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Sampa: a Velha Senhora…

Por: Eliana Rezende Bethancourt

A cidade que nasci faz anos.
Mas não é para mim um aniversário feliz.
Talvez muito ao contrário, é como se eu perdesse a cidade que nasci, e que me vi crescer e amadurecer.
Os anos tanto para as pessoas como para as cidades, podem trazer-lhes grande e profundas marcas. Suas existências são vincadas por tudo o que há ao seu entorno, mas também ao que é parte de si.

Ironicamente, minha cidade faz aniversário quase junto comigo, uma diferença de apenas 3 dias! E talvez por isso, impossível esquecê-la e não pensar no que o Tempo tem feito com ela e suas gentes, incluindo a mim mesma.

Antes, e talvez por causa do frescor da minha juventude idealista e com muitos objetivos ela parecia-me tão atraente, desafiadora e até bonita em seus cantos, pontos, vilas e diversidades. Me atraia pelo que pareciam ser seus desafios, movimentos, edificações e gentes. Parecia um caldo onde muito e tudo poderia ocorrer e eu estaria ali para ver tudo isso bem de perto. A metropolização e adensamento neste tempo me parecia altamente positivo e chegava achar que ela crescia junto comigo. Cada rua, prédio, viela e equipamentos públicos representavam para mim um mapa de tesouros a descobrir: eram trilhas por diferentes tribos e isso servia de estímulo.
As ruas sinuosas e sem planejamento sempre foram desafios aos que por ela passam: tradição mantida deste os tempos de tropeiros e bandeirantes, mas que sempre foram para uma nativa um meio de fugir de imensos congestionamentos. As ruas tinham significado, alma, histórias. Bastava chegar até elas que todo o repertório de memórias eram acionados. Odores, sabores, cores me enchiam de recordações e isso era mesmo muito bom.

À medida que o tempo passou fraturas começaram a se fazer. Talvez tenhamos nos perdido nos excessos: gentes densamente amontadas em espaços exíguos foram tornando espaços antes tão agradáveis e estimulantes e locais que deixei de reconhecer como os que me acompanharam por toda a minha adolescência.

As sombras de prédios cada vez mais altos foram trazendo sombras e compartimentos. Cada vez menores, as vidas começaram a se miniaturizar, os espaços de convivência quase sempre se transformaram em estacionamentos, cinemas em igrejas, praças em ocupação para consumo de drogas, o verde foi desaparecendo na mesma velocidade que o asfalto e as vias se entupiam de latas sobre rodas, as livrarias foram paulatinamente dando lugar à venda de eletrônicos e quinquilharias sem valor agregado quase que algum.

Os relógios parados às portas de grandes magazines mostram que o tempo não volta, também não marcam mais as horas das sirenas, das entradas e saídas de fábricas, construções ou comércios. As portas fechadas às centenas nos apresentam apenas portas pichadas no aço escurecido de fuligem e poeira.

E assim, pouco a pouco fui sentindo que perdi a cidade em que nasci. Já não a reconheço como minha. Completamente gentrificada expulsa para longe os que são seus filhos e acomoda o capital como uma nuvem de gafanhotos, que muito em breve a abandonará e seguirá para o próximo ponto de destruição.

Infelizmente todo este processo autofágico foi mudando completamente minha perspectiva e olhar.
São Paulo não é mais aquela que eu via, vivia e sentia. Perdeu-se em algum momento da minha existência.

O olhar, hoje mais distante construído por muitos deslocamentos, idas, vindas e desapegos me obriga a vê-la de outra maneira.
Hoje ela está resignificada por mim.
Neste novo olhar detecto:

Praça Carlos Gomes – SP

Sampa agoniza…
Sinto-a como uma Velha Senhora que está morrendo. E morre, não em seu momento de glória e vigor.
Deixa a cena de forma triste… é um corpo obeso que se movimenta com dificuldade: excedeu em muito suas capacidades de acomodar seus volumes imensos.

Suas artérias estão obstruídos e doentes. Não lhe faltam pontos de congestionamentos, deterioração, cicatrizes…
Seu pulmão falha, e quase não respira. Falta-lhe oxigenação. O cinza toma conta do ar que a alimenta. 
Seu coração é o mesmo (um centro doente e volumoso) que já não acomoda e nem irriga suficientemente suas extremidades. Muitas partes sofrem a gangrena da pobreza extremada, da violência e de todo o conjunto que a miséria humana consegue patrocinar. O coração que antes batia forte hoje arfa com dificuldades de dar pulsação e ritmo ao que está distante.

Seus intestinos param dia a dia de funcionar. Os dejetos paralisam funções e não fluem como deveriam: seus córregos, rios e esgotos são apenas um caldo de abandono e descaso. Em vez de vida pulsando e se movimentando, o que há são vestígios dos restos: que se avolumam como indesejáveis e inservíveis. 

