Por: Eliana Rezende Bethancourt

Por décadas a História Oral encontra no campo das Ciências Humanas um território tanto de aplicação quanto de estudos. Mas o fato em si não diminui a quantidade de dúvidas acerca dos procedimentos técnicos e metodológicos num momento tão específico que em última instância é a produção de um documento de valor permanente… histórico. 

De fato, estamos cada vez mais envoltos de tecnologias e possibilidades oferecidas tanto para captação quanto para guarda de tais documentos, mas ainda somos humanos e apesar de tantas soluções sobre formas de indexação, guarda e preservação é comum perguntas que parecem corriqueiras.

Assim, é objetivo deste ensaio esclarecer aos que se sentem inclinados a utilizar a História Oral em suas pesquisas ou trabalhos, mas possuem muitas dúvidas teóricas e metodológicas em sua aplicação.

Gosto de um ditado chinês que diz que se temos dois ouvidos e uma boca significa que precisamos escutar muito mais do que falar. E trabalhar com a História Oral tem este sentido como uma predominância.

Um começo fundamental é balizar as diferenças entre métodos de escuta que possuem objetivos e encaminhamentos muito diferentes uns dos outros. 

Veja: a História Oral ocorre a partir da coleta de um testemunho ou relato em forma de uma narrativa pessoal. Alguns oralistas e /ou pesquisadores optam por utilizar a expressão entrevista, mas considero que este termo se adequa melhor à determinadas situações e profissionais, como é o caso do jornalismo. Nas entrevistas realizadas por profissionais de comunicação o depoente não está de todo livre com suas memórias e relatos. O profissional costuma estar pautado e em geral já chega com as perguntas prontas e estas precisam ser respondidas. Ou seja, há um roteiro pré-determinado a ser seguido.

Por outro lado, um interrogatório por exemplo, é sempre realizado por um investigador em uma situação judicial. As perguntas se relacionam a um quebra-cabeça investigativo que tenta encontrar na fala daquela testemunha vestígios que corroborem uma linha investigativa. É natural que neste tipo de inquirição a relação costume ser tensa e podendo ser eivada de mentiras e omissões propositais ou inconscientes. 

Opto, portanto, por utilizar o termo depoimento por concluir que este não possui qualquer similaridade com uma entrevista sob o ponto de vista metodológico que aprendi a desenvolver.

Em verdade, não podemos dizer que esta ou aquela forma de nominar tal registro oral seja certa ou errada. Creio muito mais em uma perspectiva de abordagem deste método de tratar a narrativa oral que alguém que rememora traz e o quanto nos sentimos à vontade nele.

À medida que fui aprofundando minhas técnicas de escuta fui me aproximando do uso da expressão depoimento e justifico suas características como segue abaixo: 

Dentro desta perspectiva metodológica os depoimentos em geral, tem uma pauta bem mais aberta e o oralista e/ou pesquisador não atropela o depoente com perguntas em forma de inquérito, cortando ou entrecortando seu relato. NUNCA o interromperá, tornando-se indelicado ou brusco. Não buscará perguntas capciosas para buscar contradições ou explorará emoções para ter uma imagem emotiva. Muito menos haverá um roteiro prévio para as perguntas a serem feitas. 

Lembre-se que podemos invadir os espaços emocionais de uma pessoa com nossas palavras, que podem servir como lâminas agudas e pontiagudas que simplesmente cortam todo um raciocínio.

Daí a necessidade da escuta: só ela permitirá a precisão adequada no momento de interlocução ou questionamento. 

Os depoimentos obedecem exclusivamente o que os depoentes e suas memórias desejam e conseguem revelar. 
Depoimento é portanto, muito diferente de uma entrevista: não é premido pelo tempo ou a pressa.
A escuta calma é parte significativa e representativa de uma história que se tece com a oralidade.
Assim, haverá momentos de fluxo e refluxo no rio caudaloso de memórias. Esquecimentos, omissões, reelaborações serão absolutamente parte deste processo.

Caberá ao oralista e/ou pesquisador entender que não está ali para julgar, mas sim para escutar, incentivar, apoiar. Escutará com TODOS os seus sentidos. Isto significa ouvido atento, olhar firme e espírito acolhedor, empático e compassivo.
Se não for capaz de oferecer isso será melhor reconsiderar seu papel como oralista e/ou pesquisador e condutor da coleta do depoimento.

Os intelectuais que fazem da pesquisa seu oficio usam das palavras e dos registros seus cânones de segurança e em alguns casos até subterfúgios. Se encastelam entre seus muros de segurança propiciados por muitos autores, notas de rodapé, debates historiográficos ou bibliográficos para encontrar um caminho que consiga considerar seguro.

