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Abandono e/ou Destruição de Patrimônio Cultural e Arquitetônico é crime!

Por: Eliana Rezende Bethancourt

A esfera pertencente ao Patrimônio Cultural e Arquitetônico é vasta e podemos afirmar que existem muitos segmentos.
Para o efeito deste artigo, me concentrarei em um deles, que por ser único muitas vezes deixa de ser abordado, que é o Palácio do Planalto e da Alvorada e que fazem parte do conjunto arquitetônico composto pelos projetos de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer.

Por tudo isso, o Palácio do Planalto e da Alvorada são tombados como Patrimônio Cultural do país, sendo parte do Conjunto da Obras do Arquiteto Oscar Niemeyer, pelo IPHAN.

O Palácio do Planalto é de onde o Presidente da República governa de seu Gabinete e onde também estão alocados a Casa Civil, a Secretaria-Geral e o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.

O Palácio da Alvorada é a parte residencial onde o presidente e sua família moram. Apesar disso, ele possui mobiliários, obras de arte, tapeçarias, esculturas, quadros que são parte fixa do Palácio

Diante de tudo isso é sem dúvida, um espaço para Cultura e preservação de acervos que não pertencem ao Presidente da República, mas sim à Nação brasileira. Cabe ao Presidente em exercício zelar, cuidar e preservar todo este acervo e dar destino ao valor disponível como verba para realizar as manutenções e cuidados.

O Presidente da República é um inquilino por tempo provisório que no seu ‘contrato’ deve cuidar do espaço que lhe é destinado. Não para ser seu, mas para ser fiel depositário de um patrimônio que é da sociedade brasileira.

DESTRUIÇÃO E BANDONO DE jb ATINGEM TAMBÉM O ALVORADA

Infelizmente a passagem de Jair Bolsonaro (2019-2022) pelo Palácio do Planalto e da Alvorada significou uma igual metáfora para o estado de destruição, descaso e abandono deixado pelo Brasil em diferentes áreas como Saúde, Meio Ambiente, Educação, Cultura para ficar em apenas áreas mais sensíveis.
A situação foi alvo de denúncia em uma reportagem chamada por Janja Lula da Silva antes de realizar sua mudança para o Palácio. A reportagem concedida à jornalista política Natuza Nery, revelou um quadro de descaso, abandono e em alguns casos puro vandalismo com peças e objetos (link nas referências).

Dos danos mais comuns como tapetes rasgados, janelas quebradas, pisos de madeira necessitando de reparos, infiltração pelas paredes, tapetes e tapeçarias rasgados, seguiu-se à deterioração em alguns casos, e desaparecimento em outros, de obras de arte (como foi o caso de uma tela de Di Cavalcanti (com valor estimado em R$ 5 milhões de reais e que simplesmente foi retirada da Biblioteca onde estava e colocada em uma parede frontal, onde por 4 anos tomou sol inclemente e perdeu seus tons originais, o que significará a passagem por obras de restauro). Não apenas ele!

A pintura Orixás foi retirada do Planalto sofreu furos em sua tela provocado por caneta esferográfica. Para termos uma ideia do prejuízo o quadro medindo 3,61 metros de largura por 1,12 metro de altura, Orixás foi pintado por Djanira em 1966 e teria valor estimado atualmente entre R$ 1 milhão e R$ 4 milhões.

Orixás – Obra de Djanira – 1966

Em um inventário anterior haviam 133 peças de tapeçaria que incluem obras de Emiliano Di Cavalcanti, Concessa Colaço, Francisco Brennand e Kennedy Bahia. Além de peças de mobiliário assinadas por renomados artistas. Até os jardins que também são tombados sofreu ataques. Lula em seu outro mandato (2008) havia plantado Mandacarus (nome em tupi guarani de uma planta ornamental da família dos cactos e que tem um símbolo de resistência) com o então Ministros do Meio Ambiente, e jb os mandou arrancar.

