Memórias de uma Biblioteca pessoal convertida em Acervo Institucional

Por: Eliana Rezende Bethancourt 

O espaço doméstico circunscreve escritas. Escritas de vida, de opções, caminhos feitos ou abandonados, viagens, experiências, saberes e leituras. Pensar o espaço doméstico significa entender que ele é preenchido com escolhas e experiências sensoriais, pessoais, afetivas, eletivas, intelectuais e sensíveis de seus moradores. A organização dos seus espaços e suas disposições surgem como um vasto vocabulário sobre modos de viver de seus moradores. Dessa forma, uma biblioteca pessoal no espaço doméstico possui aspectos fascinantes se analisada minuciosamente, buscando interpretar essa sua inclusão.

A biblioteca pessoal em nada se assemelha à uma Biblioteca Institucional por uma infinidade de motivos e que tentaremos explicitar neste artigo.

A maneira como optamos por organizar nossos livros, sua disposição no espaço da casa e a maneira como revelam nossas preferências e interesses são verdadeiramente fascinantes.

Podem ser despojadas, meticulosamente compartimentadas e organizadas. Simplesmente não importa.
Representam o caminho de uma vida.

Como as pessoas, os livros possuem uma identidade própria, e se bem ‘lidos’ em seu conjunto pelos que observam uma biblioteca pessoal, poderão descobrir o quanto estes volumes reunidos deram a seus leitores.

Os livros são testemunhas silenciosas das vidas que tiveram. São capazes de nos dar muitos sinais: a dedicação de horas a algumas leituras pode deixar marcas e rastros: as páginas podem ficar amarelecidas por terem sido muito folheadas.
É leitura multissensorial (feitas com os olhos, mas também feita com o tato e até o olfato). Esse contato deixa rastros e sinais nas páginas: dobradas, marcadas ou até mesmo inscritas. Isso ocorre quando essas páginas se transformam em breves esboços dos caminhos e reviravoltas do pensamento diante da leitura.

Divagamos entre o espaço entrelinhas ou entre parágrafos, delimitamos suas margens.
Existem momentos que são pausas e os dedos parecem percorrer as frases que expressam um sentimento, uma ideia, uma justificativa… um conceito.

Enfim, as margens como as que circundam um rio servem de pausa ou mesmo reflexão para uma mente que às vezes deambula, vagueia e saltita, entre a agitação ou a calmaria de um pensamento, um sentido, uma essência, uma lembrança ou uma conexão. . 

Em alguns casos, os livros tornam-se suportes de outras memórias que não estão explícitas em grafismos e letras: há os marcadores oficiais que são ao mesmo tempo uma publicidade, ou um desejo de consumir uma leitura no futuro.
Entretanto, é possível improvisar: podemos encontrar entre suas páginas notas ou recibos de uma compra ou um café onde o livro era a companhia perfeita, folhas e flores secas, cartões postais, fotografias, bilhetes ou ingressos. Todas inscrições materiais sobre momentos vividos e compartilhados entre uma pausa de leitura e outra. Ou quando estes passeiam com seu leitor por diferentes lugares: um café, um jardim, uma praia, um museu…ou até como ocorria em bons tempos, uma sala de cinema com filmes fora de circuitos comerciais e lixo pirotécnico denominado filmes de ação.

A biblioteca pessoal é assim um amálgama de memórias. Por entre seus volumes trafegam tempo, imagens, percursos físicos ou apenas de alma. Representam muitas vezes, o espaço do hiato entre o sentir e o pensar. São um território livre para uma mente andarilha e uma alma que busca por espaço.
Se nos detivermos às suas marcas descobrimos, tal como um detetive, o valor de cada via trilhada.

Percorrer seus volumes significa observar como caminhos foram alterados, interrompidos, aprofundados… ninguém permanece o mesmo no decorrer da sua construção intelectual e de sensibilidades. A biblioteca, sem dúvida alguma espelha as rotas por onde seu leitor vagou, se interessou ou simplesmente abandonou.

Às vezes, tais bibliotecas se apresentam com estantes bem organizadas, com volumes cuidadosamente dispostos numa lógica sui generis e pessoal. Mas há os casos em que a desordem nos apresenta uma lógica própria, singular e hierárquica de prioridades e valores.
Provavelmente os volumes mais desorganizados colocados sobre móveis, poltronas, mesas e sobre prateleiras organizadas significam exatamente a preferência e a prioridade de leituras. Não estão perdidos ou desprezados como poderíamos supor. Em verdade estão sempre presentes e à mão, acompanhando o leitor em diferentes fases e momentos. Não tê-los à vista ou na distância do movimento dos braços, pode gerar, em alguns, ansiedade, desconforto ou mesmo o receio de perda.

No seu todo, os volumes reunidos também nos fornecem tons, espessuras, texturas, alturas, formatos, design gráfico, tridimensionalidade. Explodem num espetáculo de tons, matizes e grafismos. Apanham nosso olhar e com ele dialogam.
Olhados no seu todo, permitem que sejam conhecidos o conjunto de temas, autores ou preferências várias do seu acumulador.
Representam e espelham o que é de real significado para seu possuidor e como este dialoga com seus escritores e obras preferidas. As ausências sentidas também indicam escolhas e preferências. Como ocorre com o silêncio, a ausência de certos autores por um perfil de leitor indicam também uma forma de comunicação e interação.

Em geral, as bibliotecas pessoais longe de possuírem uma organização técnica, possuem uma organização preferencialmente temática que se aglutina por uma hierarquia de gostares e prazeres de seu leitor/acumulador.

Cada autor ou tema representa para seu leitor um percurso pessoal de construção de pensamentos e experiências. 
Muitos dos seus volumes têm histórias que antecedem sua aquisição.

É normal que o colecionador se lembre onde e como teve contato com determinada obra e o que sentiu ao ler pela primeira vez o livro. Pode ter sido aquela leitura rápida de uma aba numa livraria ou num aeroporto qualquer enquanto esperava por um outro compromisso ou afazer. 

Há também os livros reservados para um dia ser lidos.
Estes, representam um ardente desejo de posse e uma inexplicável ausência da oportunidade, a tão esperada leitura que sempre fica adiada para um futuro incerto tanto quanto improvável.

E como não falar dos volumes repetidos?!
Quantas vezes o temor de não possuir nos faz comprar um determinado livro mais que uma vez?
E como não falar sobre aqueles que são atualizados em seus suportes: dos xerox em tempos de dificuldade financeira enquanto fazia a Faculdade às edições de capa dura de anos futuros.
Mais recentemente, alguns ganham uma edição kindle.
Não há preconceitos: apenas afetos! 

Esteticamente estes volumes carregados de afeto e palavras podem dividir espaço com outros objetos de cultura material, que servem como suportes a outras memórias, como: discos, CDs, fotografias, pequenas esculturas e miniaturas que remetem à lugares, viagens, lembranças, presentes. Dispostos de formas várias contam uma história de percursos diversos que entrecortam a vida pessoal e/ou profissional do leitor.
Dialogam sobre a personalidade de seu colecionador como se alfabeto fossem.
Dispostos em prateleiras, mesas, descansos, banquetas, apoios: inscrevem e marcam um espaço que não é apenas o físico. É também cultural e emocional.
Marcam posição por categorias internas de valores imateriais. Daí estarem tão próximos do que consideramos Memória.  
Trazem Identidade à biblioteca por meio dos elementos dispostos como aparente ornamentação por seu colecionador, mas ao olhar atento de um pesquisador trará um repertório imenso de hipóteses e investigação.

O livro assim, como objeto, é carregado de informações não apenas escritas, mas também de sentidos culturais ou de apropriação cultural.
Tê-los em determinada ordem ou local representa a forma como concebemos nosso imaginário. Materializa o que somos por partes. A biblioteca por seu todo revela quem somos, de onde viemos, para onde e por onde caminhamos.
É assim uma obra aberta enquanto existimos.
Estará completa apenas quando não estivermos mais aqui. Neste ponto de nossa jornada cruzará nossa história com os percursos de outros e provavelmente, se converterá em uma terceira entidade, com a matriz de seu possuidor como ponto inicial. 
Vale aqui pensarmos nas bibliotecas herdadas, que se somam à outras em conjuntos variados, às vezes pessoais, às vezes institucionais.

E como toda joia exposta, precisam de locais e materiais que sirvam para sua exposição.
Madeiras, metais, vidros, tijolos, bambus…todos materiais que garantem a estabilidade necessária para que ali adormeçam e sirvam de companhia. 

O espaço também se desenha não apenas a partir de seus formatos, mas em especial por seus tons que oferecem personalidade e conexão profunda com o emocional e até o espiritual. 

Eventualmente haverá espaços para leitura, composto por aquela poltrona procurada por tempos, um recamier ou sofá com a luz certa e direta para cada momento.

A luz externa será bem vinda e é comum que diferentes seres vivos partilhem o ambiente. Folhagens, orquídeas, arranjos florais vários trazem à vida constituída de outras sensibilidades e odores.
Compõem um quadro onde sensações e estéticas diversas se aliam e trazem conforto e paz. Converte-se em um refúgio para a alma descansar e o espirito se expandir.

Por todos este motivos, a composição pessoal e intransferível. Faz parte do cultivo pelo tempo de cada um dos objetos ali dispostos.
NUNCA estará concluída e sempre guardará um espaço remanescente para a mais nova aquisição. 

As bibliotecas pessoais que vencerem este desafio ganham um novo status: a imortalidade da trajetória de pensamento de seu detentor.
O caminho e o itinerário de sua coleção será um exemplar único de uma história única.
Será um volume que contempla uma existência inteira.
E só assim terá sua identidade conhecida por todos. 

Bibliotecas pessoais quando são convertidas em Acervos Institucionais

Se as bibliotecas pessoais possuem toda a riqueza de detalhes explicitada acima, é fundamental que as entendamos em toda a sua complexidade quando forem convertida em uma Coleção para integrar uma Acervo dentro de uma instituição.

É usual que algumas bibliotecas pessoais, por seu caráter singular e específico mereçam ser recebidas quer como doação, quer como aquisição para integrar Acervos maiores que se encontram em instituições de Ensino e/ou Pesquisa.

Entender a lógica de organização de uma biblioteca pessoal é fundamental do ponto de vista de uma Coleção ou série Documental. Aqui diferentes profissionais terão olhares diversos sobre estes itens e volumes que compõem uma biblioteca pessoal.
Bibliotecários, Arquivistas e Historiadores terão olhares múltiplos e diversos sobre este conjunto, que poderá e deverá ser considerado um conjunto documental.

Como tal, e até para que não se perca seu sentido de “fundo” documental não deveria ser mutilado numa organização técnica por meio de catalogação decimal. Que apesar de correta, do ponto de vista técnico, perderia o sentido que seu colecionador resolveu dar à sua biblioteca.

Um historiador e um arquivista preferirão manter a organização original dada por seu acumulador, pois assim manterão todas as conexões e hierarquias de seu colecionador original.

Como conjunto, uma biblioteca pessoal pode ser um excelente meio de preservação da memória individual, e como tal pode perfeitamente ser organizada tomando-se como princípio teórico-metodológico o chamado respeito aos fundos, que em linhas gerais não destrói esta ordem original no momento em que faz a organização deste conjunto documental.

Apesar de possuírem objetivos de recolher, preservar, organizar, catalogar, indexar conjuntos documentais cada instituição o fará de forma e premissas diversas: o bibliotecário tomará a informação que cada documento traz, ou seja, tomará o conjunto como uma soma de entidades autômanas.
arquivista estará preocupado com as conexões institucionais entre colecionador e funções administrativas e relações de prova que os documentos possam oferecer. Estará preocupado em entender de que forma tal acervo se relaciona às funções desempenhadas por seu colecionador.
Já um historiador analisará o conjunto documental como sendo um potencial fornecedor de Memórias, subjetividades e possibilidades históricas. Mas NUNCA considerará as partes como sendo autômanas. SEMPRE considerará as relações entre TODAS as partes.

A grande limitação que vejo em uma organização para uma biblioteca pessoal é a utilização de um padrão de organização decimal como estabelecida por bibliotecários.
É limitador por, pelo menos, 4 motivos:
1. A CCD (Classificação Decimal de Dewey) foi construída como uma forma de organização do Conhecimento Humano divido em 10 grandes áreas. Mas todas elas a partir de conhecimentos e áreas do século XIX. Isto por si só é um grande problema, pois apesar de suas atualizações elas representam uma divisão conceitual própria do século XIX, e com todos os seus vícios e problemas eurocêntricos.
2. Ela não é suficientemente abrangente para áreas intertrans e polidisciplinares, causando vários problemas para a quantidade de áreas que temos hoje em dia. Basta falarmos por exemplo em Memória Social, Sustentabilidade, Humanidades Digitais, Estudos Ambientais para ficarmos em apenas alguns temas. Não há uma caixa padrão onde todas estas áreas possam estar.
Atribuir uma organização decimal aqui é matar as relações entre as diferentes áreas.
3. E talvez a pior de todas as limitações é ela ser excludente, ou seja, é feita apenas para ser entendida por pares. O que inviabilizará a compreensão da biblioteca como um todo de forma intuitiva com valorização cultural da mesma.
4. Vivemos em tempos de desintermediação de informação. A partir do momento que tentamos hierarquizar de forma tão milimétrica o que são, não apenas livros, mas todo um conjunto de saberes, fazeres e construção cultural presente em uma biblioteca pessoal temos uma perda incomensurável.

Na concepção tanto arquivística quanto histórica o documento NUNCA é visto como uma unidade autônoma. Sua preservação, contextualização e análise só podem ser pensadas em conjunto, até para que não seja perdida sua inserção histórica, social, cultural.

Neste sentido, a biblioteca pessoal pode ser pensada como um ato de comunicação, já que seus volumes dialogam com as ideias e perspectivas de vida, emocionais e intelectuais de seu acumulador. Como um alfabeto, os volumes dispostos nos permitem entrever histórias e itinerários…tanto de vida como profissionais.
E há os diferentes suportes que a compõem e que não se inserem como volumes. Citamos acima o exemplo de fotografias, CDs, quadros, pinturas, objetos tridimensionais vários (medalhas, troféus, placas, álbuns, miniaturas), esculturas e até plantas!

O que é fundamental ter em mente ao se deparar com uma biblioteca pessoal é não perder de vista a trajetória pessoal e profissional de seu acumulador (um seu avatar). Ao ser incorporada em uma instituição estes traços precisam estar presentes e explícitos para que não se perca toda a riqueza intelectual e cultural que representa.

Falamos da Identidade que CADA UMA das bibliotecas pessoais possuem, e que se estes volumes forem subtraídos de seu conjunto e ordem orgânica dada pelo colecionador muito será perdido.

Um outro exemplo que gosto de citar e que já escrevi sobre isso são as Cavernas como Acervos Vivos: seu valor de Patrimônio Natural. Como um todo, elas compõem um grande acervo vivo de elementos diversos. E podem sim ser pensados uma biblioteca.

Há também os jardins pessoais onde o conjunto de plantas, folhagens, árvores, lagos e fontes compõem uma acervo que pode ser pensado também como uma biblioteca viva. Neste caso, compreender o colecionador, suas preferências técnicas, intelectuais, culturais por meio de sua biblioteca pessoal é fundamental. Aqui podemos citar o caso de Burle Marx. Não foram apenas seus jardins que entraram no processo de organização documental. TUDO o que diz respeito a ele foi considerado: a casa, biblioteca e obras diversas.
O acervo do Instituto Burle Marx reúne uma diversidade de formatos, materiais e técnicas, totalizando mais de 150 mil itens em diferentes coleções.