Mas a lida com a História Oral nos coloca, acima de tudo, com o desafio de estar perante o Outro num momento único, onde se constrói uma narrativa sobre um passado edificado por memórias que não nos pertencem.

Talvez por isso, muitos se sentem inseguros de caminhar não por uma trilha bem sinalizada e pavimentada, mas sim por caminhos de brumas e personagens e fatos muitas vezes velados e expostos por muitos filtros que são absolutamente seletivos e subjetivos. 

O oralista e/ou pesquisador não é juiz destes fatos, não os tenta reescrever ou interpretar. Por isso, a escuta atenta e desprovida de pré-conceitos, pressa ou ansiedade. 

Todos os que possuem o ofício de trabalhar com documentos sabem que isto significa um encontro com palavras, ideias, impressões…

É um cruzar e perspectivar por diferentes nuances e camadas. Mas História Oral ocorre em tempo real e imediato. Ela se desenvolve em nossa frente num determinado recorte de espaço/tempo que NUNCA mais se repetirá.

Talvez por isso, traga tantos desafios em sua construção. Aqui depoente e pesquisador e/ou oralista constroem juntos um documento para posteridade.

O registro oral portanto, vinca Memórias e Histórias pelo olhar de quem recorda, ao vivo e em tempo real diante dos olhos do oralista e/ou pesquisador. 

Aqui talvez seja um dos momentos mais interessantes e por onde devemos começar a nos questionar.

Em geral, o oralista e/ou pesquisador, e em especial os mais jovens ou inexperientes buscam, na fala do outro, todas as certezas e garantias para suas hipóteses e questionamentos prévios.
Mas nem sempre elas nos chegam assim. Podem, ao invés disso, trazer mais hiatos do que certezas.

Às vezes, surgem como silêncios persistentes, ou até reações emocionais como nervosismo, choro.
E tudo isso por si só pode torna-se um momento de muita ansiedade por parte do oralista e/ou pesquisador.
Teria ele perdido seu tempo e não encontrará as respostas que tanto deseja?

Começamos com uma questão que parece simples e óbvia: afinal o que esperar? O que fazer? 

A expectativa por respostas à questionamentos é natural. Afinal, espera-se que ao chegar frente a frente com o depoente muito estudo tenha sido feito. O bom oralista e/ou pesquisador terá feito sua lição adequadamente procurando estar confortável com o contexto onde seu depoente viveu e os momentos que comporão seu relato.

É inadmissível um oralista e/ou pesquisador que chega despreparado ou mal preparado para a coleta de um depoimento. Até porque como dito anteriormente não há um roteiro prévio, mas é preciso conhecer a história do depoente para ser capaz de inquirir na hora certa e da forma mais adequada.

Por ser um registro que já nasce histórico é preciso ter um comportamento de respeito, responsabilidade e muito foco. A construção deste documento é conjunta e portanto, deve haver corresponsabilidade entre os envolvidos. 

É preciso ter muito claro que esta pode ser a primeira e a única oportunidade com o depoente. 
É usual termos depoentes que tem mais idade e a morte é uma constância.
Em muitos projetos ao terminarmos, vários dos depoentes não estão mais entre nós. Por isso, é preciso ser absolutamente impecável e perfeito no momento de coleta de depoimento.

Poderá não haver uma próxima vez. 

E algo fundamental de se ter em mente: saber ouvir significará entre tantas outras coisas saber calar.

O oralista e/ou pesquisador PRECISA ter a dimensão exata de quanto seu silêncio é fundamental na construção e constituição deste documento. Não saber o momento certo de calar ou falar poderá interromper um importante momento do depoimento. Poderá ser interrompido o curso de um raciocínio que nunca mais retornará.

As memórias devem ser pensadas como um curso de um grande rio: são caudalosas, em alguns momentos volumosas e seus movimentos podem significar algumas voltas, idas e vindas. Interromper este fluxo pode significar o mesmo que colocar um obstáculo no caminho destas águas que podem se derramar para margens que não significam nada ao curso destas memórias. 

Assim, é muito importante conter a ansiedade, pressa ou mesmo expectativas sobre o dito. 

Não é momento de tentar buscar “provas” de suas perspectivas.
As conclusões e caminhos da Memória devem pertencer ao depoente.
O oralista e/ou pesquisador deverá funcionar como um incentivador, mas nunca como aquele que dirige e determina o que será dito e a que momento.  Está exatamente neste ponto a medida exata entre calar e falar.

Por isso, contenha-se!

Seja sábio e use o silêncio em beneficio de todos. 

