partilhada, compartilhada, inventada, emendada, negociada é exposta como sendo “direito” de todos.

Em sua origem, seria algo muito interessante.

Mas infelizmente o acesso irrestrito e em profusão de informação longe de representar um ativo, é em muitos casos um passivo de difícil gerência.

Um simples zapping nos canais de noticias (incluem-se aí: rádios, TVs e mesmo portais informativos), para alguns, nos fará notar um único diagnóstico: a imprensa vem sofrendo do que poderiamos chamar de crise de inteligência. A forma como tudo é apresentado: simplista e maniqueistamente nos faz pensar sobre, afinal qual seria o papel do jornalista de carreira.

Em sua maioria vemos uma rasa superficialidade, onde a ausência de uma reflexão ou aprofundamento de um fato simplesmente não existem. A obviedade de todas as construções chamam a atenção. Calcada em quase boatos, factoides, o jornalismo tende a nos fornecer construções folhetinescas. Deficiências primárias de contextos, estudo e análises.

Boas perguntas deveriam ser matrizes para boas respostas. Mas se aquele que deveria saber perguntar não o faz por não saber ou não querer, como obterá bons resultados?

A trama construtiva em cada um dos casos ganha o uso de bordões, chavões que massacram ouvidos e compreensões numa nítida tentativa de impor-se como uma única via e como tal, sem possibilidades de questionamentos e confrontos.

A fragilidade discursiva se coloca ao mesmo tempo em que nitidamente vê-se o impositivo de explicações maniqueístas de vida e de mundo, em especial nas temáticas com viés político e econômico. Numa teatralidade igualmente carente de brilho e talento, repórteres, âncoras e jornalistas tentam atrás de teleprompters convencer os que estão do outro lado da seriedade de seu relato ou gravidade de suposições, através de gestuais e franzidos de testa. Como se credibilidade se construísse por teatro e jogo cênico!

Frases quase sempre construídas com verbos como “teria dito, teria falado, teria visto” poluem textos, turvam mentes e são apenas fumaça que serve apenas para nebular os sentidos.    

Alçados em mediadores entre “fato e interpretação”, tal impressa monotômica reduz perspectivas, banaliza interpretações, reduz possibilidades. Oferece-nos um mundo monocromático e patinado.
Reduzido em matizes, possibilidades e interpretações.
Tal quadro vem se agravando de forma assustadora.

Se pesquisarmos jornais dos séculos XIX e XX veríamos que os principais articulistas, cronistas e jornalistas eram homens de letras. Faziam escola na escrita de textos construídos com rigor e maestria. Muitos eram de fato obras-primas. O bom português era cultivado e aprendido. Os artigos eram construídos com rigor e responsabilidade. E mesmo sendo uma mídia partidarizada, os textos tinham sua virtude e encanto.

Mesmo quando a pauta era investigativa, os responsáveis iam fundo nisso. Checavam suas fontes e não deixavam nada a ser de fato investigado. Não calcavam-se em boataria de portas de presídios e corredores de fábricas e hospitais. Simplesmente investigavam. Hoje o que temos é vergonhoso.

A imprensa move-se e comporta-se de forma infantilizada e, em muitos casos irresponsavelmente coloca pessoas, reputações, vidas em lugares de injúria, difamação, equívocos e muitas mentiras.
Conduzem todos ao lugar maniqueísta de amor e ódio a ideias, pessoas, projetos. E é nítido que um discurso de ódio acaba sendo o que possui maior apelo: afinal atende de perto à satisfação imediata do maniqueísmo primordial humano.

O ódio é mais fácil ensinar que o amor porque ele (o ódio) dá um propósito imediato, sem qualquer esforço, enquanto o amor é nada além da bravura constante em face da incerteza total.

Tal estado de coisas, leva jornalistas, que de fato fazem jornalismo, a simplesmente parar tudo e refletir.

Nas palavras lúcidas de Luciano Martins Costa, ao se despedir do Observatório da Imprensa, depois de 15 anos de trabalho diário:

(…) Este observador vai interromper por tempo indeterminado suas análises diárias da imprensa brasileira através deste canal.
Os motivos que levam à interrupção desta jornada são muitos, entre os quais não é possível fazer uma hierarquia de relevâncias. Talvez fosse possível contornar alguns deles, mas há uma causa que não pode ignorada: não há muito mais o que se analisar na mídia informativa brasileira.
Os principais veículos da imprensa se transformaram em panfletos políticos e vasculhar o noticiário em busca de jornalismo que valha uma referência tem sido como buscar um fio de cabelo no palheiro.