A visão turva, opaca e sem brilho lhe impede de enxergar a lucidez que antes via em fachadas, arquiteturas… as cataratas do tempo lhe tiraram a beleza límpida de cores, vistas e formas. É como se apenas silhuetas borrassem seus sentidos. A paisagem que avista é apenas uma sombra triste de um tempo áureo que se foi. A vanguarda arquitetônica é susbstituída por ruínas ou bota-a-baixo todo o tempo… clareiras de cimento se abrem para serem transformadas em áreas de estacionamento ou prédios que massificam e acumulam pessoas em cubículos sem graça.

A Velha Senhora hoje vive de memórias retrógradas cozinhadas em banho-maria pelo abandono. O espelho mostra o quanto os anos lhe marcaram e trouxeram desgaste e imobilidade. Não se identifica com o reflexo no espelho. Nem mesmo nas suas velhas fotografias.

Suas vestimentas e ornatos estão puídos, largados, sujos… Não possui mais bens de valor e seus adornos quase não existem mais. Expropriadas por tudo e todos. Viu na passagem do tempo suas edificações e  equipamentos urbanos ser diuturnamente roubados, quebrados, destruídos.

Já não ouve tão bem: os sons são muitos e lhe sobram apenas ruídos sem nexo. Muito barulho e quase nenhuma nitidez.
E apesar de toda a velhice e decadência, ainda chegam-lhe, ávidos, os que buscam as imagens de seu passado.
Triste confronto a todos, pois no espelho só há uma projeção disforme… de uma passado que se foi…nada além…

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* Versão revista e atualizada de post publicado originalmente no meu Blog, o Pensados a Tinta

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Afinal, quem você pensa que é?

Por: Eliana Rezende Bethancourt

Em tempos de egos tão inflados as pessoas parecem se esquecer qual o espaço que, de fato, ocupam no universo. Talvez seja uma boa ideia parar… pensar… redimensionar!

Proponho um pequeno exercício de reflexão com apoio de alguma pirotecnia visual. 

Confira a animação:

A escala do universo e você

A animação parece tão simples; afinal é só olhar nosso tamanho no universo.

Ela faz por nós algo que é muito caro à arquitetura e engenharia, põe numa perspectiva e escala adequada o que somos em qualquer lugar que estejamos e qual é o nosso ínfimo lugar nesse macrocosmo infinito.

Do ponto de vista de uma animação a hierarquia facilita o redimensionamento de tudo.
As dificuldades começam a surgir quando saímos dela e olhamos ao nosso redor, o nosso mundo real.
Se formos ao mundo corporativo poderemos constatar então, que a arrogância e prepotência de determinados cargos criam opacidade na forma e nos valores como cada um se vê e olha o outro.

É mesmo um longo aprendizado lidar com a vaidade.
De fato, em áreas onde a técnica e arte podem se misturar e até confundir o encontro de egos e ruídos de vaidade tendem a aumentar. Talvez por isso mesmo devêssemos voltar, olhar para a nossa verdadeira dimensão e reconsiderarmos o que pensamos de nós e dos outros. 

Pessoalmente, gostei muito da animação.
A considerei instigante e que contribui muito para fazermos um redimensionamento sincero do que somos neste universo infinito, sem a arrogância, às vezes, tão presente em cargos e funções ocupados nos universos corporativos. 

Se servir a isso, foi excelente!
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A Cultura Digital e seus Excluídos

Por: Eliana Rezende Bethancourt

É preciso que se diga e se assuma definitivamente: a Cultura Digital é restrita a poucos, e estes só possuem lugar garantido no consumo de países desenvolvidos.

Uma massa gigantesca da humanidade permanecerá onde está: excluída!

O desenvolvimento tecnológico não propicia de forma alguma a possibilidade de distribuição igualitária de bens tecnológicos. Já que bens tecnológicos significam poder de compra.

Mas a cultura tecnológica tem também suas carências. As redes sociais que brotaram nesta fauna apresentam muitos e variados problemas e dentre eles talvez seu maior defeito: criadas e desenvolvidas para um ambiente de consumo caracterizam-se por pouca ou quase nula atenção. Tem seus movimentos em ondas de massas, mas que infelizmente não significam autoconhecimento.

Alguns dirão que são revolucionárias. Não as considero como tais! Conseguem sim, em alguns casos, arregimentar pessoas em torno de pautas muito pontuais. Não adiantaria pautas extensas ou longas. Não conseguiriam adeptos. E por isso a afirmação de que as redes sociais não tem consistência atenta.

“A tecnologia se perpetua através da desatenção, desigualdade, inconsistência e consumo ávido. Sem tais ingredientes não se mantém”. 

Por: Eliana Rezende Bethancourt

A exclusão digital também se configura pela forma como indivíduos se apropriam desta tecnologias, e isto pode significar ter ou não ter determinado aplicativo ou aparelho. Mas também pode significar única e exclusivamente saber utilizar a parafernália que os acompanha ou até não conseguir acesso à redes WiFi. 