Abaixo temos uma representação gráfica dos números do acervo e seus tipos documentais que fazem parte do Acervo da Instituto Burle Marx:

Um exemplo específico que gostaria de destacar neste caso é o trabalho de conjunto e interdisciplinar para que não fossem perdidas todas as dimensões da pessoa, o intelectual, o artista, o cidadão. A complexidade de tais acervos é fenomenal e por isso as soluções PRECISAM ser pensadas de formas diversas. Existem ferramentas acessíveis e metodologia capaz de lidar com tais complexidades. Quase nada mais é impossível.

Note a observação sobre o acervo:

De tudo o que foi dito, é preciso frisar que a lida com bibliotecas pessoais requer por parte do profissional que a tratará uma profunda sensibilidade e rigor teórico metodológico, não para impor uma organização técnica limitadora. Será seu papel dar voz a alma que esta biblioteca já possui.

Aí está o segredo!

Como a ER Consultoria pode ajudá-lo?

Na ER Consultoria possuímos metodologia própria para utilizar as informações contidas nos documentos em diferentes tipos de acervos e/ou arquivos para Projetos de Memória Institucional com vistas ao fortalecimento de Identidade e Cultura Organizacional em empresas de diferentes segmentos e suas áreas de atuação. Além de ofereceremos metodologias e técnicas adequadas para a Preservação e Conservação de Acervos e seus suportes físicos ou digitais.

Se você possui dúvidas sobre como tratar seus diferentes patrimônios entre em contato e encontraremos uma forma de auxiliá-lo quer por uma Assessoria Técnica Especializada ou por meio de Capacitações Técnicas ao seu corpo de profissionais.

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Bibliografia de Referência:
BARROS, Moreno. O futuro da Biblioteconomia. Briquet de Lemos, 2016.
BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Arquivos permanentes: tratamento documental. 2. ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2004.
CAMARGO, Ana Maria de Almeida. Arquivos pessoais são arquivos. Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, ano XLV, n. 2, p. 26-39, jul.- dez. 2009.
CAMPOS, José Francisco Guelf (Org). “Arquivos Pessoais: experiências, reflexões, perspectivas”. Eventus 4. Associação de Arquivistas de São Paulo (ARQ-SP), São Paulo, 2017
GOMES, Thulio. Os limites de Dewey. Blog Biblioo, 2013.
MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. A crise da memória, história e documento: reflexões para um tempo de transformações. In: SILVA, Zélia Lopes da (org.). Arquivos, patrimônio e memória: trajetórias e perspectivas. São Paulo: Editora Unesp; Fapesp, 1999, p. 11-29.
REZENDE, Eliana Almeida de Souza. “Um Ensaio de Ego-História“, Revista Sustinere, UFRJ, 2016.
______________________________.  “Memórias digitais em busca da eternidade e o papel do profissional de informação em tempos de geração touchscreen“. Memória E Informação3(1), 36-48, 2019
RODRIGUES, A. M. L. “A teoria dos arquivos e a gestão de documentos”. Perspect. Ciênc. Inf., Belo Horizonte, v.11, n.1, p. 102-117, jan./abr. 2006

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Gestão Documental: acesso à Patrimônio Cultural e Documental

Por: Eliana Rezende Bethancourt

Em diferentes artigos apontei a importância da Gestão Documental no âmbito da Gestão Pública, tanto na Administração Direta como Indireta.
Aplicada à Administração Pública podemos enfatizar que é garantia de racionalidade e transparência administrativa, bem como ferramenta eficaz na tomada de decisões estratégicas.

E ainda mais.

A Gestão Documental nas instituições públicas é meio de exercício de cidadania. Indo além: podem e devem integrar a categoria dos Direitos Humanos.
Ela é sem dúvida, ferramenta fundamental na trabalho de acesso à informações que possuem um valor incalculável, e por isso, consideradas Patrimônio Cultural e Documental.

Exatamente porque as ferramentas, normas e procedimentos aplicáveis à Gestão Documental garantem que os documentos sejam armazenados, organizados e disponibilizados, cumprindo com o que é denominado uma tarefa de preservação e conservação de documentos de valor permanente, e portanto, históricos.

Neste sentido, podemos dizer que por terem como objetivo custodiar e preservar tais documentos, os arquivos públicos também possuem uma função social: o atendimento ao usuário/cidadão em suas demandas sobre fatos relevantes que integram nossa História.

Arquivos como matéria-prima

Um exemplo interessante e apropriado para este caso é a documentação reunida, organizada e disponibilizada pelo Arquivo Nacional em relação à vários temas.
Dentre eles, o período denominado Ditadura Militar, compreendido entre 1964-1985.

Para este caso específico, foram reunidos documentos de diferentes procedências: desde documentos produzidos pelos próprios órgãos repressivos, decretos, leis e outros registros baixados pelo próprio regime militar, e como é óbvio: os atos institucionais que normatizaram e validaram ações repressivas contra a sociedade civil organizada.

Mas não apenas estes registros.
Também foram obtidos documentos como fotografias da Agência Nacional e o Jornal Correio da Manhã, e mais recentemente documentação produzida pela Comissão Nacional da Verdade.

Além disso, por meio de processos instaurados, a organização documental pode localizar documentos que foram considerados subversivos e proscritos pelo regime. Um exemplo interessante é uma letra composta por Chico Buarque de Holanda e cantada por Mario Reis, chamada “Bôlsa de Amores”.

Há também filmes, cartas e outros registros que compõem este rico acervo, como se observa nos documentos abaixo:


Colagem de imagens e prints de vídeos originais que hoje são fartamente utilizados nas redes sociais

Divulgação é fundamental

Mas como ocorre com TODOS os acervos, nada adiantaria apenas armazená-los. É preciso um grande trabalho de divulgação de acervo para a sociedade como um todo. As formas de divulgação ocorrem em especial pelas vias da Arte, Cultura e Educação, onde tais materiais podem ser utilizados e integrados à diferentes projetos educacionais e culturais.

Daí a importância de entendermos que tratar de temas como a Ditadura Militar no Brasil, não é um tema de menor importância. Tomar tais temas, e utilizar toda a gama de registros documentais disponíveis, é uma forma não apenas de não esquecermos, mas de educarmos e entendermos valores fundamentais, como Cidadania, Democracia, Liberdade, História.

E o mesmo ocorre com inúmeros outros temas sensíveis que repercutem nas formas como nossa sociedade se constitui e se compreende, dentre tantos podemos citar a escravidão, que impacta diretamente sobre a forma como compreendemos historicamente relações de trabalho e de racismo no Brasil, por exemplo.


Quando afirmamos que os documentos são Patrimônio Cultural e Documental estamos dizendo que são eles que nos trazem pistas, vestígios que nos ajudam a entender quem somos e de onde viemos. O Patrimônio Cultural é o modo pelo qual o Homem entende a si mesmo e o seu entorno.

Gestão Documental como categoria dos Direitos Humanos


Pensado desta forma, a Gestão Documental dentro das instituições públicas é elemento fundamental de exercício de cidadania, e indo além: pode e deve ser compreendida como estando na categoria dos Direitos Humanos. Isso porque, a partir do acesso à Informação os cidadãos podem tomar suas decisões com uma margem maior de acerto, e isso é sem dúvida, exercer seu direito como Cidadão.

Por isso, gosto de utilizar a expressão Usuário/Cidadão ou Cliente/Cidadão. Já que antes de tudo, cada pessoa que se dirige a um órgão buscando informações é um Cidadão, e como tal deve ser tratado.

Sob esta ótica TODOS os que trabalham em arquivos públicos possuem esta responsabilidade explicitada em Lei, que é a de dar acesso à Informação. O que cada cidadão, instituição ou órgão fará com tal informação não nos diz respeito. O papel dos órgãos que zelam pela integridade dos arquivos e acervos é apenas fornecer a informação solicitada.

Fica evidente, portanto, o circulo virtuoso que um arquivo pode ter no âmbito da sociedade civil.
Enquanto agentes públicos, os arquivos possuem a responsabilidade de custodiar, organizar e disponibilizar acesso às informações contidas nos documentos existentes em seus acervos.

Gosto de ressaltar que os arquivistas que zelam pelo cumprimento de atividades de identificação, catalogação, digitalização, higienização e armazenamento de documentos devem cumprir da forma mais precisa seu trabalho, cumprindo de perto normas e procedimentos técnicos. Ele NUNCA deverá agir como um pesquisador, apesar do fascínio que os acervos causam em muitos.
Fazer isso, removerá dos documentos as possibilidades de usos diversos.
Ele funcionará de forma restritiva às possibilidades que tais documentos oferecem.

Neste sentido, normas e procedimentos técnicos são a garantia de que tais documentos cumprirão suas funções determinadas por sua origem.

E outro ponto necessita ser salientado.

Se o arquivo deve zelar pelos documentos, sua primeiríssima atitude será a de obedecer a origem que este documento possui. Pois é somente por meio dela que compreenderemos sua função, seja ela social, jurídica, cultural, entre outras.
Fragmentar acervos e escolher documentos que deveram ser tratados como relíquias históricas NÃO é trabalho técnico e muito menos histórico!

De novo, não podemos retirar dos documentos sua organicidade presente na forma como foram acumulados no interior de uma instituição.

Apesar disso, os arquivos podem e devem ter usos e aplicações diversas após terem cumprido suas funções iniciais, determinadas pelas funções que os levaram a ser produzidos.

Entenda:

Arquivos e sua utilização como produto cultural

Uma vez organizados e acessíveis, estes documentos, retornam à sociedade não como documentos, mas como informações que poderão ser utilizadas de diferentes maneiras e na produção de conhecimentos diversos. Podem originar pesquisas acadêmicas, projetos educacionais diversos (oficinas, workshops, elaboração de aulas, escrita de livros, artigos e afins), projetos artísticos/culturais (como exposições, peças, documentários, filmes, mostras, etc).

Ao tomar esta forma de produto cultural/educacional ele irá interagir com a sociedade e produzirá novas formas de apreciação, compreensão e até conhecimento.

Daí sua importância no âmbito da construção de uma sociedade mais educada, crítica, perspicaz que sabe como se valer de informações que podem ser acessadas de forma livre e criativa.

Vejamos um exemplo muito interessante de uso de documentos de acervo para diferentes produções.
A 1ª imagem na verdade, é um print de uma cena de um documentário intitulado “Como a Ditadura Militar ensinou técnicas de tortura à Guarda Rural Indígena (Grin)“, seguido por uma imagem que há anos é utilizada na internet para compor memes do tipo ilustrado abaixo.



O caso do vídeo também é muito interessante, já que ficou desaparecido por 42 anos, e é revelador ao mostrar como a Ditadura treinou a Grin (Guarda Rural Indígena) com técnicas de tortura, como o pau de arara, e enraizou a violência policial em terras indígenas.

Segundo a reportagem da jornalista Laura Capriglione:

“(…) Aquele 5 de fevereiro de 1970 foi um dia de festa no quartel do Batalhão-Escola Voluntários da Pátria, da Polícia Militar de Minas Gerais, em Belo Horizonte. “Pelo menos mil pessoas, maioria de civis, meninos, jovens e velhos do bairro do Prado, em desusado interesse”, segundo reportagem da revista “O Cruzeiro”, assistiram à formatura da primeira turma da Guarda Rural Indígena (Grin). (…) Segundo a portaria que a criou, de 1969, a tropa teria a missão de “executar o policiamento ostensivo das áreas reservadas aos silvícolas(…)”

(…) O que nenhum órgão de imprensa mostrou –eram tempos de censura– foi o “gran finale”. Os soldados da Guarda Indígena marcharam diante das autoridades –e de uma multidão que incluía crianças– carregando um homem pendurado em um pau de arara.(..)”
– Reportagem de Laura Capriglione, originalmente publicada no jornal “Folha de S.Paulo”, em 11.nov.2012

O fato importante é que poder assistir um filme mostrando uma forma de tortura muito presente em porões, mas nunca vista ao vivo se deu pela obstinação de um pesquisador: Marcelo Zelic, à época vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais/SP e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo.

Conta a repórter que realizando sua pesquisa no Museu do Índio Zelic se deparou com um DVD chamado “Arara” que era produto de uma digitalização realizada de 20 rolos de filme de 16mm, sem áudio. Em um primeiro momento o pesquisador achou que se tratava do grupo indígena chamado araras vermelhas, que habitavam a região de Altamira desde os anos 1850. Mas, ao se debruçar mais sobre o material descobriu que em verdade:

“(…) Tratava-se de pau de arara, a autêntica contribuição brasileira ao arsenal mundial de técnicas de tortura, usado desde os tempos da colônia para punir “negros fujões”, como se dizia. Por lembrar as longas varas usadas para levar aves aos mercados, atadas pelos pés, o suplício ganhou esse nome.(…)”

Trecho da reportagem de Laura Capriglione, citada acima

O filme que hoje podemos ter acesso via plataforma digital é parte do acervo sobre 60 povos indígenas, coletado durante quatro décadas pelo documentarista Jesco von Puttkamer (1919-94) e doado em 1977 ao IGPA (Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia), da Pontifícia Universidade Católica de Goiás.

Eis o vídeo completo:


O exemplo acima deixa muito claro o longo percurso que ás vezes um acervo tem até encontrar a sociedade. Pode envolver pesquisa, preservação, e muitas vezes alguma sorte.
Digo sempre que os documentos de valor histórico são sobreviventes: de sinistros, destruição, descaso, crime e ocultação. Mas se houver pelo menos UM que persiga sua missão a sociedade terá chances de os conhecer.

O caminho desse material documental foi muito longo. 42 anos de estar envolto em sombras e hoje só pode estar disponível graças à muitas técnicas informacionais: desde sua migração de suporte até sua disponibilização e divulgação em meios digitais, e por último a generosidade de pesquisadores em compartilhar da forma mais aberta possível que é numa plataforma de streaming como o YouTube

Arquivo como Patrimônio

É preciso salientar também que tais acervos em geral, são de origem material.
Possuem características materiais que os identificam: possuem forma, relevo, tipo de material utilizado (pode ser papel, metal, argila, tecido, madeira, etc.), mas, ao ser apropriado por diferentes formas de manifestação cultural e educacional podem transformar-se em imaterial (um som, uma dança, um perfume, etc)

Por tudo isso, podemos afirmar que de forma inter e transdisciplinar a Gestão Documental e os Arquivos podem auxiliar na preservação de Patrimônios no interior da sociedade.

De novo, um outro desafio se coloca.
A partir do momento que os suportes ficam tão vastos e diversos, maior será a necessidade de especialização para o trato de tais documentos, garantindo sua preservação e conservação através do tempo.

É uma roda que não pára, e que definitivamente não se resume à ferramentas tecnológicas!

Gestão Documental é um universo rico e complexo que precisa ser pensado em todas as suas vertentes, por isso digo que não pertence à um nicho fechado, feito de uma única área profissional. É preciso entender que os arquivos abarcam diferentes profissionais oriundos de diferentes áreas.

Multidisciplinaridade é o seu nome

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História Oral: uma história que escuta

Por: Eliana Rezende Bethancourt

Por décadas a História Oral encontra no campo das Ciências Humanas um território tanto de aplicação quanto de estudos. Mas o fato em si não diminui a quantidade de dúvidas acerca dos procedimentos técnicos e metodológicos num momento tão específico que em última instância é a produção de um documento de valor permanente… histórico. 

