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O Valor do Conteúdo: uma reflexão

Por: Eliana Rezende Bethancourt

A questão da produção, circulação e valor do conteúdo em ambientes digitais é um tema que interessa muito e que é fundamental quando pensamos os ambientes em que estamos inseridos, sejam eles institucionais, públicos ou privados, sejam os meios educacionais e culturais. Em outras oportunidades, falei sobre qual seria o perfil do Gestor de Conhecimento e o que seria a Curadoria de Conteúdos: quem faz e como faz.

Nesta oportunidade especificamente não me refiro à produção de Conhecimento.
Para mim, tal produção requer algo muito mais aprofundado do que a mera explicitação de conteúdo em ambiente web. Tais conteúdos são relevantes para a circulação de informação e ideias, num ambiente mais ágil que pode levar eventualmente seus consumidores e interlocutores à uma reflexão, que pode originar a produção de uma abordagem mais elaborada. Esta sim podendo ser considerada a produção de Conhecimento, que em geral, será comunicada a partir de artigos acadêmicos e/ou científicos, e que portanto, de maior fôlego para veículos próprios para isso e que alcançarão um público mais especializado e gabaritado para interação e divulgação na sociedade.

É preciso que se diga que o mundo em web oferece muitas possibilidades para a produção de conteúdo, muitos deles bastante relevantes, mas como não transformar nossa produção apenas em ruído? Como não permitir que tal produção de conteúdo signifique, apenas e tão somente, mais registros e informações que se convertem em infointoxicação, um excesso que apenas causa ruído e não favorece aquilo que chamamos de valor? Entropia.

Facilidade e imediaticidade tornam os conteúdos, muitas vezes, massivos, repetitivos e na maior parte das vezes muito raso. Muitos não chegam a dois ou três parágrafos mal desenvolvidos e/ou suportados por bons argumentos e consistência.

De tanto ver chego a conclusão que os conteúdos em ambiente web oferecem pelo menos três dimensões de produção e propagação. Seriam elas:

Primeira, a dimensão horizontal, que é aquela que ao produzir conteúdos busca-se em outros sites e portais mais informação. É um universo de produção onde se aglutinam informações sobre informações para deles extrair mais conteúdo. Em geral, esta dimensão procura, nos seus iguais, informações para ou contestá-las ou fortalecê-las aliando-se a elas. O esforço aqui é muito mais quantitativo e por aproximação. Mas na maior parte dos casos não representa um diálogo. Neste horizonte, se não se tomar os devidos cuidados, o que acabará ocorrendo é uma cópia simplificada e rasa, ou ainda pior: um plágio por pura preguiça ou má fé.
Neste universo, o produtor ao invés de inspirar-se nos conteúdos encontrados e mostrar outras abordagens, ou aprofundar os mesmos, simplesmente cola e copia.

Segunda, a dimensão vertical. Nela há um maior aprofundamento dentro de uma determinada linha temática. A verticalização aprofunda na medida em que esquadrinha, disseca e verticaliza cada uma de suas variáveis ou aspectos. Em geral, o recurso à verticalidade dentro de um site ou portal é aprofundar temas levantados de forma superficial na abordagem horizontal citada acima. Representa, em verdade, uma tentativa de adensar alguns aspectos onde a horizontalidade não permitiu.
Quando este exercício é bem executado a produção de conteúdo começa a ganhar consistência e valor. Aqui o produtor não é um mero reprodutor do que encontrou. Começa a buscar conexões possíveis e avança, ainda que em uma única direção.
O cuidado aqui é não tornar-se monotômico e falar SEMPRE DA MESMA COISA. Isso irá dar a sensação de que o produtor de conteúdo ao invés de ser um especialista é alguém com profundos receios e inseguranças, e que só é capaz de se movimentar dentro de um quadrado bem delimitado de ideias e concepções. Acabará por também limitar e circunscrever seus leitores, que diante de tantas ofertas migrará para outra parte por começar a achar que nunca há novidades e que sempre tem-se a impressão de já ter lido aquele conteúdo.
Note que aqui o conteúdo talvez seja mesmo bom, mas a monotomia oferecida fará com que o desinteresse passe a predominar e o valor deste conteúdo diminuirá cada vez mais.