O que é ponto pacífico em um ou outro caso é que a exclusão digital anda pare-passo com a exclusão social. São simbióticas e pertencem a indivíduos que antes de tudo, estão em uma determinada camada da sociedade. A exclusão digital é portanto, um dos produtos de que a exclusão social é capaz de fazer. 
Podemos considerar que o acesso à internet estendida a todos os cidadãos figura como uma categoria de Direitos Humanos que deve ser oferecida a todos indistintamente.

Por exemplo, no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos é assegurado a todos os seres humanos o direito à informação. O texto segue como encontrado:

“Artigo 19: Todos os seres humanos têm direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.”

Declaração Universal dos Direitos Humanos, ONU

Mas o acesso a informação por si só não oferece a igualdade de condições entre as diversas pessoas e nem mesmo a apropriação desta para a produção de Conhecimento. É neste sentido que a Economia de Conhecimento enfrenta muitos desafios, em especial o que lida com a exclusão digital, que se transforma numa grande barreira para que o salto qualitativo de fato se dê na sociedade como um todo. Tal fato se dá porque a produção de Conhecimento necessita de fatores intrínsecos e extrínsecos ao próprio indivíduo para que se realize. Dar acesso por si só não é garantia de quase nada. A informação propiciada por meios tecnológicos necessita ser apropriada e transformada em experiência prática pelo próprio individuo que deverá ser incluído tanto por ferramentas como por saber identificar como elas podem ser usadas.

A pior parte de uma forma de exclusão como a que temos em nosso país é ela ocorrer em pleno momento da história que se diz que vivemos no tempo da sociedade de informação. Mesmo esta expressão intelectualmente construída para caracterizar um tempo de explosão informacional e de recursos tecnológico esbarra nos abismos sociais e culturais que diferentes partes do mundo possuem. E ao que tudo indica, como sempre ocorreu na história, estes bens não terão ampla distribuição e acesso à todas as parcelas da sociedade.   

E ainda temos outro ingrediente fundamental: não basta apenas haver meios disponíveis em termos nacionais de tecnologia se as pessoas não souberem como utilizar as diferentes ferramentas para otimizar sua vida e seus trabalhos, e com isso ser capaz de produzir conhecimentos ou melhores condições na elaboração de suas atividades cotidianas e de trabalho. Sem entender esta lógica, dificilmente haverá benefícios gerais.

Donde se conclui que a exclusão digital pode ocorrer de diferentes maneiras:

  1. A primeira e a mais visível é o individuo não ter o acesso à computadores, internet ou outros meios digitais que favoreçam o acesso e a troca de informações.
  2. Analfabetismo digital e às vezes, também funcional, onde o indivíduo simplesmente não compreende o básico necessário para ler e usar comandos tecnológicos simples sem auxílio de uma outra pessoa
  3. Incapacidade de saber usar ferramentas básicas de todos os dias que o auxiliariam em tornar o desenvolvimento de suas atividades cotidianas.
  4. Puro e simples desinteresse. Onde o individuo não sabe e não se interessa em aprender.

O que é certo é que a exclusão econômica leva à exclusão digital quase que de forma espontânea. A exclusão digital é quase o produto final de uma exclusão econômica que em geral, se atrela à uma exclusão social.

Por isso, é fundamental entender que não basta apenas haver internet, redes ou equipamentos. Se não enfrentarmos a exclusão social e econômica, a exclusão digital NUNCA será eliminada ou minorada. Por isso, precisamos entender que políticas públicas NECESSITAM ser implementadas e pensadas tomando-se em conta esta realidade no nosso país e o caminho primeiro é via da Educação.

Afinal, se fazemos mais, melhor e mais rápido com o uso e apropriação de tecnologias por que ainda há abismos entre nós?

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Mídia hegemônica e seu séquito de midiotas

Por: Eliana Rezende Bethancourt

O século XXI inicia-se sob a égide da tecnologia e do acesso à Informação.
Moeda social de fácil circulação, a informação abunda em diferentes meios e suportes. Partilhada, compartilhada, inventada, emendada, negociada é exposta como sendo “direito” de todos.

Em sua origem, seria algo muito interessante.

Mas infelizmente o acesso irrestrito e em profusão de informação longe de representar um ativo, é em muitos casos um passivo de difícil gerência.

Um simples zapping nos canais de noticias (incluem-se aí: rádios, TVs e mesmo portais informativos), para alguns, nos fará notar um único diagnóstico: a imprensa vem sofrendo do que poderiamos chamar de crise de inteligência. A forma como tudo é apresentado: simplista e maniqueistamente nos faz pensar sobre, afinal qual seria o papel do jornalista de carreira.

Em sua maioria vemos uma rasa superficialidade, onde a ausência de uma reflexão ou aprofundamento de um fato simplesmente não existem. A obviedade de todas as construções chamam a atenção. Calcada em quase boatos, factoides, o jornalismo tende a nos fornecer construções folhetinescas. Deficiências primárias de contextos, estudo e análises.