As memórias possuem suas próprias formas de manifestação e cada depoente encontrará a sua. Reafirmo que Não ‘existe’ uma História a ser ‘resgatada” em algum ponto do passado. A História NÃO está pronta em lugar algum para ser trazida ou ‘resgatada’. Ela é uma construção, e como tal é construída a partir de perspectivas que temos no presente.

O passado chega envolto como em névoas trazida pela brisa da passagem do tempo e estas funcionam como filtros que vamos aprendendo a ter para olhar para o passado. Como somos seres em constante movimento e amadurecimento é natural vermos o passado de diferentes formas à medida que o tempo passa.

Assim, não existem mentiras para o que um depoente conta, existem perspectivas!
Um mesmo evento será contado por uma pessoa diferentemente aos 20 anos, aos 40, aos 60 e aos 80 anos. Sua perspectiva e compreensão sobre os eventos passados tenderão a sofrer transformações e poderá até, em alguns casos, sofrer desaparecimentos ou apagamentos.
E isto de modo algum poderá ser considerado uma mentira.

É a forma como a Memória e o Tempo atuam sobre as mentes humanas.

Esta Memória é também uma forma de elaboração construtiva e narrativa que contará com todos os seus movimentos de ir e vir, fluxos e refluxos.
E são a elas que a escuta atenta poderá ter acesso.
Esse território feito de sedimentos e brumas precisa ter uma paciente escuta para ser capaz de reunir cada trecho destas memórias e como num quebra-cabeça encontrar os pontos que darão sentido à todo o conjunto.
Como um tricô rico de pontos com algumas costuras que, para ter sua beleza exposta necessitará estar escondido no avesso de tudo. A trama do fio quem tece é o tempo, tal como as memórias que emergem em um relato.

Por isso, a escuta deverá ser sempre empática, paciente, tranquila. Nunca invasiva, indelicada e intrusiva. Respeitará sempre o Outro e seus movimentos no seu trânsito entre passado e presente. 

Cabe frisar que o respeito a este Outro que nos traz o seu passado, memórias, sentimentos e perspectivas precisa de espaço e tempo para elaborar o que pensa e o que sente.

Muitas vezes, você verá seu depoente numa longa pausa e um olhar que fixa o nada, como se estivesse tentando alcançar aquele tempo que passou.
Ás vezes, de fato ele se esqueceu e às vezes precisa elaborar melhor seus sentimentos para que os possa expressar. Às vezes, entra em contato com uma grande dor, perda, mágoa ou alegria. Dê tempo para que a pessoa reencontre este passado.
Pode ser que seja um passado que estava trancado em gavetas profundas dos seus pensamentos e encontrá-las ali de repente pode significar um sobressalto que o depoente simplesmente não esperava. 

Reencontrar o passado a partir de memórias pode significar em alguns casos, lidar com traumas e dores quase instransponíveis…respeito isso. 

Daí que a escuta praticada pelo pesquisador não é apenas a óbvia: feita pelos ouvidos. É uma escuta empática, serena.

Por isso, o oralista e/ou pesquisador não pode ser uma pessoa despreparada, ansiosa ou agitada. Ela PRECISA ser a boia salvadora que permite que o depoente ultrapasse as tempestades de seu passado e objetive de forma concreta o que de fato quer revelar. 

O oralista e/ou pesquisador é por assim dizer, o porto seguro após as turbulências emocionais pelas quais eles passarão no seu caminho de travessia pelo Tempo. 

Por isso, muitos depoimentos podem levar horas e até dias. Nunca ocorrerá em uma única hora. 

Diante disso, considero importante abordar um outro ponto nevrálgico e que em muitos casos surge como um grande equívoco: 

História Oral: NÃO É Storytelling

O termo se popularizou em especial por áreas ligadas ao Marketing e que possui uma forma que muitas vezes chega a desvirtuar completamente o sentido e o uso da História Oral. Seu uso tem como objetivo buscar histórias que funcionem como gatilhos, comovam ou incentivem outros a partir das experiências de personagens importantes da empresa, como fundadores e primeiros funcionários. 

O recurso de uso do Storytelling tem como objetivo apelar para o lado emotivo que pode gerar empatia em relação a estes eventos ou histórias do passado. O Storytelling funciona a partir de um enredo previamente criado para que tais historietas, eventos ou peculiaridades sejam dispostas e se entrecruzem de modo a gerar retenção e absorção mental e emocional. Por isso, é tão utilizada por áreas que trabalham exatamente o emocional das pessoas para gerar demandas e consumo, ou como neste caso, engajamento e afeto. Mas é possível que uma instituição queira usar este recurso como elemento motivador e inspirador de equipes, por exemplo. 