De fato, estamos cada vez mais envoltos de tecnologias e possibilidades oferecidas tanto para captação quanto para guarda de tais documentos, mas ainda somos humanos e apesar de tantas soluções sobre formas de indexação, guarda e preservação é comum perguntas que parecem corriqueiras.

Assim, é objetivo deste ensaio esclarecer aos que se sentem inclinados a utilizar a História Oral em suas pesquisas ou trabalhos, mas possuem muitas dúvidas teóricas e metodológicas em sua aplicação.

Gosto de um ditado chinês que diz que se temos dois ouvidos e uma boca significa que precisamos escutar muito mais do que falar. E trabalhar com a História Oral tem este sentido como uma predominância.

Um começo fundamental é balizar as diferenças entre métodos de escuta que possuem objetivos e encaminhamentos muito diferentes uns dos outros. 

Veja: a História Oral ocorre a partir da coleta de um testemunho ou relato em forma de uma narrativa pessoal. Alguns oralistas e /ou pesquisadores optam por utilizar a expressão entrevista, mas considero que este termo se adequa melhor à determinadas situações e profissionais, como é o caso do jornalismo. Nas entrevistas realizadas por profissionais de comunicação o depoente não está de todo livre com suas memórias e relatos. O profissional costuma estar pautado e em geral já chega com as perguntas prontas e estas precisam ser respondidas. Ou seja, há um roteiro pré-determinado a ser seguido.

Por outro lado, um interrogatório por exemplo, é sempre realizado por um investigador em uma situação judicial. As perguntas se relacionam a um quebra-cabeça investigativo que tenta encontrar na fala daquela testemunha vestígios que corroborem uma linha investigativa. É natural que neste tipo de inquirição a relação costume ser tensa e podendo ser eivada de mentiras e omissões propositais ou inconscientes. 

Opto, portanto, por utilizar o termo depoimento por concluir que este não possui qualquer similaridade com uma entrevista sob o ponto de vista metodológico que aprendi a desenvolver.

Em verdade, não podemos dizer que esta ou aquela forma de nominar tal registro oral seja certa ou errada. Creio muito mais em uma perspectiva de abordagem deste método de tratar a narrativa oral que alguém que rememora traz e o quanto nos sentimos à vontade nele.

À medida que fui aprofundando minhas técnicas de escuta fui me aproximando do uso da expressão depoimento e justifico suas características como segue abaixo: 

Dentro desta perspectiva metodológica os depoimentos em geral, tem uma pauta bem mais aberta e o oralista e/ou pesquisador não atropela o depoente com perguntas em forma de inquérito, cortando ou entrecortando seu relato. NUNCA o interromperá, tornando-se indelicado ou brusco. Não buscará perguntas capciosas para buscar contradições ou explorará emoções para ter uma imagem emotiva. Muito menos haverá um roteiro prévio para as perguntas a serem feitas. 

Lembre-se que podemos invadir os espaços emocionais de uma pessoa com nossas palavras, que podem servir como lâminas agudas e pontiagudas que simplesmente cortam todo um raciocínio.

Daí a necessidade da escuta: só ela permitirá a precisão adequada no momento de interlocução ou questionamento. 

Os depoimentos obedecem exclusivamente o que os depoentes e suas memórias desejam e conseguem revelar. 
Depoimento é portanto, muito diferente de uma entrevista: não é premido pelo tempo ou a pressa.
A escuta calma é parte significativa e representativa de uma história que se tece com a oralidade.
Assim, haverá momentos de fluxo e refluxo no rio caudaloso de memórias. Esquecimentos, omissões, reelaborações serão absolutamente parte deste processo.

Caberá ao oralista e/ou pesquisador entender que não está ali para julgar, mas sim para escutar, incentivar, apoiar. Escutará com TODOS os seus sentidos. Isto significa ouvido atento, olhar firme e espírito acolhedor, empático e compassivo.
Se não for capaz de oferecer isso será melhor reconsiderar seu papel como oralista e/ou pesquisador e condutor da coleta do depoimento.

Os intelectuais que fazem da pesquisa seu oficio usam das palavras e dos registros seus cânones de segurança e em alguns casos até subterfúgios. Se encastelam entre seus muros de segurança propiciados por muitos autores, notas de rodapé, debates historiográficos ou bibliográficos para encontrar um caminho que consiga considerar seguro.

Mas a lida com a História Oral nos coloca, acima de tudo, com o desafio de estar perante o Outro num momento único, onde se constrói uma narrativa sobre um passado edificado por memórias que não nos pertencem.

Talvez por isso, muitos se sentem inseguros de caminhar não por uma trilha bem sinalizada e pavimentada, mas sim por caminhos de brumas e personagens e fatos muitas vezes velados e expostos por muitos filtros que são absolutamente seletivos e subjetivos. 

O oralista e/ou pesquisador não é juiz destes fatos, não os tenta reescrever ou interpretar. Por isso, a escuta atenta e desprovida de pré-conceitos, pressa ou ansiedade. 

Todos os que possuem o ofício de trabalhar com documentos sabem que isto significa um encontro com palavras, ideias, impressões…

É um cruzar e perspectivar por diferentes nuances e camadas. Mas História Oral ocorre em tempo real e imediato. Ela se desenvolve em nossa frente num determinado recorte de espaço/tempo que NUNCA mais se repetirá.

Talvez por isso, traga tantos desafios em sua construção. Aqui depoente e pesquisador e/ou oralista constroem juntos um documento para posteridade.

O registro oral portanto, vinca Memórias e Histórias pelo olhar de quem recorda, ao vivo e em tempo real diante dos olhos do oralista e/ou pesquisador. 

Aqui talvez seja um dos momentos mais interessantes e por onde devemos começar a nos questionar.

Em geral, o oralista e/ou pesquisador, e em especial os mais jovens ou inexperientes buscam, na fala do outro, todas as certezas e garantias para suas hipóteses e questionamentos prévios.
Mas nem sempre elas nos chegam assim. Podem, ao invés disso, trazer mais hiatos do que certezas.

Às vezes, surgem como silêncios persistentes, ou até reações emocionais como nervosismo, choro.
E tudo isso por si só pode torna-se um momento de muita ansiedade por parte do oralista e/ou pesquisador.
Teria ele perdido seu tempo e não encontrará as respostas que tanto deseja?

Começamos com uma questão que parece simples e óbvia: afinal o que esperar? O que fazer? 

A expectativa por respostas à questionamentos é natural. Afinal, espera-se que ao chegar frente a frente com o depoente muito estudo tenha sido feito. O bom oralista e/ou pesquisador terá feito sua lição adequadamente procurando estar confortável com o contexto onde seu depoente viveu e os momentos que comporão seu relato.

É inadmissível um oralista e/ou pesquisador que chega despreparado ou mal preparado para a coleta de um depoimento. Até porque como dito anteriormente não há um roteiro prévio, mas é preciso conhecer a história do depoente para ser capaz de inquirir na hora certa e da forma mais adequada.

Por ser um registro que já nasce histórico é preciso ter um comportamento de respeito, responsabilidade e muito foco. A construção deste documento é conjunta e portanto, deve haver corresponsabilidade entre os envolvidos. 

É preciso ter muito claro que esta pode ser a primeira e a única oportunidade com o depoente. 
É usual termos depoentes que tem mais idade e a morte é uma constância.
Em muitos projetos ao terminarmos, vários dos depoentes não estão mais entre nós. Por isso, é preciso ser absolutamente impecável e perfeito no momento de coleta de depoimento.

Poderá não haver uma próxima vez. 

E algo fundamental de se ter em mente: saber ouvir significará entre tantas outras coisas saber calar.

O oralista e/ou pesquisador PRECISA ter a dimensão exata de quanto seu silêncio é fundamental na construção e constituição deste documento. Não saber o momento certo de calar ou falar poderá interromper um importante momento do depoimento. Poderá ser interrompido o curso de um raciocínio que nunca mais retornará.

As memórias devem ser pensadas como um curso de um grande rio: são caudalosas, em alguns momentos volumosas e seus movimentos podem significar algumas voltas, idas e vindas. Interromper este fluxo pode significar o mesmo que colocar um obstáculo no caminho destas águas que podem se derramar para margens que não significam nada ao curso destas memórias. 

Assim, é muito importante conter a ansiedade, pressa ou mesmo expectativas sobre o dito. 

Não é momento de tentar buscar “provas” de suas perspectivas.
As conclusões e caminhos da Memória devem pertencer ao depoente.
O oralista e/ou pesquisador deverá funcionar como um incentivador, mas nunca como aquele que dirige e determina o que será dito e a que momento.  Está exatamente neste ponto a medida exata entre calar e falar.

Por isso, contenha-se!

Seja sábio e use o silêncio em beneficio de todos. 

As memórias possuem suas próprias formas de manifestação e cada depoente encontrará a sua. Reafirmo que Não ‘existe’ uma História a ser ‘resgatada” em algum ponto do passado. A História NÃO está pronta em lugar algum para ser trazida ou ‘resgatada’. Ela é uma construção, e como tal é construída a partir de perspectivas que temos no presente.

O passado chega envolto como em névoas trazida pela brisa da passagem do tempo e estas funcionam como filtros que vamos aprendendo a ter para olhar para o passado. Como somos seres em constante movimento e amadurecimento é natural vermos o passado de diferentes formas à medida que o tempo passa.

Assim, não existem mentiras para o que um depoente conta, existem perspectivas!
Um mesmo evento será contado por uma pessoa diferentemente aos 20 anos, aos 40, aos 60 e aos 80 anos. Sua perspectiva e compreensão sobre os eventos passados tenderão a sofrer transformações e poderá até, em alguns casos, sofrer desaparecimentos ou apagamentos.
E isto de modo algum poderá ser considerado uma mentira.

É a forma como a Memória e o Tempo atuam sobre as mentes humanas.

Esta Memória é também uma forma de elaboração construtiva e narrativa que contará com todos os seus movimentos de ir e vir, fluxos e refluxos.
E são a elas que a escuta atenta poderá ter acesso.
Esse território feito de sedimentos e brumas precisa ter uma paciente escuta para ser capaz de reunir cada trecho destas memórias e como num quebra-cabeça encontrar os pontos que darão sentido à todo o conjunto.
Como um tricô rico de pontos com algumas costuras que, para ter sua beleza exposta necessitará estar escondido no avesso de tudo. A trama do fio quem tece é o tempo, tal como as memórias que emergem em um relato.

Por isso, a escuta deverá ser sempre empática, paciente, tranquila. Nunca invasiva, indelicada e intrusiva. Respeitará sempre o Outro e seus movimentos no seu trânsito entre passado e presente. 

Cabe frisar que o respeito a este Outro que nos traz o seu passado, memórias, sentimentos e perspectivas precisa de espaço e tempo para elaborar o que pensa e o que sente.

Muitas vezes, você verá seu depoente numa longa pausa e um olhar que fixa o nada, como se estivesse tentando alcançar aquele tempo que passou.
Ás vezes, de fato ele se esqueceu e às vezes precisa elaborar melhor seus sentimentos para que os possa expressar. Às vezes, entra em contato com uma grande dor, perda, mágoa ou alegria. Dê tempo para que a pessoa reencontre este passado.
Pode ser que seja um passado que estava trancado em gavetas profundas dos seus pensamentos e encontrá-las ali de repente pode significar um sobressalto que o depoente simplesmente não esperava. 

Reencontrar o passado a partir de memórias pode significar em alguns casos, lidar com traumas e dores quase instransponíveis…respeito isso. 

Daí que a escuta praticada pelo pesquisador não é apenas a óbvia: feita pelos ouvidos. É uma escuta empática, serena.

Por isso, o oralista e/ou pesquisador não pode ser uma pessoa despreparada, ansiosa ou agitada. Ela PRECISA ser a boia salvadora que permite que o depoente ultrapasse as tempestades de seu passado e objetive de forma concreta o que de fato quer revelar. 

O oralista e/ou pesquisador é por assim dizer, o porto seguro após as turbulências emocionais pelas quais eles passarão no seu caminho de travessia pelo Tempo. 

Por isso, muitos depoimentos podem levar horas e até dias. Nunca ocorrerá em uma única hora. 

Diante disso, considero importante abordar um outro ponto nevrálgico e que em muitos casos surge como um grande equívoco: 

História Oral: NÃO É Storytelling

O termo se popularizou em especial por áreas ligadas ao Marketing e que possui uma forma que muitas vezes chega a desvirtuar completamente o sentido e o uso da História Oral. Seu uso tem como objetivo buscar histórias que funcionem como gatilhos, comovam ou incentivem outros a partir das experiências de personagens importantes da empresa, como fundadores e primeiros funcionários. 

O recurso de uso do Storytelling tem como objetivo apelar para o lado emotivo que pode gerar empatia em relação a estes eventos ou histórias do passado. O Storytelling funciona a partir de um enredo previamente criado para que tais historietas, eventos ou peculiaridades sejam dispostas e se entrecruzem de modo a gerar retenção e absorção mental e emocional. Por isso, é tão utilizada por áreas que trabalham exatamente o emocional das pessoas para gerar demandas e consumo, ou como neste caso, engajamento e afeto. Mas é possível que uma instituição queira usar este recurso como elemento motivador e inspirador de equipes, por exemplo. 

Apesar de às vezes, tais histórias serem “engraçadinhas” quer por seu pitoresco ou inusitado tal recurso está há anos-luz do que seja História Oral e do seu uso, por exemplo num Projeto de Memória Institucional ou de História Oral.

A História Oral possui uma forte fundamentação metodológica e requer que os envolvidos estejam preparados por todos os passos que a compõe. Nos casos do seu uso para Projetos de Memória Institucional deve-se ter em mente que sua utilização está muito mais vinculada ao fortalecimento da Cultura e Identidade institucional ao mesmo tempo que se está valorizando o Capital Intelectual existente. E sendo assim, a escuta será elemento fundamental e dominante em todo o processo.

A escuta será a protagonista de uma construção documental onde participam depoente e entrevistador numa relação que busca antes de tudo localizar memórias que muitas vezes estão encobertas pelas brumas de seu passado.

Como dito à cima nunca significarão um resgate, pois esta memória está longe de estar pronta em algum lugar. 

Uma correção fundamental: não existe história oral empresarial

Quando dizemos que a memória é uma construção narrativa feita no presente a partir de um determinado momento histórico estamos querendo dizer que será a fala e o registro que darão concretude ao que é fluido e subjetivo, que é a memória do depoente.

A memória que se torna registro e fonte documental representa uma seleção dinâmica entre quem fala e quem escuta. 

Sendo assim, e tomando como princípio metodológico que não podemos tratar a memória como algo concreto, convém que corrijamos um equívoco corrente: ou seja, substituirmos o termo “história oral empresarial” por história oral da empresa ou para a empresa. 
Isto se dá porque há diferença entre história oral da empresa e história oral para a empresa.
Entenda:

“(…) Historia oral da empresa remete ao papel externo da instituição. É endógeno. Por inscrevê-la na atividade empresarial fora da fábrica ela é para a empresa, exógena (…)

(…) História oral para a empresa é uma produção atenta à visão de fora para dentro, e diz respeito à relação entre a empresa, o contexto e o mercado. Nesta caso, a atenção é dada a inscrição da empresa no contexto histórico, econômico, em dimensões maiores que a pratica interna ou a vivência da empresa… Portanto, a história oral para a empresa diz respeito ao setor como atividade do mundo externo, atento ao impacto e desenvolvimento social provocados pela atuação daquela instituição.(…) 

(…) A história oral da empresa, pelo contrário, orienta-se para o funcionamento unitário das entidades produtivas. O “olhar interno” na instituição é o que interessa (…) a história oral da empresa devota a atenção aos funcionários e os conecta com problemas imediatos, internos da entidade. (…)”*  

(Meihy & Ribeiro, 2011)

Esta abordagem tenta corrigir o jargão de ‘história oral empresarial’.