Boas perguntas deveriam ser matrizes para boas respostas. Mas se aquele que deveria saber perguntar não o faz por não saber ou não querer, como obterá bons resultados?

A trama construtiva em cada um dos casos ganha o uso de bordões, chavões que massacram ouvidos e compreensões numa nítida tentativa de impor-se como uma única via e como tal, sem possibilidades de questionamentos e confrontos.

A fragilidade discursiva se coloca ao mesmo tempo em que nitidamente vê-se o impositivo de explicações maniqueístas de vida e de mundo, em especial nas temáticas com viés político e econômico. Numa teatralidade igualmente carente de brilho e talento, repórteres, âncoras e jornalistas tentam atrás de teleprompters convencer os que estão do outro lado da seriedade de seu relato ou gravidade de suposições, através de gestuais e franzidos de testa. Como se credibilidade se construísse por teatro e jogo cênico!

Frases quase sempre construídas com verbos como “teria dito, teria falado, teria visto” poluem textos, turvam mentes e são apenas fumaça que serve apenas para nebular os sentidos.    

Alçados em mediadores entre “fato e interpretação”, tal impressa monotômica reduz perspectivas, banaliza interpretações, reduz possibilidades. Oferece-nos um mundo monocromático e patinado.
Reduzido em matizes, possibilidades e interpretações.
Tal quadro vem se agravando de forma assustadora.

Se pesquisarmos jornais dos séculos XIX e XX veríamos que os principais articulistas, cronistas e jornalistas eram homens de letras. Faziam escola na escrita de textos construídos com rigor e maestria. Muitos eram de fato obras-primas. O bom português era cultivado e aprendido. Os artigos eram construídos com rigor e responsabilidade. E mesmo sendo uma mídia partidarizada, os textos tinham sua virtude e encanto.

Mesmo quando a pauta era investigativa, os responsáveis iam fundo nisso. Checavam suas fontes e não deixavam nada a ser de fato investigado. Não calcavam-se em boataria de portas de presídios e corredores de fábricas e hospitais. Simplesmente investigavam. Hoje o que temos é vergonhoso.

A imprensa move-se e comporta-se de forma infantilizada e, em muitos casos irresponsavelmente coloca pessoas, reputações, vidas em lugares de injúria, difamação, equívocos e muitas mentiras.
Conduzem todos ao lugar maniqueísta de amor e ódio a ideias, pessoas, projetos. E é nítido que um discurso de ódio acaba sendo o que possui maior apelo: afinal atende de perto à satisfação imediata do maniqueísmo primordial humano.

O ódio é mais fácil ensinar que o amor porque ele (o ódio) dá um propósito imediato, sem qualquer esforço, enquanto o amor é nada além da bravura constante em face da incerteza total.

Tal estado de coisas, leva jornalistas, que de fato fazem jornalismo, a simplesmente parar tudo e refletir.

Nas palavras lúcidas de Luciano Martins Costa, ao se despedir do Observatório da Imprensa, depois de 15 anos de trabalho diário:

(…) Este observador vai interromper por tempo indeterminado suas análises diárias da imprensa brasileira através deste canal.
Os motivos que levam à interrupção desta jornada são muitos, entre os quais não é possível fazer uma hierarquia de relevâncias. Talvez fosse possível contornar alguns deles, mas há uma causa que não pode ignorada: não há muito mais o que se analisar na mídia informativa brasileira.
Os principais veículos da imprensa se transformaram em panfletos políticos e vasculhar o noticiário em busca de jornalismo que valha uma referência tem sido como buscar um fio de cabelo no palheiro.

A única pauta que interessa à mídia tradicional do Brasil é a agenda da desconstrução da aliança que controla o Poder Executivo desde 2003.
Mas essa é uma questão que os leitores atentos reconhecem em cada linha do noticiário, em cada expressão dramática nas faces dos apresentadores dos telejornais de maior audiência. Os demais – aqueles que tomam por verdadeiro tudo que sai na imprensa – seguirão repetindo a linguagem chula dos pitbulls que trucidam a língua culta e subvertem a narrativa jornalística.

Mas sabemos todos que, uma vez colocada a lente da crítica sobre a imprensa, você nunca mais vai ler jornal do mesmo jeito“.

De outro lado, tais agentes panfletários encontram ouvidos e mentes, não de leitores (que supostamente deveriam saber ser críticos e não simplesmente tomar cada vírgula como verdade absoluta),  mas do que o próprio Luciano Costa, chama de “midiotas“.

Os midiotas são aqueles que tomam os relatos de forma bidimensional. Não são capazes de entender contextos e conexões de sentido. Faltam-lhe estofo e dimensões  históricas, sociais, políticas. Não entendem o mundo como produto de relações que se tecem no tempo/espaço. Assim, mundo ganha ares apocalípticos. É o maniqueismo fundamentalista ganhando ruas e tendo nos midiotas um coro de rancores, preconceitos, xingamentos, e tudo o que de mais vil os meios de comunicação podem produzir. Tomam o que leem de forma literal e, pior do que tudo, reproduzem como chavões o pobre linguajar chulo de pitbulls. Em sua visão torpe acreditam estar fazendo crítica social!

