Escrito e lido por: Eliana Rezende Rezende Bethancourt

Desafiam, instigam, maquiam… e, certamente provocam verdadeiras plásticas em sentidos, coisas, objetivos e relações.
Palavras que carregavam seu sentido e essência veem-se alteradas e/ou modificadas em uma forma de sequestro de significados, numa assepsia acéfala e às vezes, perversa .

A provocação aqui está em exatamente mostrar o quanto palavras foram extirpados dos nossos dicionários, e passaram a sofrer um processo de assepsia pela escrita e pela fala.
Termos, por exemplo, como velhice e morte passam a sofrer um processo de domesticação e afastamento como sendo algo abjeto, mesmo sendo parte de algo natural e que de fato fecha um ciclo do que integra a chamada existência. Em alguns casos, se transformam em termos tabus, considerados inapropriados à diferentes ocasiões.

Defendo o uso de tais palavras, livre de trincheiras, plásticas, maquiagens!

Por isso, em relação a estes termos como envelhecimento e morte quero tudo o que delas fazem parte. Se viver e envelhecer significar ter as marcas que o tempo me fez (quer na face, quer na alma), a experiência acumulada pela velhice dos meus anos e porque não dizer que quero a Boa Morte… no sentido da dignidade do encontro com um fim, porque não as usar?
Que eu possa ter a dignidade e naturalidade de viver isso tudo sem intermediários em seu momento final: tubos, máquinas ou mesmo palavras que roubem o sentido daquilo que de fato se vive.
Pois morrer e envelhecer são parte, negar isso é contradizer o que é natural.

Nossa sociedade está se habituando a mudar nomes como uma interferência asséptica, esquecendo-se que, envelhecer e morrer, possuem seus sentidos e significados, mudar as palavras não tira o sentido que eles têm.

Por isso, sou adepta de me chamarem como a vida assim quis. E se estiver velha, que me chamem de velha!

Talvez uma das formas que as usam para não enfrentar posicionamentos é exatamente nominar as coisas de outras formas. O enfrentamento não ocorre e as trincheiras das palavras servem apenas para dar sentidos outros ao que verdadeiramente se sente.

A sociedade que persegue a beleza das formas e a juventude infinita, se esquece de que o tempo é sinônimo do acúmulo e que para a maioria dos casos deveriam tornar as pessoas melhores, mais tolerantes e com uma capacidade de interação maior, sem agressividades ou desrespeitos.

Infelizmente o tempo não faz isso a todos e ferir pelas palavras passa a ser um meio subalterno de tentar chamar atenção para si. Donde chamar velho será xingamento. Forma amiudada de querer ser superior, pois mais jovem. Este recurso servirá apenas para pôr luz sobre as dificuldades de lidar consigo próprio e com o outro, nas relações pessoais, sociais, interpessoais e profissionais.

A velhice e a morte são faces da mesma moeda chamada vida e tê-las conosco é sinal de que entendemos o que todo um ciclo significou. É a moeda de troca que nos dá o simples direito de existir.

Certa vez um integrante de Grupo, o Professor Emicles Manguinho Filho, me disse algo lindo: que na Bahia (mais especificamente no interior), comunga-se com essa forma de pensar, porém, os poetas interioranos, na sua simplicidade, usam como sinônimo para o idoso do texto o termo “veiança“.
Achei absurdamente fantástico isso!
Longe de ser uma maquiagem que tenta trazer uma plástica de sentido, “veiança“,  ao contrário é uma bela palavra, em especial se tomarmos o seu sentido de produção cultural. Algumas palavras funcionam como roupagem e adorno para o sentido do que queremos transmitir.

Assim, “veiança” é uma delícia de fato!

Mas no mundo corporativo não é bem assim.

É comum o uso de palavras que chegam emprestadas de outras línguas, que camuflam e sofisticam fazeres sem conteúdo: a falácia da igualdade de programas de inclusão mal conduzidos, que acabam por segregar os diferentes; a responsabilidade social reduzida à uma ação assistencialista à comunidades, passando longe do ideal de desenvolvimento; o discurso da qualidade de vida no trabalho, enquanto se extrai sangue diretamente da jugular dos executivos, consultores e funcionários… são contradições que escancaram o que de fato se esconde atrás de trincheiras de palavras usadas apenas como camuflagem.