Apesar de às vezes, tais histórias serem “engraçadinhas” quer por seu pitoresco ou inusitado tal recurso está há anos-luz do que seja História Oral e do seu uso, por exemplo num Projeto de Memória Institucional ou de História Oral.

A História Oral possui uma forte fundamentação metodológica e requer que os envolvidos estejam preparados por todos os passos que a compõe. Nos casos do seu uso para Projetos de Memória Institucional deve-se ter em mente que sua utilização está muito mais vinculada ao fortalecimento da Cultura e Identidade institucional ao mesmo tempo que se está valorizando o Capital Intelectual existente. E sendo assim, a escuta será elemento fundamental e dominante em todo o processo.

A escuta será a protagonista de uma construção documental onde participam depoente e entrevistador numa relação que busca antes de tudo localizar memórias que muitas vezes estão encobertas pelas brumas de seu passado.

Como dito à cima nunca significarão um resgate, pois esta memória está longe de estar pronta em algum lugar. 

Uma correção fundamental: não existe história oral empresarial

Quando dizemos que a memória é uma construção narrativa feita no presente a partir de um determinado momento histórico estamos querendo dizer que será a fala e o registro que darão concretude ao que é fluido e subjetivo, que é a memória do depoente.

A memória que se torna registro e fonte documental representa uma seleção dinâmica entre quem fala e quem escuta. 

Sendo assim, e tomando como princípio metodológico que não podemos tratar a memória como algo concreto, convém que corrijamos um equívoco corrente: ou seja, substituirmos o termo “história oral empresarial” por história oral da empresa ou para a empresa. 
Isto se dá porque há diferença entre história oral da empresa e história oral para a empresa.
Entenda:

“(…) Historia oral da empresa remete ao papel externo da instituição. É endógeno. Por inscrevê-la na atividade empresarial fora da fábrica ela é para a empresa, exógena (…)

(…) História oral para a empresa é uma produção atenta à visão de fora para dentro, e diz respeito à relação entre a empresa, o contexto e o mercado. Nesta caso, a atenção é dada a inscrição da empresa no contexto histórico, econômico, em dimensões maiores que a pratica interna ou a vivência da empresa… Portanto, a história oral para a empresa diz respeito ao setor como atividade do mundo externo, atento ao impacto e desenvolvimento social provocados pela atuação daquela instituição.(…) 

(…) A história oral da empresa, pelo contrário, orienta-se para o funcionamento unitário das entidades produtivas. O “olhar interno” na instituição é o que interessa (…) a história oral da empresa devota a atenção aos funcionários e os conecta com problemas imediatos, internos da entidade. (…)”*  

(Meihy & Ribeiro, 2011)

Esta abordagem tenta corrigir o jargão de ‘história oral empresarial’.

A história oral institucional, de ou para empresas, está diretamente relacionada ao mundo do trabalho, e portanto, preocupada em relacionar a empresa na vida social que a cerca. 

O principal erro aqui é esquecer-se que a história da empresa ou história empresarial é feita com documentos, em sua maior parte escrita sem mediação do oral, não existindo uma história oral empresarial
Não que os documentos orais não possam ser considerados fontes documentais. Mas estes são produzidos no presente, com questões e filtros do presente realizado por pessoas vivas e que se debruçam sobre o passado com todos os seus filtros e impressões. Deste ponto de vista, são altamente subjetivas e podem possuir muitos ponto velados.
Além disso, são documentos que podem ser considerados colaborativos pois contam com a parceria do oralista e/ou pesquisador e o depoente.

A oralidade é uma condição fluida, subjetiva que possui um código diferente de um registro escrito produzido no desempenho de funções específicas da instituição.
Tais documentos não nascem para ser históricos, mas sim para cumprir funções no interior da instituição. Carregam consigo elementos que formam e informam todo um arcabouço que poderá servir no futuro para investigações outras.
São exemplos de tais documentos: registros de atas, relatórios, cartas, instruções normativas entre outros registros. Em geral, tais documentos terão um valor inicial que se relacionam com sua função e somente posteriormente será considerado histórico ou patrimônio documental que faz parte da história empresarial.

Cabe aqui um alerta importante: não se deve separar estes documentos de forma avulsa para compor a tal história empresarial. Ou mesmo para compor Centros de Documentação e/ou Memória.