Em verdade, são incapazes de articular um raciocínio crítico ao que lhes é exposto em quantidade por uma mídia hegemônica que pratica todo o tempo a desinformação como tática.

Estes midiotas desconhecendo as sutis distinções e matizes de pensamento do político, social, cultural conseguem posicionar-se mais frequentemente em meros termos moralistas e legalistas, de bem e mal absolutos. Afinal, é a forma mais rudimentar e primitiva de pensamento, a mais simples de todas.
Não sabem que entre um polo e outro há uma imensidão de nuances e perspectivas.
Não sabem que História não se escreve em dias ou horas para satisfazer desejos imediatos. Escreve-se no tempo, pelo tempo e sua face não se dá a conhecer apenas por meio de uma manchete sensacionalista.

mais uma vez cito Luciano Martins Costa:

“A opinião pública(da), quando concentrada nas mãos de um cartel, possui grande poder de agendar e interditar debates ao gosto do dono da editoria. Esta distorção gera efeitos deletérios no processo democrático e de tomada de decisões (…) O viés conservador, predominante na mídia, martelado diariamente sobre as pessoas, induz a posicionamentos reacionários, defensivos e individualistas” (…) A sociedade é influenciada na medida em que um grande número de indivíduos perde a noção daquilo que é do interesse coletivo e das responsabilidades individuais na construção de uma sociedade (…) Como o interesse social é difuso, o discurso manipulador da mídia transforma facilmente o sentido dos fatos”.

Sem saber “ler” as intenções deste ecossistema da comunicação, as vítimas tornam-se midiotas carimbados. 

O linguista e sociólogo Noam Chomsky falando exatamente sobre as diversas maneiras das mídias tentarem manipular ou desinformar propões um decálogo das principais técnicas empregadas.
Observe o infográfico:

Tomando como sugestão seu decálogo, apresento a minha interpretação destas táticas:

  1. Distração
    Esta tática é usada de forma frequente e procura saturar um tema sem grande relevância, mas que de certa forma prenda a atenção dos expectadores: assaltos, mortes apresentados sempre em tom de dramaticidade sem profundidade alguma. O fato é dado por ele mesmo sem questionamentos sobre suas causas, efeitos, consequências. Uma avalanche é apresentada uma após a outra e o que se ganha com isso é apenas encher o tempo com o NADA.
  2. O principio do problema-solução
    Aqui é apresentado um grande problema, de novo dramatizado, mas com dados incertos, ou equivocados ou manipulados. Apresenta-se um grande problema e a seguir uma suposta solução quase mágica. Em alguns casos o objetivo é causar comoção ou alarmismo e gerar com isso maior audiência.
  3. Estratégia da gradualidade
    Esta estratégia é usada às vezes por dias, meses, ou até anos para tornar aceitável ao final algo que inicialmente é absolutamente inaceitável. Pouco a pouco ela é introduzida e naturalizada nos meios sociais até ser completamente aceita
  4. Estratégia do Adiamento
    Ao apresentar ideias impopulares ou indigestas o fazem de forma a fazer crer que são medidas necessárias e que trarão resultados no futuro. Como um remédio amargo que precisa ser ministrado.
  5. Comunicação feita de forma infantilizada
    Este recurso é muito utilizado como forma de simplificação e de manter todo o conteúdo num universo bastante raso e sem profundidade. Ao infantilizar as informações as pessoas agirão de forma infantil e não pensarão muito sobre o que está sendo dito. Além de uma forma de manipulação é também uma forma de reduzir as possibilidades de debates, críticas e questionamentos sobre todas as coisas.
    Aqui temos uma das estratégias mais utilizadas por meios midiáticos, pois a simplificação rasa favorece sua disseminação. É o caso por exemplo, de mensagens que circulam no WhatsApp: elas primas pela simplificação rasa e rápida sobre tudo e todas as coisas.
  6. Utilização da emoção para frear a racionalização
    O uso da emoção como recurso midiático principal se dá pelo fato de esta favorecer o bloqueio da capacidade de racionalizar sobre as coisas. Assim, todo tom demagógico e populista explora a emoção como principal caminho de comunicação, em especial com grandes massas. A emoção em geral, turva os sentidos e apela para sentimentos que não se importam com explicações mais aprofundadas.
    Sem questionamentos, a emoção facilita enormemente o convencimento e até a obediência, tornando o indivíduo muito mais influenciável.
  7. Estratégia da ignorância e mediocridade
    Quanto menos uma sociedade possui acesso à informações e conhecimento que seja relevante, maiores serão as probabilidades de manter-se num ponto de mediocridade que não questiona e não é capaz de compreender o que acontece à sua volta. Quanto mais ignorantes sobre temas relevantes, menores as possibilidades de opinar, criticar e influenciar outros.
    Nesta estratégia são parceiros meios midiáticos e meios que detém o poder de forma geral. Garantir ignorância com mediocridade é garantir um projeto de poder e controle sobre massas sugestionáveis e dóceis.
    É usual a noção de que ser ignorante, inculto, vulgar ou estúpido é algo da moda e um valor a ser buscado. O incentivo à ignorância é feito com orgulho.
  8. Introdução de modelos de comportamento
    Os meios de comunicação não são apenas de informação. São também os meios de publicidade que oferecem modelos de consumo de ideias, produtos e comportamentos. Quanto maior a mediocridade reinante mais fáceis serão a introdução de modelos de comportamentos enquadrados e previsíveis. A mediocridade acaba sendo o meio mais eficaz de manipulação com excelentes resultados, já que seres pensantes dificilmente se deixarão influenciar por este ou aquele comportamento massivo.
  9. A Estratégia da Autoculpabilização
    Esta estratégia é uma das mais bem sucedidas em ambientes midiáticos, profissionais e até religiosos.
    Aqui o individuo é o responsável por todos os seus fracassos, sucessos, infelicidades. O emprego perdido, a baixa remuneração, as dificuldades em sua formação são todos tomados como parte de sua grande culpa.
    Com esta estratégia a pessoa nunca se rebelará contra a sociedade ou o sistema que o oprime, tira-lhe o emprego, marginaliza ou reduz salários. Ele se sentirá responsável, se culpará, se autoflagelará. E o mesmo acontecerá no caminho religiosos deste individuo: ele se humilhará e se penitenciará diante de um deus perfeito. Sempre se considerará indigno e miserável sob todos os aspectos.
  10. Onisciência e Onipresença Midiática
    Os meios digitais hoje em dia são capazes de saber sobre nós mais do que nos próprios seriamos capazes. Sabem sobre nossos prazeres, desejos, deficiências. Todos os dias fornecemos inúmeros dados sobre o que somos, como somos e de que forma fazemos, com quem nos relacionamos e o que priorizamos. Rapidamente nos tornamos escravos de um amo que tudo sabe e o próximo passo para a chamada servidão voluntária está dado. Sem notarmos não saímos mais dos muros desta prisão digital, onde pensamos estar junto com todos, mas em verdade desfrutamos da mais absoluta solidão algorítmica. Somos apenas distraídos pela fantasia de comunidades e amigos, e presas fáceis de todas as estratégias citadas acima.