E, por último temos a dimensão transversal, que é exatamente a busca de expandir ideias para além de suas fronteiras e encontrar em informações correlatas formas de ‘alargar’ conteúdos. Neste caso, entendo que uma ou mais linhas de verticalização serão cruzadas e expandidas em outras direções a partir de outros conteúdos produzidos por outros. Assim funciona de forma muito parecida com os recursos de hipertextos que usamos em várias circunstâncias.
Para a produção de conteúdos esta dimensão é que possui maiores chances de produzir conteúdos relevantes, interessantes e diversos.
Aqui o produtor de conteúdo mostrará ousadia e estará incessantemente se desafiando e desafiando seus leitores à novos horizontes e ideais. A imaginação e curiosidade serão seus maiores trunfos, tanto sua quanto de seus leitores. Sua imaginação criativa e curiosidade o lançarão há novos horizontes que o desafiarão a estudar e conhecer outros caminhos e possibilidades, de outro lado, a sua curiosidade o alimentará na mesma proporção que seus leitores serão incentivados à ela.
Atingir este ponto é altamente compensador e os resultados visíveis.

Esta estratificação permite que a informação seja produzida e trafegue por várias instâncias, e que em especial, atenda diferentes públicos e melhore seus objetivos. Apesar disso tudo, aflige-me a superficialidade que os tempos de web oferecem. Anteriormente esta produção tinha apenas um matiz que era a forma escrita. Rapidamente ganhou formatos de hipertextos e links, para seguir por outros formatos como os podcats, vídeos sua febre mais atual, as lives. Independente daquilo que seja seus meios ou suportes de veiculação, algumas perguntas necessitam ser feitas:

Não teríamos que ir mais longe e mais fundo?
Pode ser, mas como ir contra toda uma tradição onde o mundo é compartimentado em pequenos extratos e partes, a que se chama especialização?

O que se passa?

Este compartimento esquadrinhado que o “Saber” acabou nos colocando nos leva a um ponto de limitação. O grau de especialização tornou as pessoas muito mais suscetíveis a saberem cada vez mais de uma coisa só, e este é apenas um lado da questão.
De outro lado, e não menos importante, está a defesa desta compartimentação devido às inúmeras concepções sobre o que vem a ser conhecimento.

A produção de conteúdo objetiva sempre atender um determinado público, e este a cada dia é mais diversificado na mesma proporção em que é desatento. As pessoas, que em geral, são as receptoras destes conteúdos: basicamente planam sobre os temas que são de seu interesse quicando aqui e ali sem de fato se concentrar no que busca.

Há ainda os que definitivamente não sabem o que procurar. Simplesmente esperam lançar uma palavra e lá encontrar, tanto as perguntas quanto as respostas, mesmo que não sejam as suas.

Fico muito preocupada ao constatar que há uma massa monumental de pessoas que mesmo longe de áreas de formação, mas sim inseridas no mundo social, também acabam por preferir parcelas segmentadas de tudo. Um planar sobre tudo e uma real impossibilidade de seguir profundamente algo.

O ambiente web e todas as suas potencialidades deveriam fazer as pessoas conseguir ir mais longe, mais fundo e com muito menos fronteiras e limites. No entanto, o que vejo se configurando nesse ciberespaço é exatamente o contrário disso tudo. Talvez tenha sido essa a minha motivação de proposição: afinal porque está sendo cada vez mais difícil encontrarmos conteúdos relevantes? O que falta?
Porque será que cada vez mais as pessoas deixam de se importar e até preferem que os conteúdos sejam cada vez mais sintéticos, em nome de uma pressuposta objetividade?
É a irrelevância o maior objeto de consumo?