Nestes espaços, seus velhos são chamados de sêniors e rapidamente o mercado tenta substituir seus cabelos brancos por Júniors, recém chegados de seus MBAs. 
Velhos e jovens deveriam ser complementares, imprescindíveis uns aos outros na vida e nas organizações. E não vale dizer, por exemplo, que os velhos são a experiência enquanto os jovens trazem a inovação. Gerir capital Intelectual nas organizações fará com que haja simbiose e valor destas relações. Sem preconceitos.

Para este caso, estamos diante de fronteiras invisíveis criadas e tecidas nos espaços sociais, culturais e até profissionais. Os rótulos procuram enquadrar, segregar, e em vários casos, funcionam para manter ao longe o que é considerado indesejado ou inadequado aos objetivos de grupos, corporações ou indivíduos.
Numa cultura que se sustenta por consumo, substituição e juventude a qualquer preço, ser velho ganha o sentido de ultrapassado e passível de receber uma plástica de rótulos e funções.

Talvez por isso, ocorra a substituição do “sênior” por um “jovem talento” (palavras que tentam sanear espaços corporativos, dando-lhe um verniz feito de novos termos para velhos nomes, funções ou atribuições). Sênior e Júnior não podem ser tomados como antônimo um do outro! E cada dia mais Capital Intelectual é simplesmente posto fora do mercado de trabalho para ser substituído por “sangue novo”. Escrevi largamente sobre isso no artigo ‘Juniorização e perda de Capital Intelectual nas Organizações

Mas há muito mais.

A reflexão neste sentido é fundamental e nos deve fazer pensar. É fato que não mudamos uma sociedade inteira da noite para o dia, mas criar zonas de crítica e percepção é o mínimo que se deve esperar de profissionais atuantes e preocupados com a sua inserção, e a de outros.

Há também uma outra abordagem.

Há um componente que é a dimensão de autorrepresentação e de como as pessoas querem ser vistas.
As pessoas tendem a pôr ressalvas e não gostar que lhe chamem velho. Toma-se como uma forma menor de adjetivar, já que convivemos numa sociedade em que a tirania do sempre novo se impõe como necessidade de aceitação.
Isso de fato preocupa.

Vejo a necessidade de (re)significação no sentido de utilização de um termo que não merece “saneamento ou assepsia”, merecia ter seu sentido inicial. O que ocorre é que essa (re)significação deve partir do individuo, de se assumir como tal, em primeiríssimo lugar e, sem culpa ou desculpas utilizar socialmente o termo aos demais quando for o caso.
Mas sem dúvida, a escrita para consumo social coloca dia-a-dia o emprego das palavras, seus significados e apropriações culturais e sociais.
O escrito nunca é igual ao lido, e por ter a interpretação do outro pode gerar ruídos.

Me inquietam relações, sejam elas sociais, culturais, profissionais e até as midiáticas!
Para além do humano dou especial atenção a escrita e as muitas manifestações possíveis de comunicar pensamentos, ideias e as trocas, em especial as simbólicas: já que nossas moedas de troca e valor passam essencialmente pelo pensamento partilhado e compartilhado.

Por esta minha postura, já me disseram que isso seria conformismo: me render à velhice e à morte.
Mas não é conformismo. É simplesmente considerar que é parte de um grande ciclo. E que como tais merecem ter começo, meio e fim.

