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Dados falam. Mas a quem?

Por: Eliana RezendeBethancourt

A noticia em vários veículos de comunicação foi:

Brasil possui mais templos religiosos do que escolas e hospitais somados, segundo Censo IBGE

Veículos de Mídia

Como sempre ocorre na mídia tanto impressa como televisiva os dados e suas correspondentes informações são simplesmente jogados sem qualquer contexto, ou análise.

A sensação, quase sempre, é a de que os dados brotam instantaneamente e que qualquer possibilidade de leitura simplesmente não está dada para além dele próprio. Toma-se o dado como algo absoluto e incontestável.

Acontece que todo e qualquer dado não é fruto de geração espontânea. Ele é produzido em um determinado contexto e procura responder a algo.
Por isso, os dados, sem contexto ou objetivos não significam nada. Só se transformam em informações quando respondem à um objetivo claro e definido.

Entenda:

Pela 1ª vez na história o IBGE cruzou dados sobre os tipos de edificação e seus usos no país.
Os resultados foram reveladores e possibilitaram não apenas uma análise sobre a nossa sociedade, mas também de caminhos de desenvolvimento de política públicas.

A possibilidade dos dados terem sido introduzidos via plataforma favoreceu que inúmeras formas de cruzamento pudessem ser feitas em relação aos registros puros.

Ou seja, quando os dados são recolhidos pura e simplesmente podem pouco ou nada revelar. Para que sejam de fato úteis é preciso que sejam transformados em informação a partir de questionamentos e cruzamentos feitos por pesquisadores que tornam estes dados algo além de puros registros .

Com isso, e com tais intenções estes dados poderão ser posteriormente analisados e transformados em resultados, que favorecerão inúmeras utilizações. Transformam-se em informação, que é matéria-prima para a produção de conhecimento e produtos diversos que alimentam pesquisas e até políticas pública, como foi o caso.

Num 1º momento sua utilização está ligada ao desenvolvimento de politicas públicas voltadas para as questões que subsidiaram a massa de informação recolhida, transformada a partir dos dados registrados individualmente.

Em fase posterior, tais informações poderão ter amplos usos e aplicações por áreas de conhecimento diverso.

Explico:

O universo dos dados e sua abrangência foram obtidos a partir do Censo de 2022, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado em 02/02/2024. 

Neste Censo de 2022, foram computados e divididos de acordo com sua função estabelecimentos e edificações presentes no tecido urbano.
O resultado que acabou dando título às inúmeras manchetes deram conta de que havia no país um total de 580 mil estabelecimentos considerados religiosos.

Nada de novo teria sido acrescentado se um outro registro não tivesse sido posto em sua contrapartida: 512 mil estabelecimentos somados entre escolas e hospitais mostravam que a soma de ambos ainda era inferior ao número de edifícios ou templos religiosos.

Ou seja, a conclusão imediata destes dados era que o Brasil possuía mais templos religiosos do que a soma de instituições de ensino e saúde.

A composição dos números foi distribuída da seguinte forma:

  • 579,7 mil estabelecimentos religiosos de todos os tipos, entre igrejas, templos, sinagogas e terreiros. Uma média de 286 locais de fé para cada 100 mil habitantes.
  • 264,4 mil unidades de ensino considerando-se escolas, creches e universidades. Uma média de 130 unidade para cada 100 mil habitantes.
  • 247,5 mil edificações que são unidades de saúde e se dividem entre hospitais, prontos-socorros e clínicas. O que resulta em uma média de 122 unidades para cada 100 mil habitantes.

O que indicavam tais dados? E quais informações nos permitem obter?

A leitura destes dados pode ser feita em várias direções, mas como historiadora e arquivista gostaria de apontar alguns caminhos.

O 1º ponto que gostaria de destacar é que como citado acima, os dados por si só representam índices em forma bruta. Sem perguntas que os façam transformar-se em informação pouco ou nada revelam.
Aqueles que procuram se apropriar destes registros precisam saber o quê procuram para deles extrair análises e conjecturas.
É assim que o Conhecimento se produz. Do contrário, o que se tem são especulações, conjecturas que apesar de parecerem estar fundamentadas oferecem muitos erros nos resultados da interpretação.