E assim seguimos observando escritos e leitores de um tempo onde a crise de inteligência midiática impera e uma fauna rica em equívocos prolifera. Tempos onde a massa de manobra é grande e não sabe para onde vai. Seguem amontoados movimentos de manada repetindo mantras, sem noções de passado, presente ou de qualquer perspectiva de futuro. Não entendem como o mundo e todo seu entorno é feito de contextos, muito mais complexos do que os apresentados no noticiário.

Que falta boas letras e leitores fazem! 

* Versão atualizada e revisada de post publicado originalmente no meu Blog, o Pensados a Tinta

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O Sequestro das Palavras

Por: Eliana Rezende Bethancourt

Há momentos em que as palavras adormecem.
Calam-se, não conseguem dar as mãos para formar uma ciranda de sentidos, sentimentos, argumentos, convicções, ideias, utopias.
Seu silêncio faz-se tão alto que torna-se ensurdecedor e nos põe diante de nossa total incapacidade de com elas travar combate.

Fortes e destemidas as palavras nos auxiliam a pôr em trânsito nossas ideias e sentimentos mais profundos. São ferramentas que materializam o subjetivo que nos habita. São tijolos que constroem: de pensamentos a projetos, de sentimentos a desencantos.

Colocadas lado à lado e numa ciranda perfeita podem estimular e aglutinar pares, atrair sentimentos similares, fortalecer combalidos, dar esperança a desesperançados.
Mas quando elas parecem secar é como um deserto que nos toma. Nele apenas o desconforto das temperaturas, os ventos que mudam tudo de lugar e que possuem poderes de movimentar montanhas inteiras, soterrando e sufocando tudo o que está em seu caminho.

As palavras que enchem páginas com seus contornos de símbolos, sinais, formas e ideias são solicitadas em determinados momentos mais do que em outros.
Por exemplo, espera-se em geral, que transcorrido um ano inteiro e às vésperas do inicio de um novo ano expectativas e esperanças se renovem e encontrem ares para se expandir e contagiar. As palavras aqui deveriam ser veículo de estímulo e de esperança.