Não aceitá-las pode gerar em alguns certo amargor e isso não é bom nem para o individuo, nem para os que o cercam. Se tomarmos como parte, a velhice, passa a ser libertadora.
Aprendemos que somos os nossos melhores e mais presentes companheiros e que quando todos se forem, nós estaremos ali habitando nossa alma e povoando nossos mundos que existem por meio de nossos pensamentos.
Nos libertamos do compromisso de “o que você vai ser quando crescer?”. Nos libertamos da ansiedade de não saber o que resultará de nossas vidas, os amores que teremos, a vida que viveremos. Já fizemos e trilhamos o caminho da nossa história. Não há projeções inalcançáveis adiante. Haverá sim, possibilidades concretas a partir do autoconhecimento adquirido com a experiência dos anos. Não nos impomos tarefas que sabemos, não seremos capazes de realizar. E descobrimos que o maior de todos os luxos é o Tempo que temos para dedicar a nós e ao que aprendemos a gostar no decurso dos anos. As cifras não fazem sentido e o que fica de bom é tudo o que foi plenamente vivido, e não necessariamente o que nos foi remunerado.

É bom saber que o Tempo pode ser um grande aliado da vida que temos e da existência que partilhamos. E quiçá das rugas que teremos. Nesta linha de aceitação e compreensão que a vida nos marca e pinta da forma que ela quer, fiz comigo mesma o exercício de assumir os tons que a vida me pintou. E assim ganhei nos primeiros meses de 2021 em período pandêmico os tons prateados que contam um pouco da história construída e vivida até aqui. É a escrita do Tempo deixando seus traços no meu corpo: é a Escrita do Tempo sem trincheiras, máscaras ou disfarces.

A antropóloga Miriam Goldemberg, em suas pesquisas sobre o comportamento humano, colheu que o mais importante seria a qualidade das rugas e não a sua quantidade. Disse ela que o riso e o sorriso continuado, provoca rugas, porém, rugas com orientação para cima; diferentes das rugas convencionais.

Acho que só se pode brincar assim os que tem assumidos os seus anos! Aqueles que têm lá suas dificuldades tentam maquiar, “botocar”…esconder… Quem já não viu a exposição que chega a ser patética de pessoas que querem ter uma idade que não têm: pintam o cabelo, os cortam como quando tinham 20 anos, ou pior: usam as roupas desse tempo e ainda insistem com a sessão juvenil das lojas de departamento!?
Saber rir das próprias limitações é também se ver como velho, mas nem por isso como algo a ser descartado sem importância! Se dê valor e se respeite não como algo a ser descartado, mas como alguém pleno, inteiro, que basta a si próprio e que parou de estar preocupado com o que os outros pensam sobre você. Lembre-se que todas a vidas que viveu estão lá, no fundo dos teus olhos e podem ser alcançados com as memórias que te pertencem e que foram guardadas para tais momentos.

Uma vez me disseram algo que só agora entendo: “Eliana, minha cabeça pensa como quando eu tinha 20 anos… meu corpo é que tem 70!”. Inúmeras vezes me olho no espelho e me lembro exatamente do que eu pensava aos 5 anos de idade, quando minha altura só permitia que eu visse meus olhos refletidos no espelho da cômoda do quarto da minha mãe. Acho que a mente não envelhece… o corpo é que não entende bem e segue acumulando os anos!

Mas se assim é, porque então mudar seus nomes? Usemos as palavras para significar o que precisam significar. Não as usemos como trincheiras para esconder ou maquiar.

Afinal, quem precisa de plástica para as palavras?

*Adento Pós-Pandemia

Quando este post foi escrito em sua primeira versão a pandemia por COVID19 era apenas uma ficção científica.
Lido no contexto de pós pandemia o texto precisa ser redimensionado.
A morte nos chegou de forma abrupta e retirou de muitos o direito ao que chamei acima de “Boa Morte” (aquela que ocorre de forma a respeitar a naturalidade deste acontecimento). Muitos a encontram sem os intermediários necessários (medicamentos, respiradores) e não tiveram escolha ou qualquer possibilidade de paz no momento de partir. Famílias destroçadas não puderam fazer uma despedida como seria de se esperar e os lutos se arrastam em intermináveis dores.
Por isso, é preciso compreender o texto acima num contexto de normalidade e escolhas. Algo muito diferente de um momento pandêmico onde a morte chega breve, abrupta, sem escolhas e não como parte de um ciclo natural.

* *Post atualizado de publicação feita originalmente no meu Blog, o Pensados a Tinta.
Se desejar Ouça eu ler para você (escolha a opção abrir com: Music Player for Google Drive) da versão original.

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