Era 19 de Janeiro de 2012.
A então centenária companhia fotográfica Eastman Kodak, de 135 anos de existência, por meio de um comunicado oficial anunciava:
“A companhia e suas subsidiárias nos EUA entram com pedido voluntário de ‘proteção’ ao Capítulo 11 da Lei de Falências dos Estados Unidos”.
Pioneira dos processos fotográficos a Kodak que tinha sede em Rochester (Nova York) entrava com pedido de concordata.
“Você aperta o botão e nós fazemos o resto”.
Esse era o slogan daquela que foi a mais importante fábrica de câmeras e filmes do mundo até seu pedido de concordata.
A Kodak, criada por George Eastman em 1888, foi a primeira a apostar na popularização da fotografia por meio de um modelo de câmara portátil.
Diante de tal acontecimento, a pergunta por todo o mundo e em todos os meios empresariais era:
Faltou à KODAK visão de futuro?
A pergunta era e é tão instigadora!
Explico:
Como uma historiadora, especialista em preservação e conservação de fotografias do século XIX e XX, não podia deixar de pensar em como uma empresa com uma longevidade imensa podia ser acusada de falta de visão de futuro.
Não poderia pensar em falta de visão para uma empresa que por mais de 100 anos mudou completamente a forma de registrar as imagens do mundo.
Uma empresa que por meio de sua simplificação tecnológica retirou dos ateliês fotográficos a tão sonhada possibilidade de retratar-se: de se expor e por meio de uma pose registrar uma imagem de si para a posteridade…que com um slogan tão simples como: “você aperta um botão e nós fazemos o resto”, mudou comportamentos, atitudes e representações.
Influenciou hábitos, culturas e transformou a publicidade, o jornalismo, as artes impressas – para ficar só em alguns exemplos – numa outra coisa totalmente diversa de tudo o que já havia existido até então.
Até a opção da escolha do nome teve essa preocupação: um som que soasse igual em todo o mundo… daí a palavra Kodak.
Com imagens que eram fixadas em emulsões em gelatina ou com clara de ovos em placas de vidro desde sua invenção (1839) a fotografia passou à rolos de filme com a invenção da KODAK, onde podiam se trocados e revelados transformados em objetos que materializavam imagens de momentos. Era sem dúvida, uma empresa com grande capacidade empreendedora aliada ao domínio de diferentes técnicas.
Em termos estratégicos do século XIX eles atenderam, em muito, os aspectos que tomavam em conta inovações e o perfil da sociedade que estava à sua volta. Souberam imprimir por meio de um dispositivo novas concepções e formas de relações sociais, culturais, comerciais.
A partir dos anos 1920, a KODAK passa a ter ampla publicidade nas revistas ilustradas mostrando as vantagens de uma máquina portátil, além de oferecer sugestões de situações cotidianas em que se podia utilizar a fotografia.
As pessoas eram incentivadas desde crianças a manipular as câmaras para delas obter as imagens de lembranças agradáveis. Os registros fotográficos eram trabalhados nas revistas ilustradas como sendo o meio para favorecer ou alimentar determinados valores: o lazer desfrutado em família, o carinho dos pais pelos filhos ou o registro de horas agradáveis ao lado de amigos e familiares.
Às vezes grandes passos passam desapercebidos no seu tempo: não encontraram terreno fértil para se desenvolver. Em outro tempo e sob outras condições tornam-se amplamente fecundos.
As artes, a literatura, a técnica, a medicina… entre outras áreas de saber que o digam!
Em um momento da história social e cultural, a Kodak representou o que havia de mais inovador e ambicioso.
Revolucionou padrões e criou um novo paradigma para a sociedade.
Vejo as organizações como seres que se constituem e dialogam com seu tempo. Mas como tudo tem seu momento de ápice e derrocada. Infelizmente uma empresa desse porte e com uma história tão consistente tenha se perdido exatamente no caminho que ela própria trilhou por mais de 100 anos e com muito sucesso, sem medos de inovar e de romper com antigas formas.
Ela não se sustentava sobre o nada, e inúmeras vezes mostrou capacidade de ler e atuar no mundo e na sociedade em que estava. Tinha como principal tradição o componente criativo e empreendedor. Era o seu DNA!
Alguns argumentarão que, só para resumir, estavam os tais prováveis erros capitais e como a empresa tentava solucioná-los. A listas enumerando os erros da empresa cresciam, bem como os debates sobre o mesmo. Dentre eles, escolho as palavras de Mércia Neves*. Além dela, você pode também ler outros com perspectivas semelhantes e que cito como as mais constantes:
“ 1 – Ignorar as mudanças do mercado
Desde o início dos anos 90, o fim do filme fotográfico era visto como questão de tempo. A Kodak tentou negar essa realidade de todas as formas e manteve seu modelo de negócios inalterado. O que foi feito – Nos últimos cinco anos, a Kodak vem tentando reduzir sua dependência dos produtos de fotografia tradicional, um negócio que, apesar de decadente,ainda é o mais lucrativo da empresa
2. – Hesitar ao adotar novas tecnologias
A primeira câmera digital foi desenvolvida pela Kodak em 1976. A empresa, no entanto, levou 25 anos para levar esse negócio a sério, quando o mercado já estava tomado pelos concorrente. O que foi feito: A empresa deu uma forte guinada em direção às câmeras digitais e se tornou líder nos Estados Unidos em 2003. Hoje, esse é um negócio pouco promissor em razão das margens reduzidas
3. – Desprezar a inovação
A Kodak sempre foi pródiga nos gastos com pesquisas, o que resultou em uma vasta base de patentes. No entanto, a maioria das inovações ficava na gaveta ou era licenciada a terceiros. O que foi feito- Antigas inovações da empresa, como as telas de OLED e sistemas de impressão com jato de tinta, foram recuperadas, atualizadas e aplicadas no desenvolvimento de novos produtos
4. – Manter uma estrutura fossilizada
Uma das heranças negativas do fundador George Eastman foi uma cultura corporativa hierarquizada e lenta na tomada de decisões. Isso atrasou dramaticamente as mudanças na empresa. O que foi feito – Uma das prioridades da reestruturação foi injetar sangue novo na empresa e mudar a cultura corporativa. Hoje, 60% dos funcionários da Kodak têm menos de três anos de empresa.”
À luz desse cenário prever o futuro da Kodak já era uma “aposta de alto risco”.
É nítida aqui ma postura equivocada dos que estavam a frente no comando e que eram movidos por outras causas que no atual momento não conseguimos perceber bem porque”.
Exposto isso, creio mesmo é que análise mais completa se dará dentro de várias décadas quando se poderá olhar todo o percurso e verificar que foi que faltou…
Em História não julgamos contemporaneamente: deixamos o tempo trazer as respostas. Todo e qualquer julgamento é precipitado e não encontrará soluções que se sustentem. Serão apenas e tão somente pontos de vista. No imediatismo do momento poderemos fazer juízos de valor que simplesmente não serão cabíveis em algumas décadas. A História é antes de tudo feita por movimentos, e que em muitos casos ocorrem de forma quase imperceptível.
Será preciso pensar a empresa, o seu tempo e a cultura social… muito mais do que aspectos técnicos e organizacionais.
Como digo… olho sempre como humanista…
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*O post aqui chega a ser uma homenagem póstuma a uma grande profissional que foi interlocutora em vários debates dos quais eu participei ainda no inicio de minha atuação em Grupos de Discussão no LinkedIn, Mércia Neves.
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Esta é uma versão revista e atualizada de um post publicado originalmente no meu Blog, o Pensados a Tinta
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