Mas especialmente no dia de hoje para mim é um dia de palavras silenciosas (disse isso em 1º de Janeiro de 2019, quando da posse do inominável jb e a repito hoje – 07 de Setembro de 2022 na data que deveria ser de comemoração do Bicentenário de nossa Independência).
A mente, aquela que constrói as palavras pressentia naquele momento tempos de tempestade e obscurantismo que permanecem ainda hoje em data que poderia ser uma celebração da nossa História. Temos ares que matam as palavras ou as fazem natimortas.

Nestes tempos, não há respeito ou apreciação pela palavra polida, límpida e lapidada. É um tempo de poucos recursos semânticos, de prazer na desconstrução de ideias, pessoas, reputações, com desprezo pelo diferente, divergente.
Tempos de ode à ignorância e ao pensamento fácil e populesco.
Um tempo onde símbolos são sequestrados e colocados num não lugar de representação e representatividade.

Mas, como nenhum movimento pode por si só extinguir o que é como rio, as palavras voltarão com certeza ante a diversidade.
É o inverno das palavras, que adormecerão aguardando a sua primavera para florir em grandes botões e explosão de cores. Estarão, nesta fase de hibernação, confortada por mais palavras, só que desta feita escrita por outros pares, outras mentes, outros arquitetos do saber. Armazenadas em relicários, que convencionamos chamar livros e que tornam-se fiéis depositários de séculos de pensamento humano e histórico.
É aí no conforto destas palavras que aguardarei as minhas.

Sei que símbolos são forjados e a História não se constrói numa data. Como as camadas que segmentam rochas a História vai se sobrepondo e sendo depositada, e com as palavras conseguimos construir seu caminhar através dos Tempos.

De pronto espero acontecimentos.
Não estou nem esperançosa, nem feliz.
Mas sei também que a História não é feita de um e nem de poucos, e com certeza ela permanecerá, por mais que se tente retirar dela significados, ideias, pessoas, símbolos. E nesta tarefa da permanência e imanência que as palavras garantem que a História se perpetue, para além de seus detratores.
O que direi portanto aos que como eu sentem-se expropriados de suas palavras?

Desejo que a aspereza dos dias mostrem caminhos criativos para que as mentes se libertem ainda mais. Que os pensamentos se fortaleçam e edifiquem com robustez para que as palavras não deixem de ser pensadas, ditas, escritas, disseminadas. Serão nossa fortaleza em tempos de crueza.

Enquanto as palavras não chegam e como forma de conforto, escolho encerrar com o canto que vem dos povos da floresta. São duas mulheres indígenas que nos oferecem essa maravilha: Djuena Tikuna e a Tainara Kambeba. Ouça, encante-se e emocione-se!

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Arquitetura e Literatura: uma escrita sempre possível

Por: Eliana Rezende Bethancourt

Por muitas vezes a cidade emprestou à literatura cenários para seus escritos. É no espaço destas que enredos podem ser criados, personagens transitam e se relacionam. Ao mesmo tempo, a cidade é palco de relações e tensões que podem trazer à escritos dimensões diversas de perspectivas.  

A proposta aqui é aliar todos os interesses acima com um passeio ficcional por imagens escritas e pintadas de cidades e personagens inusitados. 

Serão duas trilhas que te levarão por diferentes construções imagéticas, arquitetônicas e visões de mundo de cidades. 

Labirintos de possibilidades do olhar.  

City #8: Vaddooi (David F): uma cidade autossustentável

A licença para abordar dessa maneira cidades vem de um italiano que nasceu em 1923. 
Ítalo Calvino é o seu nome. Seu argumento não poderia ser mais inusitado: o que contaria um mercador veneziano, o mais famoso de todos, a um imperador tártaro? Estamos falando de Marco Polo e suas descrições de cidades e aventuras do império mongol a Kublai Khan, estimada em torno do século XII. As descrições arquetípicas dão-nos vistas de cidades imaginárias e, portanto, invisíveis. 

O encontro que surpreende pela natureza do diálogo descritivo, traria à tona imagens e tons de 55 cidades pertencentes ao império tártaro, narradas e pintadas poeticamente pelo mercador ao imperador confinado e recluso em seu castelo, curioso por saber sobre quais eram as dimensões de seu império. 

E assim surgiam imagens caleidoscópicas de cidades e mundos…de vidas e relações urbanas.
Uma narrativa que coloca em causa que o urbano transcende em muito sua arquitetura e que são os habitantes e as relações que tecem com seu espaço que dão o sentido de cidade. É por isso que cada uma delas possui tantas características e peculiaridades que podemos dizer que possuem alma.

Referindo-se por exemplo a uma de suas cidades descritas a Kublai Khan, Marco Polo nos deixa saber a relação que tais cidades possuem com as Memórias. Em uma nota sobre a cidade de Zaíra lemos:

“(…) A cidade se embebe como uma esponja dessa onde que reflui das recordações e se dilata. Uma descrição de Zaíra como é atualmente deveria conter todo o passado de Zaíra. Mas a cidade não conta seu passado, ela o contém como as linhas da mão, escrito nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimãos das escadas, nas antenas dos para-raios, nos mastros das bandeiras, cada segmento riscado por arranhões, serradelas, entalhes, esfoladuras” (…).