A produção destes dados oficiais iniciais servem à Administração Pública, para que, através deles se possam estabelecer diretrizes para políticas públicas e estratégias de implantação e implementação de ações de acordo com as necessidades da população.

Mas num segundo momento, outros profissionais de outras áreas podem utilizar os mesmos dados. Desta feita, com outro olhar e demanda, o que resultará em novas pistas e caminhos para novos questionamentos e investigação.

Assim historiadores, sociólogos, antropólogos, arquitetos, educadores, médicos, engenheiros, sanitaristas, entre outros poderão se valer destes dados e produzir outras informações que servirão à produção de Conhecimento em suas respectivas áreas.

Alguns pesquisadores necessitam destes dados quase que imediatamente, pois para ser capaz de interferir no meio social quanto mais rápido, mais depressa alternativas e soluções serão buscadas.

Em outras áreas como a história, por exemplo, a imediaticidade não importa tanto, pois se analisará a sociedade a partir do tempo e de forma comparativa com outros períodos.

É neste sentido, que dizemos que a produção de documentos público necessita de uma Gestão Documental para que atinja os objetivos para os quais foi produzido pela Administração Pública e que a seguir, cumprindo seus prazos prescricionais possa se transformar em matéria-prima para produção de Conhecimento, e em alguns casos, até ser um registro de guarda permanente, como acontece com estes Censos do IBGE.

Quer ver como?

Veja um exemplo, como um historiador poderia se valer destes registros:

Numa análise rápida, feita de forma horizontal, fica nítido que o país é formado por uma maioria religiosa, e que pode ser considerada conservadora, em vários casos.

Apesar do recorte do IBGE não indicar, é possível afirmar que o maior percentual destes templos citados são compostos por evangélicos e pequenas seitas localizadas de forma dispersa por todo o tecido urbano, mas com maior concentração em áreas periféricas e pobres dos grandes aglomerados urbanos e mesmo em pequenas cidades e vilarejos.

Isto em si possui, como tudo, uma explicação histórica.

Durante largo tempo a Igreja Católica, considerada maioria no país, dominava todas as regiões com maior concentração em áreas periféricas da cidade por meio de suas comunidades eclesiais de base e movimentos de juventude operária e universitária católica.
Tais movimentos tinham uma participação intensa da igreja católica que eram locais onde ações sociais e resistência ao regime militar ocorriam.

A forma de alcançar estes fiéis e suas famílias era através da chamada ‘Teologia da Libertação” que tinha na assistência ao pobre seu maior trabalho.
É exatamente daí e dos movimentos de juventude universitária católica que surgem os intelectuais que subsidiarão todo o pensamento que originou a chamada esquerda brasileira e que acabou dando origem ao mais antigo e longevo partido que é o Partido dos Trabalhadores.

A partir do anos 1990 e devido a um processo de maior conservadorismo da Igreja Católica por meio do Vaticano, estes movimentos sociais foram esvaziados, seus defensores (padres, bispos, entre outros) foram deslocados para outros lugares e até mesmo para Roma.

A onda conservadora via na “teologia da libertação” um perigo vermelho, e isso esvaziou o trabalho de décadas em toda a América Latina. Criando um vazio que logo acabou por ser preenchido de outra forma e com outras configurações.

É neste ambiente que surge a chamada ‘teologia da prosperidade’, onde o mote principal é fazer com que os fiéis acreditem que precisam empreender para serem abençoados. Alguns destes templos possuem dias específicos para os fiéis empreendedores onde metas são colocadas e valores são solicitados como dízimo.

Mas não apenas isso.

Com o esvaziamento dos movimentos sociais ligados à Igreja Católica, outros espaços ficaram carentes, já que tais movimentos supriam também necessidades culturais e educativas.

É neste caminho que religiões evangélicas começaram um trabalho junto às comunidades e suas mulheres e crianças (maioria no sofrimento e luta contra maus tratos, alcoolismo, drogas, assassinatos).
E assim começa a aparecer a matriz inicial para que esta inversão de números ocorra.