Foi também no período do segundo mandato de Lula que os Palácios do Planalto e da Alvorada receberam sua 1ª grande obra de conservação e restauro desde sua inauguração e que durou todo o período compreendido entre 2008 e 2011.

Todo este episódio além de triste pode ser didático. Afinal, por que toda esta discussão? Qual é de fato a responsabilidade de um Chefe de Estado com o Patrimônio Cultural e no caso, também artístico, arquitetônico/estético sob sua responsabilidade?

Vejamos:

É considerado Patrimônio Cultural tudo aquilo que pode nos ajudar a compreender uma sociedade e o meio que a circunda.

Eliana Rezende Bethancourt

E se formos tomar o texto de lei, encontramos a definição em nossa própria Constituição de 1988, quando reconheceu que para além de patrimônios materiais também possuímos patrimônios imateriais, e que estão definidos no artigo 216 como segue, na letra da Lei:

“(…) Constitui patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. (…)” (BRASIL, 1988).

Se podem ter origens tão diversas, é natural que nos tragam por meio de sua materialidade ou por meio de sua imaterialidade importantes e incontáveis formas de conhecermos melhor um povo e o seu meio. Em vários casos, não podem nem mesmo ser calculados em cifras monetárias, como ocorre no caso de patrimônios naturais, arqueológicos, ecológicos, paleontológicos, entre outros. E por isso, são de extremo valor, e àqueles a quem são oferecidos para realizar sua proteção e guarda necessitam ser cobrados em casos em que fique evidente desrespeito, descuido, vandalismo, subtração, roubo ou destruição realizado por diferentes meios: sinistros, roubos, ações de vandalismo, abandono ou mesmo relegar tais patrimônios a espaços ou locais que os coloquem em riscos provocados por terceiros ou pela própria força da natureza.

A especialidade dos Palácios do Planalto e da Alvorada é referida por (BISPO, 2014) quando comenta sobre sua concepção arquitetônica, estética e construtiva:

“(…) na concepção e construção do Palácio do Planalto é possível observar a influência dos condicionantes históricos e estéticos do ideário moderno na prática projetual do arquiteto Oscar Niemeyer, especialmente ao destacar os aspectos plásticos e estruturais, as técnicas e materiais construtivos empregados em revestimentos, vedações e elementos de composição, as relações existentes entre arquitetura, urbanismo, paisagismo e obras de arte integradas.
Paralelamente, ressaltamos as principais características essenciais, presentes desde os primeiros estudos elaborados por Niemeyer no processo de definição da obra, tais como amplitude e transparência espacial, leveza, pureza, visibilidade entre interior e exterior da obra, simplicidade geométrica, emprego de soluções compactas, setorização de usos, hierarquia entre elementos, padronização de tipos de revestimentos e vedações, distribuição espacial definida a partir da modulação estrutural, proporção, simetria e equilíbrio através de relações matemáticas, da geometrização das formas, da linearidade da superfície e da organização geométrica das partes individualmente e entre si composição baseada em premissas da arquitetura moderna e em fundamentos da linguagem clássica, busca por unidade formal e estética com outros palácios de Brasília. (…)”. (BISPO, 2014)

Ou seja, o Palácio do Planalto e todo o conjunto de prédios criado por Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, agrega mais do que arquitetura e estética a um tempo só. É produto de um tempo, de uma tecnologia, de uma escola de pensamento estético e visão de mundo. Por isso, único e admirável!

É também preciso salientar que o Palácio do Planalto tomado no conjunto dos demais monumentos compõe, por meio de sua estética e volumetria, uma imagética própria que relaciona visualmente estas obras, que conforme Bispo (2014) são:

“(…) Enquanto marco simbólico, a cidade derivada do Plano Piloto concebido por Lucio Costa constitui um exemplar histórico e singular do urbanismo moderno, vinculado aos princípios expressos na Carta de Atenas de 1943 e aos preceitos do “Modo de pensar o Urbanismo” de 1946 de Le Corbusier (…).
A “preservação imagética” garante a manutenção das relações visuais, formais e compositivas ao longo da trajetória histórica de cada edificação que compõe este conjunto monumental que carrega consigo a imagem mais emblemática da capital.
Trata-se, portanto, de uma relação histórica visual desenhada por intelectuais de modo que a visualidade do objeto sobrepõe-se à funcionalidade do objeto (…)”.