A história oral institucional, de ou para empresas, está diretamente relacionada ao mundo do trabalho, e portanto, preocupada em relacionar a empresa na vida social que a cerca. 

O principal erro aqui é esquecer-se que a história da empresa ou história empresarial é feita com documentos, em sua maior parte escrita sem mediação do oral, não existindo uma história oral empresarial
Não que os documentos orais não possam ser considerados fontes documentais. Mas estes são produzidos no presente, com questões e filtros do presente realizado por pessoas vivas e que se debruçam sobre o passado com todos os seus filtros e impressões. Deste ponto de vista, são altamente subjetivas e podem possuir muitos ponto velados.
Além disso, são documentos que podem ser considerados colaborativos pois contam com a parceria do oralista e/ou pesquisador e o depoente.

A oralidade é uma condição fluida, subjetiva que possui um código diferente de um registro escrito produzido no desempenho de funções específicas da instituição.
Tais documentos não nascem para ser históricos, mas sim para cumprir funções no interior da instituição. Carregam consigo elementos que formam e informam todo um arcabouço que poderá servir no futuro para investigações outras.
São exemplos de tais documentos: registros de atas, relatórios, cartas, instruções normativas entre outros registros. Em geral, tais documentos terão um valor inicial que se relacionam com sua função e somente posteriormente será considerado histórico ou patrimônio documental que faz parte da história empresarial.

Cabe aqui um alerta importante: não se deve separar estes documentos de forma avulsa para compor a tal história empresarial. Ou mesmo para compor Centros de Documentação e/ou Memória.

A História não é feita de documentos avulsos pinçados aleatoriamente para criar um gabinete de curiosidades institucional. Este é um erro arquivístico sério que não deveria ocorrer – na arquivística temos o que se chama a teoria do “Respeito aos Fundos” onde um documento não pode ser subtraído de um conjunto documental – mas vejo isto acontecer com alguma regularidade no âmbito da tal história empresarial. Este erro ocorre em verdade, porque alguns profissionais simplesmente não sabem disso, e a instituição que solicita o trabalho sabe menos ainda.

Voltando ao ponto que interessa:

O uso de relatos orais para compor uma história da empresa ou para empresa tem suas virtudes, mas também possui seus riscos: em alguns momentos terá elementos de excessiva subjetividade, que como pesquisadores e/ou oralistas precisam estar atentos. 

Um Projeto de História Oral para ser tomada à cabo deverá circunscrever todas estas variáveis e compreender que ele representará um recorte no espaço/tempo e por isso mesmo será finito.

E a História Oral de Vida?

Não poderia deixar de abordar um outro termo que sempre gera muita confusão no campo de história oral. 

Veja, se de um lado temos os depoimentos que se inscrevem em campos sociais ou sendo de ou para uma empresa, de outro lado podemos ter a chamada história oral de vida
Qual a sua principal característica e como se diferencia das outras formas de história oral?

As histórias orais focadas em grupos, empresas, famílias, etc., se referem a trajetória de uma pessoa dentro deste período de sua conexão com tais grupos, empresa, etc., Não há uma grande digressão sobre seu passado, formação, ou os caminhos percorridos até chegar a este ponto.

Em geral, os depoimentos quase que começam com a entrada da pessoa naquele determinado grupo, movimento, empresa, família, etc.,

Já a história oral de vida interessa-se pela trajetória completa de um determinado dirigente, líder, fundador.
É exatamente o elemento extraordinário desta pessoa que torna importante ouvir TODA a sua trajetória.
Neste caso, o relato oral começa às vezes com os pais da pessoa, sua infância, formação intelectual, leituras, o encontro com a instituição, suas contribuições e às vezes sua aposentaria ou desligamento. 

Considero que a História Oral de Vida representa mais do que em qualquer outra modalidade uma forma de dar valor ao individuo e sua trajetória. Neste caso, é onde mais diretamente encontramos a valorização do Capital Intelectual que aquela pessoa representa tanto pessoalmente quanto profissionalmente e/ou intelectualmente. Neste tipo de relato todas as formas de expressão do individuo são valorizadas: sua forma de pensar, agir, relações, criatividade, produção intelectual ou artística. 

Por tudo isso, fica claro que um Projeto de História Oral terá poucos casos de um relato de História Oral de Vida.
Se por exemplo, um depoimento normal dura entre 2 ou 3 horas, um depoimento de História de Vida pode dura muitas horas e até dias! 

De tudo o que disse, o que fica é esta excepcionalidade do vivido que se transforma em ponte para um passado vivido e revisto. Escutar será sem dúvida alguma o meio de acessar os caminhos e trilhas destas Memórias e a reunião de vários conjuntos de depoimentos nos apresentarão um caleidoscópio interessante e rico de um tempo que se foi. Trajetórias se interpenetrarão e nos apresentarão uma perspectiva diversa, e muitas vezes, complementares.

O conjunto de tais relatos nos possibilitarão perspectivar um sujeito coletivo que perpassou vidas e inscreveu-se em um determinado espaço/tempo.

Talvez por isso o fascínio que esta História nos traz. 

_______________________
* Notas: Meihy, José Carlos Sebe B. & Ribeiro, Suzana L. Salgado. “Guia Prático de História Oral para empresas, universidades, comunidades, famílias. São Paulo. Contexto, 2011.

** Bibliografia de apoio:
Alberti, Verena. Ouvir Contar – Textos em História Oral. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2004.
Alberti, Verena. Manual de História Oral – a experiência do CPDOC, 1989
Benjamin, Walter. O narrador. Magia, técnica, arte e política. Obras escolhidas, v. 1. São Paulo, Brasiliense, 1987
Bosi, Ecléa. Memória e Sociedade. Petrópolis. São Paulo: T.A. Queirós, 1979
Garrido, Joan del Alcàzar i. As fontes orais na pesquisa histórica: uma contribuição ao debate. Revista Brasileira de História. São Paulo, ANPUH/Marco Zero, v. 13, nº 25/26, set. 1992/ago.1993
Meihy, José Carlos Sebe B. & Ribeiro, Suzana L. Salgado. “Guia Prático de História Oral para empresas, universidades, comunidades, famílias. São Paulo. Contexto, 2011.
Pollak, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, CPDOC-FGV, v.2, nº 3
____________. Memória e identidade social. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, CPDOC-FGV, v.5, n.10

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Quando as livrarias morrem…

Por: Eliana Rezende Bethancourt

Recentemente tivemos o fechamento de muitas livrarias não apenas no Brasil mas pelo mundo à fora. Fato que nos causa certa estranheza por seu significado, já que ao ‘morrerem’ levam consigo todo um modo de convívio possibilitado por suas prateleiras e frequentadores. O vazio deixado ultrapassa questões como salões e lojas vazias. O que o corre é uma morte simbólica de muitas formas de vida e de trocas: a intelectual, a cultural, a criativa, a recreativa, a afetiva.
Explico:

Cria de São Paulo, o percurso por livrarias e sebos da cidade faziam parte de meus itinerários propositais: de livrarias pequenas em alguma esquina de alguns bairros à grandes livrarias com acervos imensos havia de tudo. Nos meus tempos da faculdade existiam as livrarias espalhadas pelo Campus que ofereciam temas e autores muito específicos de cada área. Era fácil nos perdermos entre suas prateleiras e folhearmos com voracidade os exemplares que estavam ali para serem manuseados, folheados, apalpados, cheirados e até “degustados”, aumentando ainda mais o desejo de trazê-los para as prateleiras de casa. 

E assim, a cidade tinha para mim como suas referencias as livrarias e os quarteirões em que elas existiam, e as cafeterias que as acompanhavam. Eram circuitos completos de possibilidade e relações, onde a história da cidade e a minha própria história se entrecruzavam e faziam surgir memórias com notas diversas: desde as olfativas às gustativas e emotivas. Alguns trechos especiais ofereciam, cinemas com livrarias e cafés como era o caso do Belas Artes ou dos cinemas da rua Augusta que foram se sucedendo pelos anos até finalmente baixarem suas portas. Pelas ruas que formavam apenas alguns quarteirões tínhamos o melhor de livros de Cultura & Arte, mas não apenas nas livrarias. À noite os vendedores de livros usados montavam suas bancas e vendiam ou trocavam com outros. Eram roteiros perfeitos com caminhos perfeitos, estimulavam paixões, imaginação, introspecção e mergulhos profundos a ideias diversas desenvolvidas em diferentes tempos. Os autores serviam como vozes de inquietação e estímulo, além de companhia perfeita para tardes chuvosas e cantos acolhedores. Às vezes, estes livros nos faziam companhia nos transportes públicos ou momentos de longas esperas. 
Eram fiéis companheiros nas idas às bibliotecas enquanto pesquisas eram desenvolvidas. Mundos e civilizações se descortinavam… sociedades e comportamentos analisados. As livrarias serviam como bunkers que nos serviam de proteção ou ataque ao que quer que fosse. Sentíamos que estávamos abrigados e protegidos com os nossos.

Mas a cidade foi sendo ‘consumida’. Numa autofagia muito própria, diferentes territórios foram desaparecendo dando vez para que cinemas virassem templos, antigas residências que formavam um quarteirão inteiro viravam da noite para o dia estacionamentos. Em outros casos, incorporadoras que conseguem tornar caixas de 15 metros quadrados em ‘loft‘. Palavra chic que significa apenas que você come, dorme e vive num cômodo apertado. O adensamento populacional trouxe gentrificação aos locais e antigos lugares de encontros possibilitados por livrarias ou pequenos livreiros foram sendo simplesmente abduzidos.  

Em verdade, em muitos bairros as livrarias foram simplesmente desaparecendo, deixando para trás a memória dos que ali iam, liam e trocavam experiências, leituras… vidas. 
As portas baixadas, com seus letreiros desatualizados e em vários casos, as pichações indicavam que as livrarias que ali habitavam haviam deixado de existir e que nunca mais retornariam. As fachadas se transformavam em um grande epitáfio simbólico da morte literária ocorrida.

Afinal, o circuito propiciado por livros, leitores e locais que abrigam leitores e ideias, fazem com que haja uma rede de circulação criativa. Se os lugares que abrigam tais livrarias começam a desaparecer uma ‘morte’ metafórica começa a ocorrer. 

Uma livraria, tal como uma biblioteca é um espaço múltiplo e diversificado que oferece em suas prateleiras títulos, sonhos, visões, caminhos… Quando deixam de estar ali presentes deixam todo um espaço de vivência, como se fosse uma grande e irremovível cratera. 
Torna-se um não-lugar, já que até um determinado ponto era referência e lugar.

Mas como poderiam morrer? 

As livrarias não morrem apenas quando baixam suas portas. Morrem todos os dias quando suas prateleiras precisam ser preenchidas com joguinhos eletrônicos, artesanatos, quebra-cabeças e pequenos objetos que servem às lembranças. Quando os marcadores de páginas deixam de existir, pois muito lerão apenas pequenos trechos em suportes digitais. 

As livrarias começaram a morrer, quando os textos pararam de ter o tamanho que seu escritor queria para que suas ideias se expandissem e brincassem com o imaginário de seus leitores. Aos poucos, os livros começaram a ter que ser escritos com poucas palavras e passaram a ser recheados com mais imagens. Os textos, que antes circulavam entre pessoas no formato de livro percorrem agora uma teia digital que usa emogis para indicar a qualidade do escrito. 

E não apenas isso! 

Os formatos digitais oferecem as editoras como a Amazon a possibilidade de saber o número de páginas lidos por um leitor, em quanto tempo, e se foi deixado em algum momento da leitura. A métrica serve de indicador para a editora saber se certo gênero ou autor merecem ou não ser publicados.

E assim, numa relação que era apenas entre leitor e escritor, entra uma figura estranha e algorítmica que determinará a morte literal deste ou daquele escrito e autor. 

Ainda tomando-se em conta este novo mundo livreiro de mensurações algorítmicas, novas perdas se somam: 

O mundo cada vez mais digital, cada vez mais distante e solitário é também mais bruto e literal. Afinal, para que gastar com metáforas que estimulem imaginação?! 

Os escritos seguem rápidos e ágeis para combinar com atenções cada vez mais dispersas. A escrita cada vez mais linear se assemelha ao mundo das animações, onde mais que um roteiro bem escrito, utilizam em sua maioria sons e cores que impactam.  

Mas as livrarias não começaram a morrer com o mundo digital somente. Elas começaram a morrer bem antes, quando os leitores começaram a rarear e quando a sobrevivência de grandes livrarias parecia estar ligada à existência de outros atrativos para além dos livros.  

Em minhas memórias, o maior exemplo que tive foi a Livraria Cultura localizada na Av. Paulista dentro do Conjunto Nacional. Acompanhei todo seu caminho de crescimento e ampliação, sua transformação em uma espécie de shopping onde você podia ouvir CDs antes de os comprar, leituras dramáticas, jogos, e uma quantidade infinita de lembranças eram oferecidas aos visitantes. Quando chegou a este ponto deixou de ser minha livraria do coração para ser convertida em ponto turístico e os que ali estavam não tinham nada que ver com a cidade que havia crescido e vivido. Eram estranhos visitando um lugar, não era a livraria que servia de ponto de encontro de todos que moravam ou trabalhavam na região. Essa mudança foi muito profunda e sentida por mim. Aos poucos, as livrarias especificas de Arte e Tecnologia foram novamente reunidas. Num dia andando desavisadamente encontrei no espaço de livros de Arte um mercadinho de conveniência do Carrefour Express. Senti como que uma facada no peito. A seguir, até o Restaurante e Café Viena baixou as portas. Entendi que era hora de parar pois a minha livraria já não estava mais lá. Havia se convertido em apenas um produto, e que não resultou em todos os seus esforços: faliu! 

Ou seja, o caminho de morte das livrarias físicas é um fato corriqueiro em todas as grandes cidades do mundo contemporâneo. Os livros continuam a ser lidos e consumidos, hoje com muitas possibilidade de suportes, mas os livros apenas nos chegam através dos correios. A vida trouxe-nos a possibilidade da entrega à domicílio e assim seguimos, mas sem nos conectarmos com o circuito que existiria se tantas livrarias não tivessem desaparecido. 

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LinkedIn para principiantes

Por: Eliana Rezende Bethancourt

Os tempos pós-pandemia trouxeram muitos desafios ao mundo do trabalho, além de introduzir uma nova relação com os mesmos. Como resultado muitos perderam seu emprego e o LinkedIn passa a ser, para muitos, uma espécie de janela de oportunidades. Entretanto, como ocorre em todos os lugares que somos recém chegados muitos se sentem completamente perdidos.

No Linkedin não é diferente e como forma de tentar ajudar escrevi este artigo, que reúne muitas sugestões que podem ser de ajuda para os iniciantes ou para aqueles que se ausentaram por longo tempo desta rede e agora retornam.

A escrita baseia-se na experiência que adquiri com moderação e gerência de 18 Grupos há mais de uma década e com interação com algumas milhares de pessoas.

Vamos lá?