A única pauta que interessa à mídia tradicional do Brasil é a agenda da desconstrução da aliança que controla o Poder Executivo desde 2003.
Mas essa é uma questão que os leitores atentos reconhecem em cada linha do noticiário, em cada expressão dramática nas faces dos apresentadores dos telejornais de maior audiência. Os demais – aqueles que tomam por verdadeiro tudo que sai na imprensa – seguirão repetindo a linguagem chula dos pitbulls que trucidam a língua culta e subvertem a narrativa jornalística.

Mas sabemos todos que, uma vez colocada a lente da crítica sobre a imprensa, você nunca mais vai ler jornal do mesmo jeito“.

De outro lado, tais agentes panfletários encontram ouvidos e mentes, não de leitores (que supostamente deveriam saber ser críticos e não simplesmente tomar cada vírgula como verdade absoluta),  mas do que o próprio Luciano Costa, chama de “midiotas“.

Os midiotas são aqueles que tomam os relatos de forma bidimensional. Não são capazes de entender contextos e conexões de sentido. Faltam-lhe estofo e dimensões  históricas, sociais, políticas. Não entendem o mundo como produto de relações que se tecem no tempo/espaço. Assim, mundo ganha ares apocalípticos. É o maniqueismo fundamentalista ganhando ruas e tendo nos midiotas um coro de rancores, preconceitos, xingamentos, e tudo o que de mais vil os meios de comunicação podem produzir. Tomam o que leem de forma literal e, pior do que tudo, reproduzem como chavões o pobre linguajar chulo de pitbulls. Em sua visão torpe acreditam estar fazendo crítica social!

Em verdade, são incapazes de articular um raciocínio crítico ao que lhes é exposto em quantidade por uma mídia hegemônica que pratica todo o tempo a desinformação como tática.

Estes midiotas desconhecendo as sutis distinções e matizes de pensamento do político, social, cultural conseguem posicionar-se mais frequentemente em meros termos moralistas e legalistas, de bem e mal absolutos. Afinal, é a forma mais rudimentar e primitiva de pensamento, a mais simples de todas.
Não sabem que entre um polo e outro há uma imensidão de nuances e perspectivas.
Não sabem que História não se escreve em dias ou horas para satisfazer desejos imediatos. Escreve-se no tempo, pelo tempo e sua face não se dá a conhecer apenas por meio de uma manchete sensacionalista.

mais uma vez cito Luciano Martins Costa:

“A opinião pública(da), quando concentrada nas mãos de um cartel, possui grande poder de agendar e interditar debates ao gosto do dono da editoria. Esta distorção gera efeitos deletérios no processo democrático e de tomada de decisões (…) O viés conservador, predominante na mídia, martelado diariamente sobre as pessoas, induz a posicionamentos reacionários, defensivos e individualistas” (…) A sociedade é influenciada na medida em que um grande número de indivíduos perde a noção daquilo que é do interesse coletivo e das responsabilidades individuais na construção de uma sociedade (…) Como o interesse social é difuso, o discurso manipulador da mídia transforma facilmente o sentido dos fatos”.

Sem saber “ler” as intenções deste ecossistema da comunicação, as vítimas tornam-se midiotas carimbados. 

O linguista e sociólogo Noam Chomsky falando exatamente sobre as diversas maneiras das mídias tentarem manipular ou desinformar propões um decálogo das principais técnicas empregadas.
Observe o infográfico:

Tomando como sugestão seu decálogo, apresento a minha interpretação destas táticas:

  1. Distração
    Esta tática é usada de forma frequente e procura saturar um tema sem grande relevância, mas que de certa forma prenda a atenção dos expectadores: assaltos, mortes apresentados sempre em tom de dramaticidade sem profundidade alguma. O fato é dado por ele mesmo sem questionamentos sobre suas causas, efeitos, consequências. Uma avalanche é apresentada uma após a outra e o que se ganha com isso é apenas encher o tempo com o NADA.
  2. O principio do problema-solução
    Aqui é apresentado um grande problema, de novo dramatizado, mas com dados incertos, ou equivocados ou manipulados. Apresenta-se um grande problema e a seguir uma suposta solução quase mágica. Em alguns casos o objetivo é causar comoção ou alarmismo e gerar com isso maior audiência.
  3. Estratégia da gradualidade
    Esta estratégia é usada às vezes por dias, meses, ou até anos para tornar aceitável ao final algo que inicialmente é absolutamente inaceitável. Pouco a pouco ela é introduzida e naturalizada nos meios sociais até ser completamente aceita
  4. Estratégia do Adiamento
    Ao apresentar ideias impopulares ou indigestas o fazem de forma a fazer crer que são medidas necessárias e que trarão resultados no futuro. Como um remédio amargo que precisa ser ministrado.
  5. Comunicação feita de forma infantilizada
    Este recurso é muito utilizado como forma de simplificação e de manter todo o conteúdo num universo bastante raso e sem profundidade. Ao infantilizar as informações as pessoas agirão de forma infantil e não pensarão muito sobre o que está sendo dito. Além de uma forma de manipulação é também uma forma de reduzir as possibilidades de debates, críticas e questionamentos sobre todas as coisas.
    Aqui temos uma das estratégias mais utilizadas por meios midiáticos, pois a simplificação rasa favorece sua disseminação. É o caso por exemplo, de mensagens que circulam no WhatsApp: elas primas pela simplificação rasa e rápida sobre tudo e todas as coisas.
  6. Utilização da emoção para frear a racionalização
    O uso da emoção como recurso midiático principal se dá pelo fato de esta favorecer o bloqueio da capacidade de racionalizar sobre as coisas. Assim, todo tom demagógico e populista explora a emoção como principal caminho de comunicação, em especial com grandes massas. A emoção em geral, turva os sentidos e apela para sentimentos que não se importam com explicações mais aprofundadas.
    Sem questionamentos, a emoção facilita enormemente o convencimento e até a obediência, tornando o indivíduo muito mais influenciável.
  7. Estratégia da ignorância e mediocridade
    Quanto menos uma sociedade possui acesso à informações e conhecimento que seja relevante, maiores serão as probabilidades de manter-se num ponto de mediocridade que não questiona e não é capaz de compreender o que acontece à sua volta. Quanto mais ignorantes sobre temas relevantes, menores as possibilidades de opinar, criticar e influenciar outros.
    Nesta estratégia são parceiros meios midiáticos e meios que detém o poder de forma geral. Garantir ignorância com mediocridade é garantir um projeto de poder e controle sobre massas sugestionáveis e dóceis.
    É usual a noção de que ser ignorante, inculto, vulgar ou estúpido é algo da moda e um valor a ser buscado. O incentivo à ignorância é feito com orgulho.
  8. Introdução de modelos de comportamento
    Os meios de comunicação não são apenas de informação. São também os meios de publicidade que oferecem modelos de consumo de ideias, produtos e comportamentos. Quanto maior a mediocridade reinante mais fáceis serão a introdução de modelos de comportamentos enquadrados e previsíveis. A mediocridade acaba sendo o meio mais eficaz de manipulação com excelentes resultados, já que seres pensantes dificilmente se deixarão influenciar por este ou aquele comportamento massivo.
  9. A Estratégia da Autoculpabilização
    Esta estratégia é uma das mais bem sucedidas em ambientes midiáticos, profissionais e até religiosos.
    Aqui o individuo é o responsável por todos os seus fracassos, sucessos, infelicidades. O emprego perdido, a baixa remuneração, as dificuldades em sua formação são todos tomados como parte de sua grande culpa.
    Com esta estratégia a pessoa nunca se rebelará contra a sociedade ou o sistema que o oprime, tira-lhe o emprego, marginaliza ou reduz salários. Ele se sentirá responsável, se culpará, se autoflagelará. E o mesmo acontecerá no caminho religiosos deste individuo: ele se humilhará e se penitenciará diante de um deus perfeito. Sempre se considerará indigno e miserável sob todos os aspectos.
  10. Onisciência e Onipresença Midiática
    Os meios digitais hoje em dia são capazes de saber sobre nós mais do que nos próprios seriamos capazes. Sabem sobre nossos prazeres, desejos, deficiências. Todos os dias fornecemos inúmeros dados sobre o que somos, como somos e de que forma fazemos, com quem nos relacionamos e o que priorizamos. Rapidamente nos tornamos escravos de um amo que tudo sabe e o próximo passo para a chamada servidão voluntária está dado. Sem notarmos não saímos mais dos muros desta prisão digital, onde pensamos estar junto com todos, mas em verdade desfrutamos da mais absoluta solidão algorítmica. Somos apenas distraídos pela fantasia de comunidades e amigos, e presas fáceis de todas as estratégias citadas acima.

E assim seguimos observando escritos e leitores de um tempo onde a crise de inteligência midiática impera e uma fauna rica em equívocos prolifera. Tempos onde a massa de manobra é grande e não sabe para onde vai. Seguem amontoados movimentos de manada repetindo mantras, sem noções de passado, presente ou de qualquer perspectiva de futuro. Não entendem como o mundo e todo seu entorno é feito de contextos, muito mais complexos do que os apresentados no noticiário.

Que falta boas letras e leitores fazem! 

* Versão atualizada e revisada de post publicado originalmente no meu Blog, o Pensados a Tinta

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