Mas Conhecimento não é consumo!
E aí temos um nó górdio. Nossa atual civilização se importa muito pouco com o Conhecimento. A informação massificada e generalizada à toque de uma ‘Goolgada’ leva as pessoas tanto a consumir como a produzir platitudes. A preguiça intelectual é generalizada e mantém conteúdos massificados, rasos e rápidos. As lives nos dias de hoje, tem sido um bom exemplo de platitude com pressa à mistura. A ânsia de achar que “inova” com uma resposta rápida para consumo imediato leva ao engodo de uma proliferação sem sentido e medíocre de lives para tudo e qualquer coisa. Cansam pela proposta rudimentar de repetir o mais do mesmo.

E ainda há a preguiça da produção de conteúdo de valor e original. A sociedade do copia e cola tem muitos problemas no que concerne a produção de ideias inéditas ou que ofereçam abordagens diversas das que estão em voga. Aí é muito comum nos deparamos com o pior que a produção de conteúdos pode conter: o plágio.

A questão de autoria na produção e valor do conteúdo

Atualmente a noção de autoria e produtor de conteúdo parecem confusas e se notarmos até a Lei de Direitos Autorais votada no Brasil em 1998 apresenta sérias confusões em relação a isso. Já que o produtor, em especial na web, faz isso com espírito de compartilhamento, doação em beneficio de uma “coisa pública”. Em geral, não está preocupado com a autoria porque acredita que essa é apenas uma variável entre muitas possibilidades.

Ou seja, de um lado há a ideia da generosidade de doação por parte de uns e a má fé irresponsável por parte de outros, onde deixa de creditar uma ideia, um pensamento e assim por diante.

Fica claro portanto, que há muitas interfaces a ser tomada em consideração na produção de conteúdo.

Mas produzir conteúdo não é tudo! Sou adepta de que é preciso produzir com qualidade.
Não consigo pensar na produção de conteúdo como sendo algo sem interesse, verticalidade e profundidade, ainda que para um post que integrará um portal ou um site ou mesmo uma live.

É óbvio que é necessário criar formas de registro simples, eficientes, acessíveis e -insisto neste ponto – altamente compartilháveis, seria uma solução. Mas por outro lado, e também muito importante, seria necessário mudar a atitude dos mortais em relação ao acesso a estes registros, estas informações, e desses conhecimentos gerados.

De um lado, teríamos uma atitude que deveria ir na direção de ser capaz de veicular informações sólidas, mas de forma acessível para que cada vez mais pessoas se interessem pela consistência. Aqui a questão de saber comunicar é fundamental. A magia está em tornar simples e palatável algo que definitivamente é profundo e complexo. A mediação aqui do produtor de conteúdo é fundamental. É dele a função de agregar valor ao que expõe. Fazendo isso produz-se um círculo virtuoso de valor e não um circulo vicioso de platitudes que não servem para quase nada.

O produtor de conteúdo tem que compreender que seu papel é comunicar ideias relevantes. Pode ser um eficiente mediador entre a circulação de informação e a produção de conhecimento.

Por isso, cada vez mais sinto falta do sentido de humanismo ao qual me filio e gosto de adotar, ou seja, esse sentido de que não se deve excluir nunca. Temos sim que comunicar e intercambiar áreas, saberes, perspectivas. Oferecer sempre portas para que mais descobertas se deem. Não cabe ao produtor de conteúdo a última palavra. Ele é apenas um veículo, um facilitador para que mais conteúdo seja produzido, ainda que seja na direção oposta à sua.

Este mundo segmentado, compartimentado e fechado em si não pode ir muito longe ou avançar a outros horizontes. Quando deixarmos ruir todos esses compartimentos e muros, erguidos por vaidade ou ignorância, aí sim o Conhecimento será definitivamente algo democrático de ser alcançado e sonhado por ampla parcela de pessoas e/ou organismos.

Como podemos ajudar?
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