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Vamos parar de educar para a mediocrização!

Escrito e lido por: Eliana Rezende Bethancourt
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Uma análise sobre os sistemas educacionais hoje vigentes, não apenas no Brasil mas no mundo, revela uma condição decepcionante.
Apesar de tantos desenvolvimentos tecnológicos a realidade Educacional e os ambientes ditos de escolaridade estão longe de formar seres pensantes, atuantes e com espírito crítico e interventor.
Não há inteligência social nos modelos que temos.

O sistema educacional, até por sua conformação física, revela uma dicotomia entre o mundo vivido e o compartilhado em realidade 4.0 para uma vivência “fabril”. As escolas mantém seus espaços tal como projetados como os modelos pós industriais diziam que deveriam ser linhas de produção. Num ambiente onde todos são tratados como engrenagens e de forma homogênea fica difícil, não somente reconhecer mas valorizar potencialidades.
A norma assim é mediocrizante. Pensa-se na educação que sirva a todos… na média!

A lógica é muito simples: entra-se na escola com a mesma idade e aos lotes, todos são agrupados formando turmas e séries. A premiação bimestre a bimestre é atingir as notas, definidas de forma generalizante e que sempre estipulam uma nota mínima considerada média. E isso em geral, é conseguido por um desempenho que premia memorização, pura e simples, em alguns casos, a cola aparece como um recurso ainda pior e mais medíocre. Os que responderem de forma mais eficiente a todo o processo repetitivo e mediocrizante serão considerados aptos a seguir para a série seguinte. Estão promovidos. Até que um dia ganham um diploma. E com este pedaço de papel nossos alunos medíocres em série seguem para um mercado de trabalho.
E que, pasmem, querem criatividade, espírito crítico, colaborativo e independente!

Estranhamente, conteúdos são ensinados segmentadamente, como se nada tivesse relação com nada. Embala-se conteúdos em série e estes são descarregados série a série pelo primeiro desavisado de plantão que resolver assumir os mesmos. Os tantos especialistas em suas respectivas áreas não fazem a menor ideia como sua disciplina conversa com a outra, ou como se relaciona com a vida vivida extramuros ou a que se compartilha em rede. E assim, todos seguem usando materiais prontos e cumprem cronogramas, ementas, avaliações. Imaginam que ao conseguir as tais notas de média terão ajudado a constituir um educando e formado minimamente um cidadão social. Usam-nas como régua para medir supostos avanços ou cumprimento de metas, objetivos e afins.

Perde-se tempo enorme ensinando sobre a escravidão no Brasil, por exemplo, e em nenhum momento se discute sobre xenofobia, preconceitos, modelos produtivos e afins. Sempre há aquele limite chamado de politicamente correto e assuntos tabus para uma escola.
Mas não estamos falando em formação? Exercício de cidadania? Papel na sociedade? Não entram nesta discussão o papel biológico que torna os seres diferentes por fora, mas biologicamente semelhantes em sua essência?! Não seria uma conversa para todas as disciplinas?

Ensina-se sobre a antiguidade grega e romana, mas não se fala sobre o papel da democracia e como nos tornar cidadãos conscientes, hoje. Como foi a construção da ideia de cidadania, moral, gênero a partir destas civilizações? Como a geografia, a filosofia, a biologia, o pensamento racional via áreas exatas construíam a ideia de cidadão? E como este cidadão se relaciona hoje com tais temas? O que o mundo contemporâneo fez com tais assuntos? Isso tudo fica fora dos conteúdos.
E me pergunto: então para quê o sistema de ensino?

Tentam ensinar sobre países estrangeiros, suas capitais, economias. Mas será que os alunos que chegam de carro e vão embora de carro conhecem o seu bairro? Sabem o que é uma periferia? Fazem ideia de como vivem pessoas sem rede de esgoto? Que projetos seriam capazes de realizar para limpar e filtrar água, captar água de chuva ou aquecer água usando placas solares feitas com materiais alternativos? Sabem construir uma?
E a pergunta principal: os professores de geografia, ciências, física, química, biologia… sabem?

Ensinam-se sobre invenções, mas como discutir o papel das mesmas em nossas vidas, suas aplicações e caminhos? Qual a diferença entre invenção e inovação? Todas as áreas de saber estariam ali envolvidas.  E fico perplexa de ver como ninguém relaciona nada com nada.

Será que um aluno sabe como funciona um rádio? Uma TV?  Já desmontou um ou outro? Sabe quais são seus componentes? De que forma o som e a imagem se propagam? Como a música toca? Como nossa audição e visão funcionam?  Enxergamos com os olhos ou com o cérebro? E os animais escutam e veem da forma como escutamos e vemos? E uma máquina fotográfica? Como eram as primeiras? Como funciona uma caixa preta? Como a imagem se forma? Como se processava a revelação de um filme? Como é hoje uma imagem digital? O que significa do ponto de vista da representação um retrato? Como a arte representava as pessoas? Como nos fazemos representar? Onde todas estas imagens produzidas diariamente são armazenadas? O que é a nuvem? Como nossos arquivos pessoais são armazenados?  Por quanto tempo? Por quem e para quê? E quando não estivermos mais vivos, como ficarão nossas contas na internet?