2 / 7

Diante tudo isso, e como forma de auxiliar tais chefes de Estado, há a previsão de destino de verbas para a realização de obras de preservação, conservação e até restauração tanto de obras arquitetônicas, quanto de peças de arte, mobiliários, paisagísticos.

Mas tudo isso simplesmente não se efetiva se as pessoas que tem sob sua responsabilidade esta tarefa não estejam sensibilizadas suficientemente e compreendam que cuidar da preservação, conservação e até restauração de um acervo tão rico e plural deve fazer parte de uma política de cultura da preservação de patrimônio, atendendo de perto ao que seja minha concepção de Responsabilidade Histórica.
É esta consciência de que o Presidente da República é o responsável direto a imprimir e propiciar que tais cuidados se efetivem e que isso seja parte de sua política cultural, já que estará cuidando de um legado que é de todos e que precisa ser entregue ao futuro. Daí a aplicação do conceito de Responsabilidade Histórica.

Se com os documentos privados dos Presidentes da República a Constituição de 1988 esclarece em detalhes como se deve proceder sua guarda, sigilo e acesso com fins de preservação de memória e como forma de produção de conhecimento por meio de pesquisa, com documentos que denomino tridimensionais – que abarcam todo o conjunto do acervo do Palácio do Planalto que vai desde sua arquitetura e estruturas até suas tapeçarias, mobiliários, obras de arte diversas, paisagismo e jardins – as especificações não são tão pormenorizadas, e podem levar à pratica de erros como os que a reportagem acima revelou. Se os habitantes do Planalto não possuem sensibilidade e algum nível de respeito à coisa pública teremos tais problemas.

O chamado acervo privado da Presidência possui uma equipe técnica e fixa que se responsabiliza por catalogar os diferentes documentos que passam a fazer parte do acervo desde o momento que o Presidente é empossado. Mas ao deixar a Presidência tais documentos não são considerados plenamente seus ou privados. Por possuírem interesse público e poderem ser utilizados para fins de pesquisa não podem ser vendidos sem antes serem oferecidos à União e nem podem ser remetidos para fora do país sem a autorização do Estado Brasileiro. Por estarem inseridos na Administração Pública, devem obedecer criteriosamente aspectos determinados em me metodologias de acervos arquivisticos, bibliográficos e museológicos de acordo com seus suportes e obedecer rigorosamente os termos que se relacionam a tombamentos e descrição de objetos de arte.

Por tudo isso, ex-presidentes criam Fundações ou Institutos para que tais acervos continuem a ser cuidados e acessados. Além disso, são eles que devem arcar com as custas de preservação, conservação e tratamento técnico documental destes acervos.

A Lei nº8.394, de 30 de dezembro de 1991 é a que disciplina os “acervos privados dos presidentes da República”.

O texto da Lei deixa claro quais devem ser as ações e responsabilidades destes acervos como se nota a seguir:

Art. 5° O sistema dos acervos documentais privados dos presidentes da República terá participação do Arquivo Nacional, Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural (IBPC), Museu da República, Biblioteca Nacional, Secretaria de Documentação Histórica do Presidente da República e, mediante acordo, de outras entidades públicas e pessoas físicas ou jurídicas de direito privado que detenham ou tratem de acervos documentais presidenciais.