Note-se que todo o movimento deu-se de forma lenta e gradual, quase imperceptível num primeiro momento. Mas agora com a passagem dos anos isso ficou nítido.

Do ponto de vista eleitoral, o primeiro reflexo foi exatamente uma maior influência no pensamento chamado erroneamente de conservador, que em verdade é sim reacionário no que tange aos costumes, e que se reflete num eleitorado muito mais à direita do que o progressista.

Do ponto de vista de políticas públicas, ficou claro que a ausência do Estado fornecendo suportes essenciais à população. Isso favoreceu que esta religiosidade ocupasse locais onde a educação e a saúde oficiais deveriam estar mais presentes.

A fé passa a ser considerada o suporte para lidar com a dificuldades da vida e com as eventuais doenças do corpo e da alma.
Os templos tornam-se espaço de vida social e trocas simbólicas e materiais, sagradas e profanas., tornando-se atrativo para diferentes públicos com diferentes necessidades: físicas, mentais, psicológicas, materiais.

O vácuo deixado pelo atendimento assistencial é preenchido pelo espaço espiritual, que se não fornecer o que se precisa no momento, promete as recompensas devidas numa vida futura.

Como estão distribuídas as outras edificações no país?

O trabalho do IBGE não se encerrou com os números acima. Também forneceu subsídios sobre outros tipos de edificação e sua distribuição por diferentes funções. Neste caso, o perfil não é igualmente homogêneo, mas oferece algumas particularidades.

Em primeiro lugar, a grande maioria dos endereços é composta por domicílios particulares compostos por casas e apartamentos, e domicílios coletivos (que incluem pensões, asilos, hotéis, presídios, cortiços). A seguir, há os estabelecimentos comerciais com diferentes finalidades (entram aí comércios em geral, prédios culturais, públicos)

  • Domicílios particulares (casas, apartamentos): 90,6 milhões
  • Estabelecimentos de outras finalidades (lojas, prédios públicos e culturais): 11,7 milhões
  • Estabelecimentos agropecuários: 4 milhões
  • Edificações em construção: 3,5 milhões
  • Domicílios coletivos (hotéis, presídios, pensões, asilos): 104,5 mil

Os dados coletados pelo Censo ajudam os governos a elaborar políticas públicas específicas, assim como promovem um planejamento urbano mais direcionado a fim de atender as demandas de cada região.

Um exemplo interessante a partir disso é, por exemplo, cruzar as informações sobre moradias coletivas e suas localizações para delas tentar definir politicas de prevenção contra desastres naturais.

A localização de grandes massas de pessoas dificultam evacuação em casos extremos e saber onde e como tais moradias estão favorecem em muito estratégias públicas.

O trabalho do IBGE é fundamental como fornecedor de dados para que políticas públicas e planejamento estratégico aconteçam, e por isso, seria impensável ficarmos mais tempo sem tais números.

Diferente do que o governo jb queria (que era a ausência de números e dados) a realização do censo favorece o trabalho de implementar políticas e favorecer os que mais precisam.

E pensando a médio e longo prazo, fornece subsídios fundamentais para pesquisadores futuros conheçam a sociedade e seus problemas. Historiadores, Sociólogos, Antropólogos, Geógrafos, Arquitetos, Infectologistas, Educadores, Médicos, Epidemiologistas e Engenheiros, entre outros tantos serão beneficiados com o que estes registros revelarem.

Como a ER Consultoria pode ajudá-lo?


Na ER Consultoria possuímos metodologia própria para utilizar as informações contidas nos documentos em diferentes tipos de acervos e/ou arquivos para Gestão Documental com vistas ao fortalecimento de Identidade e Cultura Organizacional em empresas de diferentes segmentos e suas áreas de atuação. Além de ofereceremos metodologias e técnicas adequadas para a Preservação e Conservação de Acervos e seus suportes físicos ou digitais.

Defendemos a organização documental como forma de dar acesso à todo este Patrimônio documental que serve à diferentes áreas e gerações. Longe de ser um Arquivo Morto, a documentação produzida no desempenho de funções públicas são fundamentais para que o exercício de cidadania se dê e como meio de dar acesso ao bem mais precioso que possuímos que é a Informação.

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