Em primeiro lugar, é preciso que você se concentre no que de fato deseja. Ou seja, quer estabelecer uma rede de contatos para Networking de longo prazo, eventuais parcerias, ou aprofundamento em temas e debates de sua área de competência? Ou quer apenas ver se encontra uma oportunidade e disparar alguns currículos?

O LinkedIn, como toda e qualquer forma de relacionamento, pode ir melhorando com o tempo. Você vai conhecendo pessoas e estas a você, vai vincando sua marca pessoal e ganhando com isso credibilidade. A pressa nesta circunstância é prejudicial e não o levará a lugar algum.

Por isso, algumas dicas:

Tente não ser aquela pessoa que parece, a quem vê seu currículo ou sua postagem, que é mais um desesperado pedindo peloamordeDeus uma vaga. Ou daqueles que mascateiam o tempo todo: “vendem” de tudo, ou simplesmente são repetitivos e insistentes demais com postagens que, às vezes, não possuem o apelo ou interesse do público alvo. É preciso que sua experiência e autoconhecimento o ajudem a entender quando precisa mudar a direção do quê ou como propõe as coisas.

Vejamos então:

  1. Está chegando agora e começando a preencher seu perfil? Então vc precisa ler o artigo “Linkedin primeiros passos: como ter e saber usar“. Neste artigo procurei me concentrar em diferentes pontos que o usuário da plataforma precisa ter em mente ao preencher seu perfil.
  2. Ainda em busca de encontrar um caminho profissional? Ainda procura a resposta àquela velha dúvida sobre que rumo profissional seguir? Bem, para tentar auxiliar escrevi este post “Você tem Carreira ou Profissão?”, onde procuro mostrar como construir uma trilha profissional que o leve à construção de uma carreira. Acredito que aqui seja um bom começo. Mas se você está entre os que estão desalentados e em busca de um emprego, também sugiro a leitura. Quem sabe poderá entender o que é preciso para se reencontrar profissionalmente.
  3. Se você quer saber como seria a forma mais adequada de buscar vagas e oportunidades, eis uma sugestão:

O Linkedin oferece inúmeras possibilidades de você se mostrar e de ser visto, desde que tenha cuidados importantes no preenchimento de seu perfil.

Vamos conhecer algumas possibilidades? Aqui alguns links fundamentais se você está em busca de uma oportunidade :

Procura por emprego de maneira privada

Procura de emprego no aplicativo móvel do LinkedIn – FAQs

Informar aos recrutadores que você tem interesse em um novo emprego

Defina suas preferências de deslocamento para pesquisas de emprego

Mostrar, ocultar e editar seu perfil público

Pesquisa de emprego no LinkedIn-visão geral

3. Gostaria de dar mais visibilidade ao seu currículo e tem dúvidas sobre como fazer isso? Quer saber como construir uma rede mais forte e eficiente para sua área de atuação? Como decidir o quê e como postar? Talvez te ajude ler o post: “LinkedIn: saiba como e use bem!

4. Se você tem dúvidas sobre como preencher seu perfil ou como, por exemplo, escolher sua foto para seu perfil, tente as sugestões deste post: “Como escolher a foto adequada para perfil no LinkedIn“.

5. Mas talvez gostaria de conhecer mais pessoas que tenham a ver com seu universo de atuação. Então porque não busca os Grupos no LinkedIn?

Não sabia que eles existem? Existem sim e podem ser uma excelente oportunidade de conhecer pessoas mais experientes que você ou com quem queira interlocução. Os Grupos são excelentes para divulgar ideias, serviços ou tirar dúvidas. Você pode escolher Grupos que sejam bem focados em um único tema, ou escolher os que são mais interdisciplinares (estes são meus preferidos!).

Sobre a oportunidade que estes Grupos representam e como agir e interagir neles, sugiro a leitura do post: “Estou num Grupo do LinkedIn. E agora?” outro post bem apropriado é este aqui: “Como aproveitar a experiência em Grupos no LinkedIn: algumas dicas valiosas

6. Mas e aquelas dúvidas sobre como me aproximar de alguém, solicitar conexão, ou mesmo rejeitar algum pedido? Qual a melhor maneira de fazer isso?

Minha sugestão está neste post: “Netiqueta: Fique atento em como usa o LinkedIn“.

7. Agora, se você não é uma pessoa física e sim uma empresa ou prestadora de serviço pode criar uma Linkedin Page. Ela é a melhor opção para o caso de querer divulgar sua empresa, e que é bastante diferente de você utilizar a mesma plataforma que usou para você para preencher um currículo para sua empresa. Utilize para isso este link de criação de sua Linkedin Page.

8. E se você é recém-formado ou não possui nenhuma experiência profissional ainda, o que pode colocar no seu perfil? Isso que tentei responder no artigo: “Se não tenho experiência ou sou recém-formado o que coloco no meu perfil do LinkedIn?“. Também dou algumas dicas para quem é muuuito experiente ou aquele que está mudando de rumo ou ramo profissional.

É óbvio que todas as sugestões são apenas e tão somente isso: SUGESTÕES!

Cabe a você usar de equilíbrio e bom senso em todas as decisões que tomar.

Boa sorte e divirta-se!

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Livro é Magia Encadernada

Por: Eliana Rezende Bethancourt

Você imagina o que acontece quando todas as luzes se apagam e a noite cai dentro de uma livraria? O diretor de arte Sean Ohlenkamp tentou descobrir: passou quatro noites em claro  na Livraria Type, localizada em Toronto. Quer saber o que descobriu?
Grandes e inusitadas movimentações!

Assim, brincando com as posições dos objetos, suas formas, cores, texturas surgiu o stop-motion The Joy of Book.  Uma animação onde o espaço enche-se de magia e diversão.
Assista o vídeo (que acabou se transformando em viral) e que povoa a mente e a imaginação de muita gente.
Chegou sua vez!

Type Books – Director, Editor, and Cinematographer Sean Ohlenkamp

Todo esse incentivo para que a animação fosse vista foi apenas um pretexto para falar sobre nossa relação com livros, livrarias, bibliotecas e afins.
A ideia foi estimular os sentidos: às vezes é tão simples!

Se pensarmos, uma livraria tem essa vida quando a noite cai. São sob as luzes da noite que inventários se fazem, que livros são dispostos em prateleiras e em mesas de divulgação… a noite é que “alimenta” a circulação de obras e de autores para que cheguem às mãos de seus “apreciadores” finais. É o mercado das letras!

Desse universo meio mágico e cheio de movimentos e ações que tintas impressas, compostas e encadernadas em diferentes formatos fazem um longo caminho até chegar as mãos daqueles que o apreciarão.

Ao encontrar as mãos desse leitor nova mágica se dá.
A relação com os livros é mesmo uma experiência sensível e por isso fala-nos tanto aos sentidos e o tato talvez seja o maior deles.
O formato físico propicia desfrutá-lo em qualquer parte e isso é mesmo uma delícia.
Como lembro de ter dito algures sobre o sentido da escrita sobre papel: ler é uma experiência de afetos e que em alguns casos transcende os suportes!

Eu mesma tenho minha preferência pelos livros em papel por conta do deslizar de dedos  sobre suas páginas, sentir sua textura, ouvir seu som estalido de páginas de acordo com a gramatura de cada uma, sentir o cheiro que parte de cada uma delas…poder grifá-las, pô-las em relevo e destaque: ADORO!

Gosto de questionar o autor, fazer perguntas, sinalizar a leitura. Todas as leituras ficam assim com meu rastro e os que não o possuem é simplesmente porque não foram lidos com a atenção e carinho de outros! Foram leituras em diagonal, apenas para atender uma demanda, um chamado. Nunca para atender um apelo do espírito. Esses últimos possuem a deferência e o apreço de todos os meus sentidos.

Apesar desse encantamento pelo formato físico e essa relação de afetos com os mesmos, leio também em suportes digitais. Indo mais longe nesse sentido de apropriar-me: chego a salvar aqueles escritos que temo serem tragados pela malha virtual, ou quebrados em um link que os destinem a um limbo de esquecimento e desaparecimento. As palavras ali postas são fluidas demais para uma permanência longa de tempos ou eras. São feitas talvez para serem esquecidas. Ou quiçá numa economia de mercado surgir como mais um produto a ser considerado passível de substituição ou obsolescência…não sei!

E assim, a grande biblioteca digital encontra seus volumes dispersos pelo espaço, mas sem garantias de futuro ou herança. Simplesmente constam como um dia ter existido, mas podem perfeitamente em algum futuro encontrar apenas o esquecimento e a ignorância dos que nunca puderam ler o que neles havia.
Lembro agora de um filme onde um robô bibliotecário era a garantia de toda a memória bibliográfica estivesse armazenada. Mas como toda tecnologia ele simplesmente parou em um mundo distante onde nem as pessoas existiam mais… Como um produto de um passado distante a sua Memória acabou se tornando obsoleta perante novos humanos que não sabiam do que ele falava.

Type Books – Director, Editor, and Cinematographer Sean Ohlenkamp

Sou a leitora ávida de sempre, sem preconceitos quanto ao suporte! A leitura, nesse contexto propicia deslocamentos de mentes e almas.
Tome o caso de comunidades, que muitas vezes, desprovidas de outros meios de viagem quer dos corpos quer das mentes descobrem o fascínio da leitura e o quanto podem ser companheiras de existência. Talvez diferente do que ocorre em grandes centros urbanos onde os estímulos e a pirotecnia visual distraem os sentidos e estimulam apenas a desatenção e o “quicar” daqui para lá.

A livraria e seus afins são magia exatamente pela vida que se guarda para além dos livros e que envolve todo o meio onde se encontra. O caminho do livro é rico e passa por tantas paisagens desde a sua concepção criativa até sua materialização e circulação social e cultural. É mesmo fascinante!
E acho que o vídeo dá-nos essa dimensão.

É magia encadernada!

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Chamem o carteiro: preciso de boas notícias!
Ler de forma produtiva. Mas como?!
Geração TouchScreen

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Entenda o que são os Acervos Privados da Presidência da República

Por: Eliana Rezende Bethancourt

Um tema que por muito tempo esteve quase que adormecido ganhou notoriedade a partir do escândalo das joias cravejadas em brilhantes que se tornaram conhecidas a partir de investigação da Polícia Federal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. Nunca em toda a História da República um valor tão vultuoso teria sido dado como “presente” a um Presidente.

Em pouquíssimo tempo muitas dúvidas surgiram: afinal, o que são estes acervos? O que diz a legislação federal tem a dizer sobre o tema? Como a bibliografia técnica entende tais Acervos Privados da Presidência da República? Qual a diferença entre este e outros tipos de Acervo? Por que eles precisam ser denominados como Acervos Privados da Presidência da República e não simplesmente Arquivos ou Acervos? Quais são suas características e especificidades? Que relação existe entre tais Acervos e a Preservação e Conservação de Patrimônio Cultural Documental?

Vejamos:

Em períodos anteriores aos anos de 1980 já havia preocupação em relação ao destino de acervos que pertencessem aos então Presidentes da República, mas não havia uma legislação regulamentadora. Os acervos eram compostos em sua maioria por correspondências, registros fotográficos, sonoros, audiovisuais, entre outros.

Um pouco antes, ainda em princípios da década 1970, o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas é criado com o objetivo de tratar acervos pessoais de personalidades.
Por este princípio e por um trabalho reconhecidamente metodológico de tratamento de acervos, foram convidados a participar do Projeto “Memória do Governo Sarney”, que havia sido Presidente da República no período entre 1985-1990. Diante desta situação foi formado um grupo específico para estudar as especificidades destes Acervos e as formas de tratá-lo e divulgá-lo, ao mesmo tempo em que se cuidaria de sua preservação e conservação.
Um dos produtos deste trabalho pode ser consultado na base de dados existente ainda hoje no Centro de Referência de Acervos Presidenciais que contam com acervos dos ex-Presidentes Manuel Deodoro da Fonseca (1889-1891) até o José Sarney (1985-1990).

Do ponto de vista jurídico porém, outras necessidades se impunham. E assim, duas normativas dos Acervos Privados da Presidência da República foram elaboradas. A 1ª é a Lei nº 8.394, de 30 de dezembro de 1991, assinada pelo então presidente Fernando Collor de Melo e que dispunha sobre a preservação, organização e proteção dos acervos documentais privados dos presidentes da República e a sua regulamentação, por meio do Decreto nº 4.344, de 26 de agosto de 2002, sob o governo de Fernando Henrique Cardoso.

Por falta de uma normatização mais específica em relação a valores e tipos de presentes ofertados, a Lei de 1991 e o Decreto de 2002 foram sendo utilizadas pelos Presidentes que as sucederam dentre eles Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (1º mandato).

Apesar da Lei e do Decreto ainda existiam algumas brechas que necessitavam ser melhor normatizadas, em especial no que concernia a valores e tipos de presentes que deveriam ser considerados privados e quais deveriam ser incorporados ao Patrimônio Nacional.
O primeiro momento em que o questionamento se tornou uma necessidade de regramento destes acervos quando estes foram alvo de litigio em 2016, devido à operação Lava Jato, e em função do questionamento do que deveria ser considerado presente pessoal do presidente e o que deveria ser incorporado ao Patrimônio da Nação, estabeleceu-se o chamado Acórdão/TCU nº 2255/2016.
Por este instrumento ficou determinado que os presentes recebidos em missões oficiais não seriam de caráter particular do Presidente, mas sim deveriam ser incorporados ao Estado Brasileiro, não sendo permitido ao mandatários que estes bens fossem tomados como pessoais. Na mesma ocasião, ficou determinado que estudos mais aprofundados fossem feitos, já que haviam poucos estudos sobre como tratar tais acervos e suas peculiaridades.
Ficou também decidido que poderiam ser considerados presentes personalíssimos itens como: camisetas de clube, bonés, bebida típica, um bordado, etc. Ou seja, algo de valor muito baixo e que fosse de uso exclusivo e pessoal.

Em síntese, o que tínhamos até o ano de 2016 as únicas regras claras que existiam sobre o que deveria ser considerado patrimônio da nação eram os presentem recebidos em cerimônias oficiais de troca de presentes entre nações. Com o Acórdão citado acima as regras ficaram muito mais claras, e a partir delas presentes recebidos por Lula e Dilma que não estavam dentro deste recorte legal foram incorporados ao Patrimônio da União.

Seguindo o Acórdão do TCU o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu 9.037 itens nos seus primeiros 2 mandatos (2003-2010) e teve que incorporar ao Patrimônio da União 559 presentes. A lista contendo fotografias destes presentes pode ser vista aqui

Dilma devolveu 144 presentes. Nos dois casos os presentes não encontrados foram ressarcidos em dinheiro.

É importante ressaltar que mesmo estando com os ex-presidentes os presentes estavam devidamente registrados no INFOAP (Sistema de Gestão de Acervos Privados da Presidência da República).
Nos dois casos houve a devolução e/ou reembolso nos casos de objetos não localizados, já que os dois mandatos foram exercidos antes do Acórdão de 2016 e haviam obedecido as regras da lei de 2002.

A Teoria Arquivística aplicada à Acervos Privados da Presidência da República

Ao falarmos de acervos precisamos compreender de que forma a teoria arquivística os trata. Consideramos, de acordo com o Dicionário Arquivístico, um Acervo aquela documentação que é originária da acumulação no desempenho de funções administrativas desempenhadas em um cargo público. O acervo está intimamente relacionado às funções que o mandante desempenha e por meio delas pode-se ter acesso à História desta instituição. Tais documentos são considerados assim não porque nascem para ser patrimônio ou documentos históricos, mas sim para cumprir seu papel em uma função pública.
Entretanto, quando pensamos em acervos privados da Presidência da República encontramos algumas dificuldades técnicas:

1. Em primeiro lugar, temos a distinção entre o que seja público e privado e os documentos produzidos nesta seara que seja de interesse público. Afinal, temos um ente físico desempenhando uma função pública, e portanto, vários itens que fazem parte de seu acervo podem ter características ora privadas, ora públicas dependendo de ocasiões específicas.