        Art. 6° O sistema de acervos documentais privados dos presidentes da República, através de seus participantes, terá como objetivo:

        I – preservar a memória presidencial como um todo num conjunto integrado, compreendendo os acervos privados arquivísticos, bibliográficos e museológicos;

        II – coordenar, no que diz respeito às tarefas de preservação, conservação, organização e acesso aos acervos presidenciais privados, as ações dos órgãos públicos de documentação e articulá-los com entidades privadas que detenham ou tratem de tais acervos;

        III – manter referencial único de informação, capaz de fornecer ao cidadão, de maneira uniforme e sistemática, a possibilidade de localizar, de ter acesso e de utilizar os documentos, onde quer que estejam guardados, seja em entidades públicas, em instituições privadas ou com particulares, tanto na capital federal como na região de origem do Presidente ou nas demais regiões do País.

        IV – propor metodologia, técnicas e tecnologias para identificação, referência, preservação, conservação, organização e difusão da documentação presidencial privada; e

        V – conceituar e compatibilizar as informações referentes à documentação dos acervos privados presidenciais aos documentos arquivísticos, bibliográficos e museológicos de caráter público.

LEI No 8.394, DE 30 DE DEZEMBRO DE 1991 – Que dispõe sobre a Preservação, Organização e Proteção dos Acervos Documentais Privados dos Presidentes da República e dá providências

FHC ao nos relatar sobre seu Instituto circunstancia como o cumprimento desta lei o fez criar seu Instituto:

“(…) Nasceu assim a ideia de fundar um instituto. Quis que ele fosse não só um centro de memória histórica, mas também um lugar de debates sobre a democracia e o desenvolvimento. Duas causas com as quais estive envolvido desde muito cedo. Desempenhando um ou outro papel, sua missão para mim seria uma só: contribuir para ampliar a compreensão e disseminar conhecimento sobre o País e seus desafios, com os olhos abertos para o mundo.

Inaugurado em maio de 2004, com um debate internacional que reuniu políticos e intelectuais do Brasil e do exterior, entre eles, Bill Clinton e Manuel Castells, o Instituto transformou-se em Fundação em 2010. O objetivo da mudança foi o de fortalecer o iFHC – hoje chamado Fundação FHC, como instituição perene, comprometida com a missão definida em sua origem.

Transcorridos mais de 18 anos da sua criação, foram realizados mais de 500 debates, mais de 40 livros publicados, organizados, digitalizados e colocados à disposição do público. Ao todo, cerca de 115 mil documentos do meu acervo.

Estou convicto de que valeu a pena criar a Fundação FHC. (…)”

Fundação FHC

O Instituto Lula informa sobre seu acervo:

“(…) O Instituto Lula tem a responsabilidade de cuidar do acervo que deixou Brasília junto com Lula em 2011, e o faz com toda transparência. São milhares de cartas, livros, CDs, fitas, quadros, gravuras, fotografias, álbuns, DVDs, presentes de altas autoridades, instituições, empresas e populares, assim como prêmios, condecorações e títulos que Lula recebeu. Todo esse material está catalogado, embalado e armazenado. Neste link você pode consultar todos os objetos do acervo. (…)”

Instituto Lula
Instituto Lula

Como se observa no caso dos dois Institutos que abrigam os acervos dos ex-presidentes vemos que há um olhar sobre a forma como o acervo e os objetivos que os sustentam. FHC que vem de uma tradição muito mais acadêmica voltou sua atenção para seu conjunto de documentos e o acervo como um todo com uma forma específica não apenas de tratar documentos, mas também de gerar e produzir conhecimento. À medida que o tempo passa mais esta dimensão se solidifica.

No caso de Lula, por ter uma trajetória muito mais engajada à movimentos sociais tanto seu acervo quanto seus objetivos se refletem nas ações desenvolvidas e na forma como a documentação está reunida.

O que é uma obrigação tanto em um como em outro caso é o trato com a documentação, sua preservação, conservação e disponibilização para diferentes fins.
Agindo assim, ambos cumprem o que está estabelecido em Lei, e retornam para a sociedade o que lhes é devido: os acervos e as informações nele contidas.