E de novo pergunto: os professores de todas estas disciplinas correlatas e afins sabem fazer? Se interessaram algum dia em fazer as perguntas e ir atrás de respostas?

Notem que o que movimenta tudo não são conteúdos prontos: são as perguntas que geram a ação e a consequente produção de conhecimento. O professor não tem que saber, o aluno não tem que saber. Mas todos podem estar envolvidos na busca. E na retroalimentação de mais perguntas para ir mais longe e além. 

Vejam quantas possibilidades interdisciplinares há e que são perdidas diariamente. 

Será que isso para ser ensinado precisaria ser feito em divisões de turmas e idades? Não seria muito mais criativo, interessante e divertido que os alunos escolhessem o que queriam aprender e como? Independente de idades e turmas?
Não seria muito mais interessante que os professores funcionassem como mentores nestas descobertas, criassem projetos e os desenvolvessem ao longo de um período? E aí sim teriam resultados muito mais gratificantes, instigantes e interessantes?
Por exemplo: como criar uma rádio comunitária, elaborar as programações, produzir conteúdos, inventar produtos para serem comercializados, criar noticias. Ou seja, um único projeto pode fazer com que todas as disciplinas estejam envolvidas!  

Lembro-me de uma vez quando ministrava aulas, para as antigas 7ª e 8ª séries, numa escola tradicional carmelita. Não suportava a ideia de ter que cumprir aulas que vinham encaixadas em sistema pedagógico, no formato Anglo. E então resolvi que para falar dos anos JK e posterior (1950-1970) iria fazer um trabalho que envolvesse todas as turmas. Iríamos reconstituir o que ocorria no Brasil e no mundo na época. Os alunos se reuniram por interesses: uns foram para a arquitetura, outros engenharia, outros foram para a moda, outros o período dos festivais de rock como Woodstock e vários outros ficaram com MPB. Houveram os que construiram maquetes, outros criaram um desfile de moda e ainda outros tiraram letras de música para tocar ao vivo. Haviam os que eram tímidos demais, mas ajudavam nos bastidores: faziam as músicas passarem de forma correta no desfile, cuidavam da iluminação (eram donos da logística para o evento).

Passamos o semestre todo preparando o evento e na última semana de aula a apresentação no auditório reuniu a escola inteira, professores, pais e tivemos teatro, dança, show de rock com bateria e guitarra ao vivo tocado pelos alunos. Desfiles e uma exposição de maquetes pelos corredores. Frequentávamos o laboratório de informática e usávamos a internet para várias pesquisas e inspirações. Aqui, um à parte interessante: o laboratório era muito equipado e tínhamos um computador por aluno, e isto em 2005. E APENAS EU usava para minhas aulas! O resto do tempo o laboratório era apenas para fazerem alguns trabalhos ou jogar em horas vagas. Nenhum outro professor usava.

Os pais no período anterior à apresentação me cercavam nas reuniões preocupados, perguntando que, como aquilo seria ensinar. Me perguntavam: “E o conteúdo?!” Minha coordenadora ficava preocupada com o exame que teriam que fazer para continuar tendo o sistema de ensino validado.
Eu penas sorria…

O resultado?
Nunca a nota geral do sistema foi tão alta! Os alunos me diziam: “Prôf., eu lembrava de tudo o que estávamos fazendo… sabia tudo!”. Isso tudo para dizer, que não era fácil, lidava com meus colegas de trabalho torcendo o nariz: os alunos começavam a ficar excitados antes de minha aula, e era normal ficarem após as aulas discutindo o projeto uns com os outros. Nunca ficava em sala de aula com eles. Andava pela escola toda vendo locações, debatendo. E com os alunos espalhados por toda parte. Tivemos aula até embaixo de um pé de amora em dias quentes. 
Mas foi extremamente gratificante, e me mostrou que é muito possível.
Sei que tanto eu quantos eles sobrevivemos e aprendemos muito!

Lembro-me de ir ao cinema com todos numa matinê assistir o filme “Cruzada”, e como éramos praticamente nós, eles se levantavam durante o filme e me perguntavam coisas e eu falava. Era uma troca intensa e muito rica. Foram ao filme com tudo lido e depois queriam falar sobre o assistido.
Uma experiência agradabilíssima!