2. De outra sorte, os Acervos Privados da Presidência da República não representam uma coleção no seu sentido estrito, já que seu acúmulo e/ou reunião de documentos que os compõe não se dão por escolha direta de seu titular. Sua coleção é orgânica, mas nem sempre representa os critérios de seleção de seu titular.
Em geral, as coleções quando organizadas pelos seus próprios acumuladores possui uma lógica específica que se dá por interesses pessoais de seus possuidores. Neste sentido, elas espelham fielmente o que pensa e o que protagoniza seu acumulador. No caso analisado aqui não é uma coleção no seu sentido estrito já que cada documento chega de diferentes formas e por diferentes razões. Simplesmente são incorporados de uma forma cronológica a partir de visitas, cerimônias e encontros protocolares.

3. Ainda é preciso deixar claro que em relação aos documentos que chegam a ser incorporados nestes acervos não se pode dizer que sejam exclusivamente documentos arquivisticos, nem tão pouco podem ser considerados pessoais. Tais documentos possuem um caráter muito mais político e diplomático e seus suportes e significados deixam isso muito claro, especialmente pelos que ofertam os presentes. Muitos destes presentes são formas de demonstrar amizade ou divulgar a cultura de quem visita ou é visitado.

4. Tanto por sua forma como por seu acúmulo tais acervos estão longe de ser considerados acervos pessoais, já que para este caso específico há uma profunda e objetiva intencionalidade de seu proprietário em reunir, ter e manter determinados documentos em detrimento de outros. No caso de documentos pertencentes ao acervo privado da presidência não há esta possibilidade de seleção e escolha.
A forma de organização NUNCA é pessoal, como ocorre com arquivos pessoais onde o pensamento do seu titular fica espelhado em suas preferências por determinados documentos. No caso de Acervos Privados da Presidência da República é muito mais usual que a organização se dê de forma rotineira por servidores destacados burocraticamente para fazer tais tarefas. Esta organização obedecerá, de acordo com os servidores destacados perfis diversos que podem ser bibliográficos, museológicos, arquivisticos e/ou históricos.
A organização destes acervos acaba sendo cronológica e não consegue ser fechada como é de praxe em fundos arquivisticos. Alguns princípios da arquivística, biblioteconomia e museologia serão respeitados em sua organização, mas não em sua totalidade por conta da forma como estes documentos em diversos suportes dão entrada ao acervo.

5. Outra característica que diferencia estes Acervos Privados da Presidência da República de outros tipos de documentos arquivisticos é seu uso como sendo elemento de prova. Por tratar-se de um acervo específico como o da presidências ele provavelmente não estará inserido nesta modalidade de servir de prova, já que haverão outros documentos na Administração Pública que poderão oferecer tais subsídios e com muito mais riqueza de detalhes.

É preciso lembrarmos que a Constituição de 1988 esclarece em detalhes como se deve proceder sua guarda, sigilo e acesso com fins de preservação de memória e como forma de produção de conhecimento por meio de pesquisa, com documentos que denomino tridimensionais – que abarcam todo o conjunto do acervo do Palácio do Planalto que vai desde sua arquitetura e estruturas até suas tapeçarias, mobiliários, obras de arte diversas, paisagismo e jardins – as especificações não são tão pormenorizadas, e podem levar à pratica de erros como os que a reportagem acima revelou. Se os habitantes do Planalto não possuem sensibilidade e algum nível de respeito à coisa pública teremos tais problemas.

Os chamados Acervos Privados da Presidência da República possui uma equipe técnica e fixa que se responsabiliza por catalogar os diferentes documentos que passam a fazer parte do acervo desde o momento que o Presidente é empossado. Mas ao deixar a Presidência tais documentos não são considerados plenamente seus ou privados. Por possuírem interesse público e poderem ser utilizados para fins de pesquisa não podem ser vendidos sem antes ser oferecidos à União e nem podem ser remetidos para fora do país sem a autorização do Estado Brasileiro. Por estarem inseridos na Administração Pública, devem obedecer criteriosamente aspectos determinados em metodologias de acervos arquivisticos, bibliográficos e museológicos de acordo com seus suportes e obedecer rigorosamente os termos que se relacionam a tombamentos e descrição de objetos de arte quando for o caso (lembrando que há casos de telas, tapeçarias, vasos, pratarias entre outros objetos considerados obras de arte).

Por tudo isso, ex-presidentes criam Fundações ou Institutos para que tais acervos continuem a ser cuidados e acessados. Além disso, são eles que devem arcar com as custas de preservação, conservação e tratamento técnico documental destes acervos.

A Lei nº8.394, de 30 de dezembro de 1991 é a que disciplinou num primeiro momento os “Acervos Privados da Presidência da República” e que posteriormente teve o Decreto publicado em 2002 e o Acórdão citado acima pelo TCU em 2016

O texto da Lei nº8.394 deixa claro quais devem ser as ações e responsabilidades destes acervos como se nota a seguir:

Art. 5° O sistema dos acervos documentais privados dos presidentes da República terá participação do Arquivo Nacional, Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural (IBPC), Museu da República, Biblioteca Nacional, Secretaria de Documentação Histórica do Presidente da República e, mediante acordo, de outras entidades públicas e pessoas físicas ou jurídicas de direito privado que detenham ou tratem de acervos documentais presidenciais.

        Art. 6° O sistema de acervos documentais privados dos presidentes da República, através de seus participantes, terá como objetivo:

        I – preservar a memória presidencial como um todo num conjunto integrado, compreendendo os acervos privados arquivísticos, bibliográficos e museológicos;

        II – coordenar, no que diz respeito às tarefas de preservação, conservação, organização e acesso aos acervos presidenciais privados, as ações dos órgãos públicos de documentação e articulá-los com entidades privadas que detenham ou tratem de tais acervos;

        III – manter referencial único de informação, capaz de fornecer ao cidadão, de maneira uniforme e sistemática, a possibilidade de localizar, de ter acesso e de utilizar os documentos, onde quer que estejam guardados, seja em entidades públicas, em instituições privadas ou com particulares, tanto na capital federal como na região de origem do Presidente ou nas demais regiões do País.

        IV – propor metodologia, técnicas e tecnologias para identificação, referência, preservação, conservação, organização e difusão da documentação presidencial privada; e

        V – conceituar e compatibilizar as informações referentes à documentação dos acervos privados presidenciais aos documentos arquivísticos, bibliográficos e museológicos de caráter público.

LEI NO 8.394, DE 30 DE DEZEMBRO DE 1991 – QUE DISPÕE SOBRE A PRESERVAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E PROTEÇÃO DOS ACERVOS DOCUMENTAIS PRIVADOS DOS PRESIDENTES DA REPÚBLICA E DÁ PROVIDÊNCIAS

E foi a partir disso que, tanto o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como Luís Inácio Lula da Silva, instituíram Fundações que pudessem cuidar de todos estes conjuntos de documentos.

Acompanhe abaixo como cada um dos ex-presidentes lidou com seus acervos:

Abaixo, a própria fala do ex-presidente FHC sobre seu Instituto>

(…) Nasceu assim a ideia de fundar um instituto. Quis que ele fosse não só um centro de memória histórica, mas também um lugar de debates sobre a democracia e o desenvolvimento. Duas causas com as quais estive envolvido desde muito cedo. Desempenhando um ou outro papel, sua missão para mim seria uma só: contribuir para ampliar a compreensão e disseminar conhecimento sobre o País e seus desafios, com os olhos abertos para o mundo.
Inaugurado em maio de 2004, com um debate internacional que reuniu políticos e intelectuais do Brasil e do exterior, entre eles, Bill Clinton e Manuel Castells, o Instituto transformou-se em Fundação em 2010. O objetivo da mudança foi o de fortalecer o iFHC – hoje chamado Fundação FHC, como instituição perene, comprometida com a missão definida em sua origem(…)

FHC

Abaixo, temos as explicações sobre o Instituto Lula que abriga o Acervo do Presidente de seus dois primeiros mandatos, e que provavelmente abrigará o deste terceiro mandato:

“(…) O Instituto Lula tem a responsabilidade de cuidar do acervo que deixou Brasília junto com Lula em 2011, e o faz com toda transparência. São milhares de cartas, livros, CDs, fitas, quadros, gravuras, fotografias, álbuns, DVDs, presentes de altas autoridades, instituições, empresas e populares, assim como prêmios, condecorações e títulos que Lula recebeu. Todo esse material está catalogado, embalado e armazenado. Neste link você pode consultar todos os objetos do acervo. (…)”

No ano de 2021 foi assinada uma Resolução que dispôs sobre os Acervos Documentais Privados da Comissão Memória dos Presidentes da República e que segue como publicado em 09 de Dezembro de 2021, e que tenho certeza que após tudo o que ocorreu no caso dos diamantes será amplamente revisada e devida esclarecida.

O que continua sendo claro é o compromisso de que os documentos em diferentes suportes são de responsabilidade do setor de Memória da Presidência da República nos casos de acervos que serão incorporados à Nação e no casos dos documentos que compõe o Acervo Privado do Presidente da República deverão ter garantida sua segurança, preservação, conservação, tratamento técnico documental (higienização, descrição, indexação, digitalização, manuseio e acesso), eventualmente trabalhos de exposição e divulgação como forma de divulgar e preservar a Memória do Executivo.
Mesmo os documentos que por ventura sejam indexados em bases digitais ou que existam em tais formatos deverão ter garantidos aspectos relacionados à sua preservação digital e garantias de acesso. Lembrando que tais documentos possuem valor permanente e compõe o conjunto de documentação histórica do país.

A importância destes acervos e do cabedal necessário para tratar de todo este conjunto favorece a solicitação de profissionais técnicos qualificados para tratar adequadamente cada um destes acervos nos seus diferentes suportes. O que deixa claro a necessidade de uma equipe interdisciplinar.

A preservação de Patrimônio Cultural Documental e a Responsabilidade Histórica como forma de garantir fortalecimento da Memória do Executivo

Todo este debate sobre a importância dos Acervos Privados da Presidência da República serve para demonstrar de que forma a Administração Pública e a guarda documental necessitam de regras e procedimentos para que possam cumprir suas funções.
Se para a Administração Pública como um todo, temos a Gestão Documental e a elaboração de Tabelas de Temporalidade Documental instituindo prazos e locais de guarda, o caso dos Acervos Privados da Presidência da República necessitam de uma outra forma de regramento.

Conforme citei no artigo “Abandono e/ou Destruição de Patrimônio Cultural e Arquitetônico é crime!”

Diante tudo isso, e como forma de auxiliar tais chefes de Estado, há a previsão de destino de verbas para a realização de obras de preservação, conservação e até restauração tanto de obras arquitetônicas, quanto de peças de arte, mobiliários, paisagísticos.
Mas tudo isso simplesmente não se efetiva se as pessoas que tem sob sua responsabilidade esta tarefa não estejam sensibilizadas suficientemente e compreendam que cuidar da preservação, conservação e até restauração de um acervo tão rico e plural deve fazer parte de uma política de cultura da preservação de patrimônio, atendendo de perto ao que seja minha concepção de Responsabilidade Histórica.
É esta consciência de que o Presidente da República é o responsável direto a imprimir e propiciar que tais cuidados se efetivem e que isso seja parte de sua política cultural, já que estará cuidando de um legado que é de todos e que precisa ser entregue ao futuro. Daí a aplicação do conceito de Responsabilidade Histórica.

Por: Eliana Rezende Bethancourt

Como dito acima, estes acervos possuem peculiaridades e é muito importante que apesar de haver Decretos e Acórdãos regulamentando, é essencial que haja profissionais que compreendam tais especificidades e consigam tratar toda a gama de documentos, muitos dos quais em formatos diversos, com necessidades específicas de higienização, identificação, catalogação, indexação e guarda com vistas à preservação (já que estes documentos possuem valor permanente, ou seja, NUNCA poderão ser eliminados). Tais Acervos Privados da Presidência da República se assemelham muito à concepção de Centros de Documentação e/ou Referencia, dada a similaridade de sua acumulação, bem como sua diversidade de temas e suportes, exigindo profissionais de áreas tão distintas como História, Diplomacia, Biblioteconomia, Arquivística, Museologia para ficar em apenas algumas áreas.

Por isso, FHC e Lula optaram para criar instituições, e que nelas pudessem abrigar os diferentes acervos e profissionais capacitados trabalhando na sua guarda e custódia. Além de trabalhar especialmente com divulgação das informações contidas nestes acervos,. FHC por seu perfil acadêmico colocou sua Fundação num âmbito bastante acadêmico e de formação. Lula por estar muito ligado à Movimentos Sociais tem um Instituto que trabalha muito próximo destes setores.

Cabe ressaltar que nos dois casos o tratamento técnico documental é realizado e toda a documentação obedece os termos de preservação e conservação dos documentos com esta importância. Mas nem por isso, necessitam ser idênticos em sua forma. Como mostrado nos vídeos acima, cada um deles encontrou uma forma de cumprir o que a legislação determina. Tal como ocorre com Centros de Documentação e/ou Memória não existe uma ÚNICA fórmula a ser usada. Cada equipe deverá encontrar a melhor forma de tratar a documentação e dar a ela sentido de acordo com seu titular presidencial e ao mesmo tempo encontrar maneiras de divulgar estes acervos ao mesmo tempo em que cuida de sua preservação e conservação.

É importante deixar muito claro que o compromisso de preservação e conservação de acervos envolve não apenas os presentes recebidos pelos Presidentes da República no desempenho de suas funções. A eles cabem também o cuidado com todo o conjunto composto pelo Palácio do Planalto, Palácio do Alvorada e todas as obras de arte e mesmo a parte arquitetônica destas edificações. Ainda no artigo “Abandono e/ou Destruição de Patrimônio Cultural e Arquitetônico é crime!” abordei esta questão e os maus tratos sofridos por tais obras arquitetônicas e muitas de suas obras durante o governo Jair Bolsonaro (2019-2022), e que tal descaso pode ser considerado crime e falta do cuidado com o que denomino Responsabilidade Histórica e como esta se mantém quando a Memória Institucional se fortalece a partir do conjunto de informações trazidas pelo conjunto de documentos presidenciais.