Tomar conhecimento de tudo o que envolve a curadoria, guarda, preservação e acesso aos acervos da Presidência da República e todo o conjunto arquitetônico é fundamental para que todo o circuito que abriga tarefas de preservação e conservação não se transforme em crime, quer por ignorância, quer por dolo.

Também e fundamental, para que o Presidente em exercício e sua família não tomem o que é de toda a Nação como seu, ou o que é público seja tomado como privado. Os processos de Responsabilidade Histórica exigem respeito a estas instâncias, e para este caso a própria Constituição traz a letra da Lei.

___________________________

* Observação Importante: Este artigo começou a ser escrito antes da tentativa de Golpe e de ataque aos Três Poderes em Brasília em 08 de Janeiro de 2023. Por força de tudo o que ocorreu e ainda impactada por toda a destruição, optei por concluir este artigo sem menções aos fatos ocorridos e destinarei um outro artigo para abordar os fatos, impactos e simbologias daquele ataque. Como historiadora não gosto de escrever no calor da hora e conto com que ao seu tempo e ora eu seja capaz de falar a respeito.

** Referências:

BISPO, Alba Nélida de Mendonça. “Dos processos de valoração do patrimônio moderno às práticas de conservação em Brasília: o caso do restauro do Palácio do Planalto”. Dissertação (Mestrado) – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio Cultural, Rio de Janeiro, 2014.
CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade: Ed. UNESP, 2001
NERY, Natuza. Reportagem: “Janja mostra os danos que encontrou no Palácio da Alvorada; veja vídeos e fotos

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Patrimônio Arquitetônico: Preservar não é apenas Tombar!

Por: Eliana Rezende

O que seria uma ação de preservação adequada? Seria a preservação uma forma de recriar de forma artificial o espaço urbano, excluindo e levando para longe aquilo que é considerado inadequado ou indesejável? A discussão pode ser longa e enveredar por muitos caminhos.
Em geral, tem-se a falsa noção de que uma ação de preservação ou tombamento é tornar tudo limpo e arrumado, afastar da paisagem tudo o que seria considerado marginal e social ou culturalmente inadequado.

Em verdade, as coisas não são bem assim. Talvez o caminho seja esclarecermos algumas noções fundamentais. Escolho para tanto falar sobre os conceitos de Preservação, Conservação, Restauração e Tombamento, além do que seja Patrimônio. Tais conceitos podem ser utilizados por diferentes áreas, e portanto, opto por estabelecer noções que sejam mais abrangentes. Para tanto, convido todos à leitura do slideshare abaixo onde procuro explicitar conceitos e definições fundamentais para a análise que farei a seguir:

[slideshare id=145341774&doc=conceituando-definindo-patrimonio-190513195016]

A noção de preservar tem que ver com uma atitude de prevenção, é algo que se estende a modos que implicam uma conscientização que pode ser de um grupo, uma pessoa ou uma instituição.

Por outro lado, o tombamento é uma medida, um ato legal, no sentido de fazer com que a preservação se dê. Em geral é a primeira de uma série de ações. Nesse sentido, e com esta perspectiva, a Preservação é algo muito mais abrangente, e é bom que se diga, que nada tem a ver com uma museificação do lugar. Ao contrário, boas ações de preservação inserem a população local e dão um sentido de apropriação e uso do espaço.

O objetivo da Preservação longe de transformar-se em um empecilho é, antes de tudo, garantir às gerações futuras um passado, que é composto multifacetadamente, por aspectos que tomam toda a sua cultura de modo que seja um Patrimônio.

Gosto de uma definição de Gilberto Gil (poeta que sabe usar as palavras como ninguém):

pensar em patrimônio agora, é pensar com transcendência, além das paredes, além dos quintais, além das fronteiras. É incluir as gentes, os costumes, os sabores, os saberes. Não mais somente as edificações históricas, os sítios de pedra e cal. Patrimônio também é o suor, o sonho, o som, a dança, o jeito, a ginga, a energia vital e todas as formas de espiritualidade da nossa gente. O intangível, o imaterial.”