A História não é feita de documentos avulsos pinçados aleatoriamente para criar um gabinete de curiosidades institucional. Este é um erro arquivístico sério que não deveria ocorrer – na arquivística temos o que se chama a teoria do “Respeito aos Fundos” onde um documento não pode ser subtraído de um conjunto documental – mas vejo isto acontecer com alguma regularidade no âmbito da tal história empresarial. Este erro ocorre em verdade, porque alguns profissionais simplesmente não sabem disso, e a instituição que solicita o trabalho sabe menos ainda.

Voltando ao ponto que interessa:

O uso de relatos orais para compor uma história da empresa ou para empresa tem suas virtudes, mas também possui seus riscos: em alguns momentos terá elementos de excessiva subjetividade, que como pesquisadores e/ou oralistas precisam estar atentos. 

Um Projeto de História Oral para ser tomada à cabo deverá circunscrever todas estas variáveis e compreender que ele representará um recorte no espaço/tempo e por isso mesmo será finito.

E a História Oral de Vida?

Não poderia deixar de abordar um outro termo que sempre gera muita confusão no campo de história oral. 

Veja, se de um lado temos os depoimentos que se inscrevem em campos sociais ou sendo de ou para uma empresa, de outro lado podemos ter a chamada história oral de vida
Qual a sua principal característica e como se diferencia das outras formas de história oral?

As histórias orais focadas em grupos, empresas, famílias, etc., se referem a trajetória de uma pessoa dentro deste período de sua conexão com tais grupos, empresa, etc., Não há uma grande digressão sobre seu passado, formação, ou os caminhos percorridos até chegar a este ponto.

Em geral, os depoimentos quase que começam com a entrada da pessoa naquele determinado grupo, movimento, empresa, família, etc.,

Já a história oral de vida interessa-se pela trajetória completa de um determinado dirigente, líder, fundador.
É exatamente o elemento extraordinário desta pessoa que torna importante ouvir TODA a sua trajetória.
Neste caso, o relato oral começa às vezes com os pais da pessoa, sua infância, formação intelectual, leituras, o encontro com a instituição, suas contribuições e às vezes sua aposentaria ou desligamento. 

Considero que a História Oral de Vida representa mais do que em qualquer outra modalidade uma forma de dar valor ao individuo e sua trajetória. Neste caso, é onde mais diretamente encontramos a valorização do Capital Intelectual que aquela pessoa representa tanto pessoalmente quanto profissionalmente e/ou intelectualmente. Neste tipo de relato todas as formas de expressão do individuo são valorizadas: sua forma de pensar, agir, relações, criatividade, produção intelectual ou artística. 

Por tudo isso, fica claro que um Projeto de História Oral terá poucos casos de um relato de História Oral de Vida.
Se por exemplo, um depoimento normal dura entre 2 ou 3 horas, um depoimento de História de Vida pode dura muitas horas e até dias! 

De tudo o que disse, o que fica é esta excepcionalidade do vivido que se transforma em ponte para um passado vivido e revisto. Escutar será sem dúvida alguma o meio de acessar os caminhos e trilhas destas Memórias e a reunião de vários conjuntos de depoimentos nos apresentarão um caleidoscópio interessante e rico de um tempo que se foi. Trajetórias se interpenetrarão e nos apresentarão uma perspectiva diversa, e muitas vezes, complementares.

O conjunto de tais relatos nos possibilitarão perspectivar um sujeito coletivo que perpassou vidas e inscreveu-se em um determinado espaço/tempo.

Talvez por isso o fascínio que esta História nos traz. 

_______________________
* Notas: Meihy, José Carlos Sebe B. & Ribeiro, Suzana L. Salgado. “Guia Prático de História Oral para empresas, universidades, comunidades, famílias. São Paulo. Contexto, 2011.

** Bibliografia de apoio:
Alberti, Verena. Ouvir Contar – Textos em História Oral. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2004.
Alberti, Verena. Manual de História Oral – a experiência do CPDOC, 1989
Benjamin, Walter. O narrador. Magia, técnica, arte e política. Obras escolhidas, v. 1. São Paulo, Brasiliense, 1987
Bosi, Ecléa. Memória e Sociedade. Petrópolis. São Paulo: T.A. Queirós, 1979
Garrido, Joan del Alcàzar i. As fontes orais na pesquisa histórica: uma contribuição ao debate. Revista Brasileira de História. São Paulo, ANPUH/Marco Zero, v. 13, nº 25/26, set. 1992/ago.1993
Meihy, José Carlos Sebe B. & Ribeiro, Suzana L. Salgado. “Guia Prático de História Oral para empresas, universidades, comunidades, famílias. São Paulo. Contexto, 2011.
Pollak, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, CPDOC-FGV, v.2, nº 3
____________. Memória e identidade social. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, CPDOC-FGV, v.5, n.10

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