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** Referencias:
ABREU, A. A. Apresentação. In: SILVA, S. B. Os presidentes da república: guia de acervos privados. Rio de Janeiro: FGV, 1989.
ARQUIVO NACIONAL. Dicionário brasileiro de terminologia arquivística. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2005.
BELLOTTO, H. L. Arquivos permanentes: tratamento documental. 4. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006
BRASIL. Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991. Dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados e dá outras Providências. Diário Oficial da União, Brasília, 9 jan. 1991a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8159.htm. Acesso em 15/03/2023
BRASIL. Decreto nº 4.344, de 26 de agosto de 2002. Regulamenta a Lei no 8.394, de 30 de dezembro de 1991, que dispõe sobre a preservação, organização e proteção dos acervos documentais privados dos presidentes da República, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 27 ago. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/d4344.htm.Acesso em 15/03/2023
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 2255/2016. Plenário. Relator: Walton Alencar Rodrigues. Sessão de 31 ago. 2016. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/wpcontent/uploads/sites/41/2016/09/52_OUT4-TCU-TRALHAS-LULA.pdf. Acesso 15/03/2023
CRUZ, B. S.; BEZERRA, M. FHC na defesa de Lula: “cuidar de acervo é obrigação, mas
não há dinheiro”. 2017. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2017/02/09/fhc-na-defesa-de-lula-cuidar-de-acervo-e-obrigacao-mas-nao-ha-dinheiro.htm . Acesso em 15/03/2023
RODRIGUES, Georgete Medleg e LOPES, Bruna Pimentel. “Os acervos privados de presidentes da República no Brasil: entre as noções de propriedade privada e de interesse público” In: InCID: R. Ci. Inf. e Doc., Ribeirão Preto, v. 10, n.1, p. 64-80, mar./ago. 2019 – DOI: 10.11606/issn.2178-2075.v10i1p 64-80

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Tintas que falam de um tom: o carmim da violência contra a mulher

Por: Eliana Rezende Bethancourt

Todos os anos no mês de Março comemoramos o Dia Internacional da Mulher (08/03). Mais do que uma comemoração, temos sim um dia de reflexão: são histórias de vidas de mulheres pelo mundo, muitas vezes escritas com tintas em carmim. Espero que propiciem reflexão e que sejam como um grito para que não sejam estas as tintas a escrever histórias femininas.

Por ser de tons, cores, feminino e mulheres que escolho a mitologia colorida hindu das deusas da beleza e da fertilidade que inicio a leitura destas tintas.

LakshmiSarasvati e Durga são deusas mitológicas femininas do hinduísmo. Veneradas e reconhecidas pela simbologia que trazem ao imaginário feminino indiano.
Lakshmi ou Laxmi é uma personificação do amor na forma feminina do hinduísmo, esposa do aspecto divino Vishnu, o sustentador do universo. É personificação da beleza, da fartura, da generosidade e principalmente da riqueza e da fortuna. Este aspecto divino é sempre invocado para amor, fartura, riqueza e poder. É o principal símbolo da potência feminina, sendo reconhecida por sua eterna juventude e formosura.

Sarasvati é a deusa hindu da sabedoria, das artes e da música e a shákti, que significa ao mesmo tempo poder e esposa, de Brahma, o criador do mundo.

É a protetora dos artesãos, pintores, músicos, atores, escritores e artistas em geral. Ela também protege aqueles que buscam conhecimento, os estudantes, os professores, e tudo relacionado à eloquência, sendo representada como uma mulher muito bela, de pele branca como o leite, e tocando cítara (um instrumento musical). Seus símbolos são um cisne e um lótus branco.

Durga, reencarnação de Satī (Devanagari: सती, o feminino de sat “verdade”) ou Dākshāyani é a deusa da felicidade conjugal e longevidade; ela é particularmente adorada pelas esposas, a fim de procurar prolongar a vida de seus maridos. Um dos aspectos de Devi, Dākshāyani é a primeira consorte de Shiva (o destruidor de mundos), em segundo lugar Parvati, a sua reencarnação.

Ela é também a deusa da beleza, a virtuosa, e ressurge com diferentes manifestações, na forma de outras deusas, daí ser chamada de deusa das mil faces. Tem muitos atributos e, desde a era védica, um dos principais é a fertilidade, a força que gera a procriação no mundo e nas espécies. É a própria geração da energia criadora, em sânscrito chamada de Shakti.

Tomando como mote esta representação mitológica, uma agencia de publicidade indiana decidiu mostrar o que a violência contra a mulher faria com tais deusas. Maquiagem foi usada para adicionar hematomas e feridas às modelos antes fotografá-las.
O resultado:

Eis a recriação da deusa Saraswati.

Esta é a recriação da deusa Lakshmi;

A campanha de forma simples e eficaz captura contradição mais perigosa da Índia: a de reverenciar as mulheres na religião e mitologia, enquanto a nação continua a ser incrivelmente insegura para as suas cidadãs mulheres. 

Esta é a recriação da deusa Durga.
A campanha adverte: “Só no ano passado, 244.270 crimes contra mulheres foram registrados na Índia.”

E o Brasil?

Quanto se aproxima ou distância dessa campanha?
O relatório do IPEA (Instituto de Pesquisa Aplicada) inicia seu relatório de 2013, referente ao período compreendido entre 2009 e 2011 com a seguinte afirmação:

“A expressão máxima de violência contra a mulher é o óbito”

Apesar de forte traz em seu bojo uma verdade contundente: a violência pode simplesmente extirpar o direito à vida. Mas essa expressão máxima ocorre uma única vez. E o que ocorre com todas aquelas pequenas, frequentes e intermináveis violências sofridas cotidianamente e que não constam em estatísticas, dados ou registros?  E que só serão registradas quando encontram sua dita “expressão máxima” e transformadas em feminicídio? Como pensar que a morte e a violência sempre parte dos que se chamam companheiros e que dividem talheres e lençóis? Ou que podem chegar na forma biológica de alguém que deveria proteger, como ocorre com pais, irmãos, tios ou demais parentes próximos?

Os índices dessa proximidade são assustadores: 40% dos casos de feminicídio são cometidos por  companheiros íntimos, contra 6% de casos onde é a companheira a assassinar. A violência nesse caso,  produzida por companheiro íntimo chega a ser mais de 6 vezes maior.

Segundo o IBGE as formas de agressão física por gênero no Brasil podem ser assim distribuídas:

O dado aqui é contundente: o maior índice de agressão contra a mulher ocorre em casa, em 43% dos casos na Região Norte, 47% na Região Nordeste e  40% na Região sudeste do Brasil. Respectivamente os índices caem vertiginosamente para o gênero masculino, ou seja: 11% na Região Norte, 12,9% na Região Nordeste e 10,9% na Região Sudeste. 
Mas ainda pior que isso, foi constatar que os locais onde estes abusos ocorrem são exatamente locais que deveriam acolher e que pela ordem incluem a própria casa, a casa de terceiros (que podem incluir familiares próximos), estabelecimentos comerciais, a rua e até instituições de ensino. Ou seja, nem um lugar parece ser suficientemente seguro para protege-las contra violências diversas incluindo até abusos sexuais e estupros.

Aqui os índices são reveladores: o grau de violência aumenta contra a mulher na mesma proporção em que o nível de relação com o agressor também cresce. O que reforça a compreensão de que a violência contra a mulher é sempre vinda pela mão de um agente conhecido ou muito próximo.
A relação com agressores muitas vezes indica que são pessoas de seu círculo mais próximo e que usando desta proximidade confiam que nada acontecerá.
De outro lado, até por conta desta proximidade muitas se sentem intimidades a denunciar abusos e violências.

A Sociedade e a percepção da violência
Uma pesquisa de opinião, realizada pelo Data Popular e Instituto Patrícia Galvão, revelou que a sociedade percebe e sofre tais índices. Em forma gráfica, veja de que forma:

Uma escrita em carmim:

De todos os dados, levantamentos, índices, o que temos é uma escrita em números feitas em tons carmim.
A violência doméstica ainda rouba existências, sonhos, direitos, dignidades… vidas.
Tingem de sangue ao mesmo tempo que apagam  viveres, possibilidades.

Maculam laços e revelam que números não são suficientes para dar conta de projetos não realizados, de vidas não vividas. Não dão conta de mostrar que a violência pode também ocorrer por dias, anos, toda uma vida cotejada em carmim por constantes maus tratos, desrespeitos, assédios, silêncios e não ditos. Calam e intimidam suas vítimas pelo medo ou força.

Apesar de concentrar-me neste post na violência de âmbito doméstico, não posso deixar de registrar a violência  miúda e cotidiana em mundos corporativos onde ser mulher é moeda desigual e tida como de menor valor.

Algumas coisas são como a tessitura de um bordado: vamos colocando ponto por ponto, dado por dado, tom sobre tom até que ao final temos um belo rendando.
Não inventei nada! Apenas cavei um pouco de um lado e de outro.

A todos os que tingem de carmim essas histórias de vida deixamos nosso repúdio e desprezo. Não trouxeram nada e ao contrário: levaram embora! Mancharam suas mãos e levam pela eternidade essa nódoa…ninguém sentirá sua falta!

Ah! E já ia esquecendo: ainda teremos o Dia do Índio, da Árvore, da Água, da Criança…

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* Este post é uma versão atualizada de post publicado originalmente no meu Blog, o Pensados a Tinta
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Dias Escuros em Tempos molhados

Por: Carlos Drummond de Andrade – Correio da Manhã, 14/01/1966*

Por: Eliana Rezende Bethancourt**

Os dias escuros
“(…) Amanheceu um dia sem luz – mais um – e há um grande silêncio na rua.
Chego à janela e não vejo as figuras habituais dos primeiros trabalhadores.
A cidade, ensopada de chuva, parece que desistiu de viver.
Só a chuva mantém constante seu movimento entre monótono e nervoso.


É hora de escrever, e não sinto a menor vontade de fazê-lo. Não que falte assunto. O assunto aí está, molhando, ensopando os morros, as casas, as pistas, as pessoas, a alma de todos nós. Barracos que se desmancham como armações de baralho e, por baixo de seus restos, mortos, mortos, mortos.
Sobreviventes mariscando na lama, à pesquisa de mortos e de pobres objetos amassados. Depósito de gente no chão das escolas, e toda essa gente precisando de colchão, roupa de corpo, comida, medicamento.
O calhau solto que fez parar a adutora.
Ruas que deixam de ser ruas, porque não dão mais passagem. Carros submersos, aviões e ônibus interestaduais paralisados, corrida a mercearias e supermercados como em dia de revolução.

O desabamento que acaba de acontecer e os desabamentos programados para daqui a poucos instantes.
Este, o Rio que tenho diante dos olhos, e, se não saio à rua, nem por isso a imagem é menos ostensiva, pois a televisão traz para dentro de casa a variada pungência de seus horrores.
Sim, é admirável o esforço de todo mundo para enfrentar a calamidade e socorrer as vítimas, esforço que chega a ser perturbador pelo excesso de devotamento desprovido de técnica. Mas se não fosse essa mobilização espontânea do povo, determinada pelo sentimento humano, à revelia do governo incitando-o à ação, que seria desta cidade, tão rica de galas e bens supérfluos, e tão miserável em sua infra-estrutura de submoradia, de subalimentação e de condições primitivas de trabalho?
Mobilização que de certo modo supre o eterno despreparo, a clássica desarrumação das agências oficiais, fazendo surgir de improviso, entre a dor, o espanto e a surpresa, uma corrente de afeto solidário, participante, que procura abarcar todos os flagelados.

Chuva e remorso juntam-se nestas horas de pesadelo, a chuva matando e destruindo por um lado, e, por outro, denunciando velhos erros sociais e omissões urbanísticas; e remorso, por que escondê-lo?

Pois deve existir um sentimento geral de culpa diante de cidade tão desprotegida de armadura assistencial, tão vazia de meios de defesa da existência humana, que temos o dever de implantar e entretanto não implantamos, enquanto a chuva cai e o bueiro entope e o rio enche e o barraco desaba e a morte se instala, abatendo-se de preferência sobre a mão de obra que dorme nos morros sob a ameaça contínua da natureza; a mão de obra de hoje, esses trabalhadores entregues a si mesmos, e suas crianças que nem tiveram tempo de crescer para cumprimento de um destino anônimo.

No dia escuro, de más notícias esvoaçando, com a esperança de milhões de seres posta num raio de sol que teima em não romper, não há alegria para a crônica, nem lhe resta outro sentido senão o triste registro da fragilidade imensa da rica, poderosa e martirizada cidade do Rio de Janeiro (…)”.

Rio de Janeiro – 1966

Não, não a História não se repete…a História não é cíclica. Nós humanos que gostamos de nos repetir em nossos erros vezes sem conta.

Aprendemos pouco com o que o Tempo nos deu e teimamos em ocupar espaços que não nos pertencem, em cobrir caminhos que margeiam rios, encostas. Teimamos em alterar itinerários, desmatamos e largamos cicatrizes imensas em territórios que não possuem como se proteger a não ser permitir que corredeiras se façam.
As águas que escorrem misturam-se a terra que rapidamente vira lama e esta como uma onda pegajosa arrasta construções, objetos e pessoas quase sem diferenciar cada um deles pela força que os consegue arrastar. Deixa atrás de si um rastro de destruição, perdas e mortes.
E é assim que todos os verões sabemos que a chuva chegará dentro de uma grande nuvem negra, que se desabotoará por encostas e atingirá prontamente aqueles que nem sempre por escolha estão ali. E assim, ano após ano contamos nossos mortos e ouvimos as promessas que NUNCA se cumprirão de que haverá moradias e lugares decentes para todos.

Tal como nos diz o poeta são nos dias escuros que percebemos que a luz que nos deixou trouxe a água que enche ruas, bueiros e leva tudo o que encontra. Serão estas águas que carregarão os corpos de trabalhadores urbanos e suas casas insalubres e farão subir as estatísticas das vidas que foram interrompidas. Acontece que vidas interrompidas são projetos de existência que não se deram, que não ocorreram e NUNCA poderão ser confundidos com estatísticas de inundações, deslizamentos ou desabamentos.

A cidade, os leitos de rios e córregos transbordam e acabam por refletir a forma como eles próprios são maltratadas, usados e desrespeitados. O lixo produzido e jogado por janelas ou despejados em esgotos ilegais auxiliam no acúmulo do que será despejado logo à frente quando estes encontrarem barrancos e barracos.

Os elementos são muitos e variados e cada sociedade e tempo traz seus elementos que comporão as crônicas do dia seguinte, que parece se repetir indefinidamente… não adianta culpar a História… é preciso aprender com ela para simplesmente parar de se repetir…

São Sebastião – São Paulo Fevereiro de 2023

______________
* A enchente a que o poeta se refere é a ocorrida na cidade do Rio de Janeiro em 1966, que resultou em 250 mortos e mais de 50 mil desabrigados.
** A escolha de publicar a crônica do poeta se deu pelos volumes de chuva no Litoral de São Paulo em Fevereiro de 2023 onde choveu em 14 hs e 683 mm de chuva. O maior índice pluviométrico da História do país até aquela data.

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Abandono e/ou Destruição de Patrimônio Cultural e Arquitetônico é crime!

Por: Eliana Rezende Bethancourt

A esfera pertencente ao Patrimônio Cultural e Arquitetônico é vasta e podemos afirmar que existem muitos segmentos.
Para o efeito deste artigo, me concentrarei em um deles, que por ser único muitas vezes deixa de ser abordado, que é o Palácio do Planalto e da Alvorada e que fazem parte do conjunto arquitetônico composto pelos projetos de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer.

Por tudo isso, o Palácio do Planalto e da Alvorada são tombados como Patrimônio Cultural do país, sendo parte do Conjunto da Obras do Arquiteto Oscar Niemeyer, pelo IPHAN.

O Palácio do Planalto é de onde o Presidente da República governa de seu Gabinete e onde também estão alocados a Casa Civil, a Secretaria-Geral e o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.

O Palácio da Alvorada é a parte residencial onde o presidente e sua família moram. Apesar disso, ele possui mobiliários, obras de arte, tapeçarias, esculturas, quadros que são parte fixa do Palácio

Diante de tudo isso é sem dúvida, um espaço para Cultura e preservação de acervos que não pertencem ao Presidente da República, mas sim à Nação brasileira. Cabe ao Presidente em exercício zelar, cuidar e preservar todo este acervo e dar destino ao valor disponível como verba para realizar as manutenções e cuidados.