Falando sobre isso, assista ao vídeo de Carlos Fernando Delphim, do IPHAN, falando sobre Patrimônio Natural e suas diferenças e semelhanças com o Patrimônio Cultural:

A relação de comunidade e o uso de seus espaços e suas histórias auxiliam nesse trabalho de preservação da cultura local, regional e nacional, e dá um sentido de uso para patrimônios materiais e imateriais. Afinal, é patrimônio não apenas aquilo que é edificado. Toda e qualquer forma de manifestação cultural pode ser considerada patrimônio. E neste sentido, também necessitam ser preservados.
Para entender melhor esta vertente de patrimônio e suas relações com a memória e identidade de um sociedade assista Márcia Sant’Anna falando sobre Patrimônio Imaterial:

Felizmente, vejo ventos de mudança e, com uma concepção que se alia à sustentabilidade, muitos projetos dão vida nova à antigas funções.

O que é preciso que se diga é que são muito mais iniciativas de consciência de um grupo do que de valores monetários. Óbvio que precisamos dos dois! Mas as boas ideias e iniciativa nesse sentido precedem toda e qualquer forma de valor monetário.
A concepção mais recente de preservação é interessante exatamente por tomar em conta contextos e tessitura de vida dos espaços nas vidas sociais de cada comunidade. Se tomada em sua verdadeira acepção todos tem muito a ganhar. Acho uma área rica e interessante exatamente pelos olhares multidisciplinares que são necessários.

Em relação à políticas de preservação e tombamento, há de fato muitos interesses e desinteresses.

De um lado, por responsabilidade do estado, há uma imposição que deixa o proprietário sem recursos financeiros e numa situação difícil, com imóvel sem cuidado e muitas vezes impossibilitado de ser ocupado quer comercialmente, quer residencialmente. É um ônus sem qualquer bônus ou incentivo.

De outro lado, há a total desinformação por parte de proprietários e até de comunidades inteiras em relação ao patrimônio cultural e material que muitas dessas edificações possuem. É um problema de educação cultural e até de empreendimento. Se orientados, vários projetos assim podem reverter para proprietários e em muitos casos para comunidades inteiras.

O caminho, considero longo, mas não impossível de ser seguido.

Cada vez mais nossas cidades estarão envelhecendo e se não entendermos que o novo e o velho podem conviver sem um suplantar o outro não teremos futuro e nem passado! De concreto, e sei que é algo que nenhum de nós quer ou precisa: é de uma cidade museificada.

Por outro lado, aspectos que têm a ver com o DNA da cidade precisam, e devem, ser mantidos para que sua identidade se mantenha. Talvez esse seja o grande desafio e em nome do que áreas interdisciplinares devam colocar a sua criatividade e inventividade. 

Um pressuposto que era próprio do século XIX, e do qual Paris foi a cobaia, foram as políticas de Houssman, onde acreditava-se que de tão ruim tudo deveria vir abaixo! Munidos de pólvoras e homens com suas ferramentas, a cidade ruiu. Em seu rastro várias outras cidades seguiram o mesmo caminho dentre os quais estão Buenos Aires, Rio de Janeiro do Prefeito Pereira Passos e Nova York.

 (Bota-abaixo de Pereira Passos no Rio de Janeiro)

Considero que todas as ações devem tomar em conta seu entorno, seu contexto de formação, a população que vive e circula e suas relações geográficas, históricas e culturais. Tudo o que escapa a isso parece-me sem sentido e despossuído de valor e com poucas chances de perdurar. Quando essas relações são tomadas em conta as possibilidades de configurar-se como legado benéfico são grandes.