Turmas de 7ª e 8ª Séries do ano de 2005 – Colégio Nossa Senhora do Carmo – SP – com trajes dos anos1960

Em muitos casos os próprios alunos não querem essa mudança de paradigmas. Se ressentem destas ousadias.
Ministrando aulas na faculdade costumava (e porque era obrigada a) dar provas, mas estas eram com consulta e em duplas. E não existia para mim certo ou errado. Dizia que queria que desenvolvessem um raciocínio e me convencessem. Mesmo errado o que valeria seria a construção.
Como era difícil para alguns!
Me diziam que minhas provas eram as piores. Mas exatamente porque nunca cobrei algo decorado e pronto. E aí está o limite imposto por um sistema no qual tinham sido formados; uma linha de montagem. Não eram/são capazes de pensar por si sós!
Tão triste!

Por isso, meu clamor: vamos parar de educar para a mediocrização! É muito mais rico e muito mais satisfatório para todos.
Experimentem!

ADENDO PÓS-PANDÊMICO:

O artigo acima foi publicado em Agosto de 2015, e já naquele momento eu externava uma realidade vivida como experiência 10 ANOS ANTES. Ou seja, há 15 anos já pensava e aplicava ideias que hoje em dia (2020), seriam chamadas de “sala de aula invertida”, “metodologias ativas” e o ensino via Projetos em voga nas chamadas “Escolas Inovadoras”.

Meu desconforto entre a cisão entre conteúdos ensinados em sala e o mundo aqui fora era grande. Mas hoje em dia sinto ainda pior.

A pandemia descortinou um mundo de despreparo generalizado não apenas de escolas e suportes possíveis para o ensino feito à distância. Revelou um total inabilidade de muitos professores em lidar com uma escola sem paredes e cadeiras perfiladas. Subtraídos deste lugar de segurança onde conteúdos desfilam monotonamente, alunos e professores simplesmente não conseguiam encontrar um caminho para ensino/aprendizagem. Em verdade, o erro de séculos foi o de NUNCA ensinar os alunos a APRENDER. E aprender significa antes de tudo PENSAR sobre como determinadas perguntas possuem diferentes respostas de acordo com o caminho escolhido. Ensinar a APRENDER é muito mais dificil, já que não existem fórmulas e respostas prontas. Aprende-se quando se sabe fazer a pergunta certa. Já a resposta não é necessariamente certa ou errada… é um caminho.

A Pandemia escancarou outras mazelas: ora temos infinitos recursos tecnológicos subutilizados, ora estes não atingem ampla maioria da população discente. A pandemia, de repente, mostra uma distopia tecnológica: afinal, o mundo inteiro se conecta via aplicativos, o home office é uma realidade e tudo funcionando às mil maravilhas. Mas nos esquecemos que nosso país possui extremos econômicos, sociais e tecnológicos. A nossa bolha tecnológica não consegue entender que a maioria esmagadora dos alunos não possuem celulares. Se os possuem são em geral, pré-pagos com planos que simplesmente não comportam pacotes com dados suficientes para baixar o que quer que seja. As casas não possuem redes wifi, e muito menos computadores e locais adequados para que as crianças estudem.
Do outro lado, temos professores desesperados que precisam lançar mão do que possuem. Em muitos casos, só conseguem usar o whatsapp. Ou seja, o ensino chega mutilado, picotado e estilhaçados em inúmeras dificuldades.

Além desta desigualdade ampla e irrestrita aos meios tecnológicos ficou patente que não é a tecnologia que faz pensar, inova, cria, produz… quem faz isso são mentes pensantes, com espírito inquieto e perguntas assertivas. As tecnologias podem oferecer ferramentas muito interessantes, mas nem toda solução é tecnológica, em especial quando lidamos com pessoas.
Ironicamente, a tecnologia está mostrando o quanto existe deficiência intelectual e cultural entre as pessoas, que em tempos passados não se sentia exatamente porque todos tinham que ler e estudar mais, já que não havia o onisciente e onipresente Google para tudo. Criou-se uma geração preguiçosa, acomodada e impotente diante de resolução de problemas pequenos e cotidianos. Se não há uma tecla com a resposta as pessoas ficam paralisadas.
De outro lado, vejo pessoas robotizadas, engessadas e com pensamentos limítrofes para quase tudo. Deixar de ensinar a aprender está causando danos irreparáveis há uma geração inteira.

A Educação precisa ser entendida como um investimento de longo prazo em pessoas que estimulam o pensamento crítico e criativo e não apenas dizer que são necessárias tecnologias. As tecnologias sem estes cérebros pensantes serão de pouca utilidade, e serão usadas como uma continuidade de um ensino massificado, mediocrizante, tal como o que acontecia com lousas de pedra e escrita em giz.

A Pandemia veio mostrar que a Educação NUNCA mais será a mesma, e que muito pode ser feito sem ser em uma sala de aula construída em alvenaria. O mundo digitalizado às pressas nos faz perceber que há muito o que ser feito e aprimorado, e que a fantasia tecnológica morre de inanição em presença da falta de criatividade.

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Pesquisa: Educação escolar em tempos de pandemia na visão de professoras/es da Educação Básica

* Post publicado originalmente no meu Blog, o Pensados a Tinta

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