O Presidente da República é um inquilino por tempo provisório que no seu ‘contrato’ deve cuidar do espaço que lhe é destinado. Não para ser seu, mas para ser fiel depositário de um patrimônio que é da sociedade brasileira.

DESTRUIÇÃO E BANDONO DE jb ATINGEM TAMBÉM O ALVORADA

Infelizmente a passagem de Jair Bolsonaro (2019-2022) pelo Palácio do Planalto e da Alvorada significou uma igual metáfora para o estado de destruição, descaso e abandono deixado pelo Brasil em diferentes áreas como Saúde, Meio Ambiente, Educação, Cultura para ficar em apenas áreas mais sensíveis.
A situação foi alvo de denúncia em uma reportagem chamada por Janja Lula da Silva antes de realizar sua mudança para o Palácio. A reportagem concedida à jornalista política Natuza Nery, revelou um quadro de descaso, abandono e em alguns casos puro vandalismo com peças e objetos (link nas referências).

Dos danos mais comuns como tapetes rasgados, janelas quebradas, pisos de madeira necessitando de reparos, infiltração pelas paredes, tapetes e tapeçarias rasgados, seguiu-se à deterioração em alguns casos, e desaparecimento em outros, de obras de arte (como foi o caso de uma tela de Di Cavalcanti (com valor estimado em R$ 5 milhões de reais e que simplesmente foi retirada da Biblioteca onde estava e colocada em uma parede frontal, onde por 4 anos tomou sol inclemente e perdeu seus tons originais, o que significará a passagem por obras de restauro). Não apenas ele!

A pintura Orixás foi retirada do Planalto sofreu furos em sua tela provocado por caneta esferográfica. Para termos uma ideia do prejuízo o quadro medindo 3,61 metros de largura por 1,12 metro de altura, Orixás foi pintado por Djanira em 1966 e teria valor estimado atualmente entre R$ 1 milhão e R$ 4 milhões.

Orixás – Obra de Djanira – 1966

Em um inventário anterior haviam 133 peças de tapeçaria que incluem obras de Emiliano Di Cavalcanti, Concessa Colaço, Francisco Brennand e Kennedy Bahia. Além de peças de mobiliário assinadas por renomados artistas. Até os jardins que também são tombados sofreu ataques. Lula em seu outro mandato (2008) havia plantado Mandacarus (nome em tupi guarani de uma planta ornamental da família dos cactos e que tem um símbolo de resistência) com o então Ministros do Meio Ambiente, e jb os mandou arrancar.

Foi também no período do segundo mandato de Lula que os Palácios do Planalto e da Alvorada receberam sua 1ª grande obra de conservação e restauro desde sua inauguração e que durou todo o período compreendido entre 2008 e 2011.

Todo este episódio além de triste pode ser didático. Afinal, por que toda esta discussão? Qual é de fato a responsabilidade de um Chefe de Estado com o Patrimônio Cultural e no caso, também artístico, arquitetônico/estético sob sua responsabilidade?

Vejamos:

É considerado Patrimônio Cultural tudo aquilo que pode nos ajudar a compreender uma sociedade e o meio que a circunda.

Eliana Rezende Bethancourt

E se formos tomar o texto de lei, encontramos a definição em nossa própria Constituição de 1988, quando reconheceu que para além de patrimônios materiais também possuímos patrimônios imateriais, e que estão definidos no artigo 216 como segue, na letra da Lei:

“(…) Constitui patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. (…)” (BRASIL, 1988).

Se podem ter origens tão diversas, é natural que nos tragam por meio de sua materialidade ou por meio de sua imaterialidade importantes e incontáveis formas de conhecermos melhor um povo e o seu meio. Em vários casos, não podem nem mesmo ser calculados em cifras monetárias, como ocorre no caso de patrimônios naturais, arqueológicos, ecológicos, paleontológicos, entre outros. E por isso, são de extremo valor, e àqueles a quem são oferecidos para realizar sua proteção e guarda necessitam ser cobrados em casos em que fique evidente desrespeito, descuido, vandalismo, subtração, roubo ou destruição realizado por diferentes meios: sinistros, roubos, ações de vandalismo, abandono ou mesmo relegar tais patrimônios a espaços ou locais que os coloquem em riscos provocados por terceiros ou pela própria força da natureza.

A especialidade dos Palácios do Planalto e da Alvorada é referida por (BISPO, 2014) quando comenta sobre sua concepção arquitetônica, estética e construtiva:

“(…) na concepção e construção do Palácio do Planalto é possível observar a influência dos condicionantes históricos e estéticos do ideário moderno na prática projetual do arquiteto Oscar Niemeyer, especialmente ao destacar os aspectos plásticos e estruturais, as técnicas e materiais construtivos empregados em revestimentos, vedações e elementos de composição, as relações existentes entre arquitetura, urbanismo, paisagismo e obras de arte integradas.
Paralelamente, ressaltamos as principais características essenciais, presentes desde os primeiros estudos elaborados por Niemeyer no processo de definição da obra, tais como amplitude e transparência espacial, leveza, pureza, visibilidade entre interior e exterior da obra, simplicidade geométrica, emprego de soluções compactas, setorização de usos, hierarquia entre elementos, padronização de tipos de revestimentos e vedações, distribuição espacial definida a partir da modulação estrutural, proporção, simetria e equilíbrio através de relações matemáticas, da geometrização das formas, da linearidade da superfície e da organização geométrica das partes individualmente e entre si composição baseada em premissas da arquitetura moderna e em fundamentos da linguagem clássica, busca por unidade formal e estética com outros palácios de Brasília. (…)”. (BISPO, 2014)

Ou seja, o Palácio do Planalto e todo o conjunto de prédios criado por Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, agrega mais do que arquitetura e estética a um tempo só. É produto de um tempo, de uma tecnologia, de uma escola de pensamento estético e visão de mundo. Por isso, único e admirável!

É também preciso salientar que o Palácio do Planalto tomado no conjunto dos demais monumentos compõe, por meio de sua estética e volumetria, uma imagética própria que relaciona visualmente estas obras, que conforme Bispo (2014) são:

“(…) Enquanto marco simbólico, a cidade derivada do Plano Piloto concebido por Lucio Costa constitui um exemplar histórico e singular do urbanismo moderno, vinculado aos princípios expressos na Carta de Atenas de 1943 e aos preceitos do “Modo de pensar o Urbanismo” de 1946 de Le Corbusier (…).
A “preservação imagética” garante a manutenção das relações visuais, formais e compositivas ao longo da trajetória histórica de cada edificação que compõe este conjunto monumental que carrega consigo a imagem mais emblemática da capital.
Trata-se, portanto, de uma relação histórica visual desenhada por intelectuais de modo que a visualidade do objeto sobrepõe-se à funcionalidade do objeto (…)”.

Diante tudo isso, e como forma de auxiliar tais chefes de Estado, há a previsão de destino de verbas para a realização de obras de preservação, conservação e até restauração tanto de obras arquitetônicas, quanto de peças de arte, mobiliários, paisagísticos.

Mas tudo isso simplesmente não se efetiva se as pessoas que tem sob sua responsabilidade esta tarefa não estejam sensibilizadas suficientemente e compreendam que cuidar da preservação, conservação e até restauração de um acervo tão rico e plural deve fazer parte de uma política de cultura da preservação de patrimônio, atendendo de perto ao que seja minha concepção de Responsabilidade Histórica.
É esta consciência de que o Presidente da República é o responsável direto a imprimir e propiciar que tais cuidados se efetivem e que isso seja parte de sua política cultural, já que estará cuidando de um legado que é de todos e que precisa ser entregue ao futuro. Daí a aplicação do conceito de Responsabilidade Histórica.

Se com os documentos privados dos Presidentes da República a Constituição de 1988 esclarece em detalhes como se deve proceder sua guarda, sigilo e acesso com fins de preservação de memória e como forma de produção de conhecimento por meio de pesquisa, com documentos que denomino tridimensionais – que abarcam todo o conjunto do acervo do Palácio do Planalto que vai desde sua arquitetura e estruturas até suas tapeçarias, mobiliários, obras de arte diversas, paisagismo e jardins – as especificações não são tão pormenorizadas, e podem levar à pratica de erros como os que a reportagem acima revelou. Se os habitantes do Planalto não possuem sensibilidade e algum nível de respeito à coisa pública teremos tais problemas.

O chamado acervo privado da Presidência possui uma equipe técnica e fixa que se responsabiliza por catalogar os diferentes documentos que passam a fazer parte do acervo desde o momento que o Presidente é empossado. Mas ao deixar a Presidência tais documentos não são considerados plenamente seus ou privados. Por possuírem interesse público e poderem ser utilizados para fins de pesquisa não podem ser vendidos sem antes serem oferecidos à União e nem podem ser remetidos para fora do país sem a autorização do Estado Brasileiro. Por estarem inseridos na Administração Pública, devem obedecer criteriosamente aspectos determinados em me metodologias de acervos arquivisticos, bibliográficos e museológicos de acordo com seus suportes e obedecer rigorosamente os termos que se relacionam a tombamentos e descrição de objetos de arte.

Por tudo isso, ex-presidentes criam Fundações ou Institutos para que tais acervos continuem a ser cuidados e acessados. Além disso, são eles que devem arcar com as custas de preservação, conservação e tratamento técnico documental destes acervos.

A Lei nº8.394, de 30 de dezembro de 1991 é a que disciplina os “acervos privados dos presidentes da República”.

O texto da Lei deixa claro quais devem ser as ações e responsabilidades destes acervos como se nota a seguir:

Art. 5° O sistema dos acervos documentais privados dos presidentes da República terá participação do Arquivo Nacional, Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural (IBPC), Museu da República, Biblioteca Nacional, Secretaria de Documentação Histórica do Presidente da República e, mediante acordo, de outras entidades públicas e pessoas físicas ou jurídicas de direito privado que detenham ou tratem de acervos documentais presidenciais.

        Art. 6° O sistema de acervos documentais privados dos presidentes da República, através de seus participantes, terá como objetivo:

        I – preservar a memória presidencial como um todo num conjunto integrado, compreendendo os acervos privados arquivísticos, bibliográficos e museológicos;

        II – coordenar, no que diz respeito às tarefas de preservação, conservação, organização e acesso aos acervos presidenciais privados, as ações dos órgãos públicos de documentação e articulá-los com entidades privadas que detenham ou tratem de tais acervos;

        III – manter referencial único de informação, capaz de fornecer ao cidadão, de maneira uniforme e sistemática, a possibilidade de localizar, de ter acesso e de utilizar os documentos, onde quer que estejam guardados, seja em entidades públicas, em instituições privadas ou com particulares, tanto na capital federal como na região de origem do Presidente ou nas demais regiões do País.

        IV – propor metodologia, técnicas e tecnologias para identificação, referência, preservação, conservação, organização e difusão da documentação presidencial privada; e

        V – conceituar e compatibilizar as informações referentes à documentação dos acervos privados presidenciais aos documentos arquivísticos, bibliográficos e museológicos de caráter público.

LEI No 8.394, DE 30 DE DEZEMBRO DE 1991 – Que dispõe sobre a Preservação, Organização e Proteção dos Acervos Documentais Privados dos Presidentes da República e dá providências

FHC ao nos relatar sobre seu Instituto circunstancia como o cumprimento desta lei o fez criar seu Instituto:

“(…) Nasceu assim a ideia de fundar um instituto. Quis que ele fosse não só um centro de memória histórica, mas também um lugar de debates sobre a democracia e o desenvolvimento. Duas causas com as quais estive envolvido desde muito cedo. Desempenhando um ou outro papel, sua missão para mim seria uma só: contribuir para ampliar a compreensão e disseminar conhecimento sobre o País e seus desafios, com os olhos abertos para o mundo.

Inaugurado em maio de 2004, com um debate internacional que reuniu políticos e intelectuais do Brasil e do exterior, entre eles, Bill Clinton e Manuel Castells, o Instituto transformou-se em Fundação em 2010. O objetivo da mudança foi o de fortalecer o iFHC – hoje chamado Fundação FHC, como instituição perene, comprometida com a missão definida em sua origem.

Transcorridos mais de 18 anos da sua criação, foram realizados mais de 500 debates, mais de 40 livros publicados, organizados, digitalizados e colocados à disposição do público. Ao todo, cerca de 115 mil documentos do meu acervo.

Estou convicto de que valeu a pena criar a Fundação FHC. (…)”

Fundação FHC

O Instituto Lula informa sobre seu acervo:

“(…) O Instituto Lula tem a responsabilidade de cuidar do acervo que deixou Brasília junto com Lula em 2011, e o faz com toda transparência. São milhares de cartas, livros, CDs, fitas, quadros, gravuras, fotografias, álbuns, DVDs, presentes de altas autoridades, instituições, empresas e populares, assim como prêmios, condecorações e títulos que Lula recebeu. Todo esse material está catalogado, embalado e armazenado. Neste link você pode consultar todos os objetos do acervo. (…)”

Instituto Lula
Instituto Lula

Como se observa no caso dos dois Institutos que abrigam os acervos dos ex-presidentes vemos que há um olhar sobre a forma como o acervo e os objetivos que os sustentam. FHC que vem de uma tradição muito mais acadêmica voltou sua atenção para seu conjunto de documentos e o acervo como um todo com uma forma específica não apenas de tratar documentos, mas também de gerar e produzir conhecimento. À medida que o tempo passa mais esta dimensão se solidifica.

No caso de Lula, por ter uma trajetória muito mais engajada à movimentos sociais tanto seu acervo quanto seus objetivos se refletem nas ações desenvolvidas e na forma como a documentação está reunida.

O que é uma obrigação tanto em um como em outro caso é o trato com a documentação, sua preservação, conservação e disponibilização para diferentes fins.
Agindo assim, ambos cumprem o que está estabelecido em Lei, e retornam para a sociedade o que lhes é devido: os acervos e as informações nele contidas.

Tomar conhecimento de tudo o que envolve a curadoria, guarda, preservação e acesso aos acervos da Presidência da República e todo o conjunto arquitetônico é fundamental para que todo o circuito que abriga tarefas de preservação e conservação não se transforme em crime, quer por ignorância, quer por dolo.

Também e fundamental, para que o Presidente em exercício e sua família não tomem o que é de toda a Nação como seu, ou o que é público seja tomado como privado. Os processos de Responsabilidade Histórica exigem respeito a estas instâncias, e para este caso a própria Constituição traz a letra da Lei.

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* Observação Importante: Este artigo começou a ser escrito antes da tentativa de Golpe e de ataque aos Três Poderes em Brasília em 08 de Janeiro de 2023. Por força de tudo o que ocorreu e ainda impactada por toda a destruição, optei por concluir este artigo sem menções aos fatos ocorridos e destinarei um outro artigo para abordar os fatos, impactos e simbologias daquele ataque. Como historiadora não gosto de escrever no calor da hora e conto com que ao seu tempo e ora eu seja capaz de falar a respeito.

** Referências:

BISPO, Alba Nélida de Mendonça. “Dos processos de valoração do patrimônio moderno às práticas de conservação em Brasília: o caso do restauro do Palácio do Planalto”. Dissertação (Mestrado) – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio Cultural, Rio de Janeiro, 2014.
CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade: Ed. UNESP, 2001
NERY, Natuza. Reportagem: “Janja mostra os danos que encontrou no Palácio da Alvorada; veja vídeos e fotos

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