Como historiadora, vejo muito mais o valor que os espaços propiciavam enquanto sociabilidades e trocas (sejam elas de quaisquer natureza: culturais, políticas, comerciais, entre outras) e os espaços arquitetônicos como a materialização de fazeres e viveres. Se pensarmos será essa urbanidade vivida e pulsada em cada rua, em cada edificação, que trará valor para além dos aspectos imobiliários. Uma lembrança para este caso é o que ocorreu em São Paulo com o Bexiga e mesmo à Nova Luz.  São importantes fontes de mensuração disso.

Quando pensamos uma das variáveis para valor entramos de novo na forma, uso e ocupação dos espaços através do tempo. As movimentações de fronteira entre os espaços e a “necessidade imobiliária” de empurrar à margem o que não tem valor monetário é outro dos problemas, em especial quando o patrimônio arquitetônico, está tendo outro valor de uso, ocupação e transito social (caso específico do comércio da Santa Ifigênia e da área de venda e consumo de craque). A decadência social em geral acompanha a dos espaços arquitetônicos e em geral de outras praças e ajuntamentos.

De fato, projetos chamados de preservação, mas que engessam e de certa forma descaracterizam e museificam espaços não fazem sentido à preservação como um todo e a cidade especificamente. Exatamente por ela conter fortes elementos vivos e de interatividade. 

São muitos os critérios e variáveis essenciais para estudos de viabilidade neste sentido, que devem ser feitos de forma prévia e nunca imediatista. Infelizmente, vemos que isso ocorre a conta-gotas.

Como podemos ajudar?
Na ER Consultoria possuímos metodologia própria, conhecimentos testados e experiência prática para o desenvolvimento e aplicação de princípios para a Projetos de Preservação e Conservação de Patrimônio Documental e Fotográfico em instituições de diferentes segmentos e suas áreas de atuação. Além de podermos orientar boas práticas em relação à produção documental em diferentes suportes com principal atenção à práticas de conservação preventiva com o objetivo de evitar consequências de processos de deterioração.

Veja nosso Portfólio de Cases e o que nossos clientes tem a dizer.

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Referências:
Algumas Reflexões sobre Preservação de Acervos em Arquivos e Bibliotecas
A Construção do Conceito de Patrimônio Histórico: Reconstrução e Cartas Patrimoniais

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Uso de tecnologias como Política de Preservação de Patrimônio Cultural

Por: Eliana Rezende

Em outro post esclareci o que a Gestão Documental pode representar para as instituições do ponto de vista de racionalidade e transparência administrativa.

Nesta oportunidade, vou tratar do valor de políticas de preservação de patrimônio cultural-documental  de acervos históricos dentro das instituições e de que forma são importantes como meio de garantir que informações contidas em documentos de diferentes suportes tenham asseguradas sua permanência através do tempo, para beneficio da produção de conhecimento, pesquisa, cultura e inovação.

Com esta responsabilidade e preocupação, é que as diferentes tecnologias disponíveis no mercado, têm se transformado em coadjuvantes num trabalho que possui duas frentes: de um lado, a disponibilização de informação de qualidade em tempo reduzido, ao mesmo tempo em que, possibilita que políticas de preservação e conservação se efetivem.

A noção de patrimônio é interessante quando pensamos a massa documental existente no interior das instituições.
O conceito de patrimônio vem se alargando contemporaneamente e neste sentido pode tomar, não apenas, a produção humana (obras de engenharia, monumentos, tecnologias, etc) , mas toda a produção emocional e intelectual das sociedades (música, poesia, acarajé, entre outros). Assim, o patrimônio é um bem cultural que permite que possamos conhecer melhor a sociedade e o mundo que a cerca, desde que estes sejam capazes de vencer o tempo.

Como forma de auxiliar nesta definição, apresento de forma sintética como todos estes termos polissêmicos podem ser entendidos.
Confira:

[slideshare id=2nDDhevauWc4Lj&w=595&h=485&fb=0&mw=0&mh=0&style=border: 1px solid #CCC; border-width: 1px; margin-bottom: 5px; max-width: 100%;&sc=no]

E é exatamente este o desafio que se coloca aos profissionais que atuam com documentos que necessitam ter uma guarda de longa duração.
Como atuar de forma eficiente e eficaz realizando todo o trabalho de manutenção de acervos com políticas de preservação e conservação de documentos, ao mesmo tempo em que se garante o acesso às informações que tais registros contém?
Como garantir que a informação seja preservada em quaisquer que sejam os seus suportes, e que as mesmas sejam utilizadas como meios para a criação de inovação e conhecimento?

Ministrando Oficina de Preservação e Conservação Fotográfica

Indubitavelmente, o que se coloca como prioritário nesta sociedade é quais serão os critérios para definir que informações têm relevância suficiente para justificar seu alçamento à posteridade através de investimentos em recursos humanos, tecnológicos e financeiros para sua manutenção.

O que fica de todo o exposto acima é que a noção essencial a ser explicitada é a de preservação e conservação de documentos.
Sinteticamente e de forma didática,  poderíamos definir cada uma delas da seguinte forma:

Preservação = ações de prevenção da deterioração e que tem como principal objetivo o de proteger e salvaguardar o Patrimônio. É composta por técnicas preventivas que envolvem o manuseio, acondicionamento, transporte, exposição e o controle ambiental.

Conservação = caracteriza-se pelo conjunto de intervenções diretas, realizadas na própria estrutura física do bem cultural, com a finalidade de tratamento, impedindo, retardando ou inibindo a ação nefasta ocasionada pela ausência de uma preservação. É composta por tratamentos curativos, mecânicos e/ou químicos, tais como: higienização ou desinfestação de insetos ou micro-organismos, seguidos ou não de pequenos reparos

Oficina de Preservação, Conservação e Restauro de Documentos

As duas ações, se realizadas enquanto políticas, garantem a integridade e manutenção do patrimônio existente no interior de instituições e, em nosso caso específico, os acervos documentais em seus diferentes suportes.
Com este caráter são também chamadas de ações de conservação preventiva, cujo objetivo principal é não permitir que os documentos tenham que sofrer processos de restauração, que representam maiores custos e demandas especializadas.

Além destas preocupações, a importância de ações contínuas e coerentes coloca-se como condição fundamental. Não adiantaria criar inúmeras ações sem garantias que possam ter continuidade, ou mesmo que se consumam recursos em demasia em uma direção, esquecendo-se completamente de outras (não adiantaria embalagens de boa qualidade quando o local em que os materiais estão guardados é inadequado).

Daí a necessidade de definir prioridades e planejar o futuro: estabelecendo programas e projetos que se desdobrem e que possuam como principal objetivo a permanência, ao mesmo tempo em que a preservação e conservação estejam garantidas.

Oficina de Preservação, Conservação e Restauração de Documentos

Este trabalho só é bem sucedido quando se conhece de perto as necessidades e demandas internas e externas dos usuários, e possui um trabalho minucioso, pautado em um cronograma realizável .

Um cronograma de trabalho aplicado às reais necessidades dos usuários viabiliza passos e aponta caminhos a serem seguidos com metas claras e objetivas. Não se perde tempo com aquilo que não importa ao mesmo tempo em que se enxergam rapidamente áreas de gargalos e realizações.

De tudo o que se disse, têm-se que a disponibilização de acervos via informatização vem sendo um trabalho árduo, com inúmeras reflexões sobre a aplicabilidade de tecnologias aos acervos históricos em geral e o cumprimento de requisitos mínimos de preservação e conservação digital.
Não será somente a tecnologia a fazer isso!

A discussão sobre este e outros temas relacionados, segue em outras postagens.

Enquanto isso, conheça a solução especialmente desenvolvida pela ER Consultoria | Gestão de Informação e Memória Institucional para implantação de Projetos de Preservação e Conservação de Documentos e Fotografias.

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1ª versão deste post publicada originalmente no meu Blog, o Pensados a Tinta.

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