Este olhar sobre as cidades é revelador, pois nos faz pensar que a cidade tem a sua escrita, e esta é dada por todas as intervenções que como cicatrizes vão se sobrepondo sobre seus solos e geografia. Todos os seus ângulos edificados, contornos de ruas, caminhos e construções falam dela e sobre as pessoas que a habitam.
Estranho pensar que a cidade imaginária de Zaíra tenha tanto a nos dizer sobre as nossas cidades. Nossas cidades também não contam sua história elas contém o seu passado a partir do que temos marcado em cada uma delas.

Pergunto-me o que fazemos quando as nossas cidades capitalistas ocidentais ganham caminhos autofágicos e simplesmente consomem o que existe de registros do passado. As novas edificações se sobrepõe às cicatrizes existentes e vão apagando por sobreposição. Somente permanecendo as camadas do tempo em suas construções.

Leônia é outra cidade interessante. É uma cidade que se refaz a si própria todos os dias. Se em outras cidades a relação se dá pelo que se esquece ou lembra, em Leônia a relação se dá com o que se joga fora. Se metaforicamente podemos pensar sobre valores e apegos, no campo material Leônia aproxima-se de uma concepção usual nas nossa cidades de que não temos que nos preocupar com o lixo que produzimos. Temos a falsa sensação de que tudo está novo e pronto se o passado for jogado fora. Vejam a descrição:

(…) Nas calçadas, envoltos em límpidos sacos plásticos, os restos de Leônia de ontem aguardam a carroça do lixeiro. (…) O certo é que os lixeiros são acolhidos como anjos e sua tarefa de remover os restos da existência do dia anterior é circundada de um respeitoso silencio, como um rito que inspira devoção, ou talvez apenas porque, uma vez que as coisas são jogadas fora, ninguém mais quer pensar nelas.(…)
O resultado é o seguinte: quanto mais Leônia expele, mais coisas acumula; as escamas do seu passado se solidificam numa couraça impossível de se tirar; renovando-se todos os dias, a cidade conserva-se integralmente em sua forma definitiva: a do lixo de ontem que se junta ao lixo de anteontem e de todos os dias e anos e lustros”.(…) A imundície de Leônia pouco a pouco invadiria o mundo se o imenso depósito de lixo não fosse comprimido, do lada de lá de sua cumeira, por depósitos de lixo de outras cidades que também repelem para longe montanhas de detritos. (…) Os confins entre cidades desconhecidas e inimigas ~soa bastiões infectados em que os detritos de uma e de outra escoram-se reciprocamente, superam-se, misturam-se. (…)


Marco Polo, tecendo um verdadeiro labirinto discursivo trazia magia e encantamento à cada cidade e suas características dispostas em blocos temáticos (as cidades e a memória, as cidades e o desejo, as cidades e os símbolos, as cidades delgadas, as cidades e as trocas, as cidades e os mortos, as cidades e o céu…). Todos perfilados com nomes e arquétipos femininos.

City #6: Uaeinn (Katie D): uma cidade de clones

A escrita às vezes, possui essa magia de “pintar” imagens e nos  transportar para elas, nas palavras de Claudio, nas “Cidades Invisíveis” de Calvino: “ser siderado é mesmo uma delícia!”. 

As cidades descritas ganhavam contornos por suas ruas, por suas linhas curvas ou retas circundando espaço e lugares, ou por ângulos que compunham ruelas e pontes ou enquadramentos dispostos por janelas, nos seus entalhes como cicatriz, nas suas pedras como mosaico.

A narrativa de Ítalo Calvino nos dá essa sensação de escrita fácil e fluída. Uma escrita construída a partir da concretude imaginativa de perspectivas e olhares. 
De todas as suas descrições, talvez você seja capaz de encontrar uma cidade para chamar de sua.
Experimente!
Descubra Calvino clicando aqui e passeie por ruas e construções de suas cidades invisíveis, descortinadas por um personagem único e sensível.  

Conheça e deixe-se encantar por Isaura, Cecília, Cloé, Zora, Adelma, Otávia, Fedora, Zoé, Olívia, Leandra, Eudóxia, Clarice, Leônia, Irene, Zaíra, Olinda, Raíssa, Teodora, Berenice, entre tantas outras. 
Mas se são de imagens que estamos falando, acrescento outras feitas como ilustração. 

City #4: Ukivy (Vicky D): as sementes em seu tempo

São as Cities of You onde imagens as imagens ficcionais de Calvino ganham tons oníricos.  O trabalho é de Brian Foo, artista e cientista da computação com um portfólio interessantíssimo. Segundo o próprio autor, seu trabalho:

“(…) se concentra em tornar os recursos públicos, como coleções audiovisuais, conjuntos de dados científicos e objetos culturais mais acessíveis e remixáveis ​​para o público em geral. Costumo fazer isso por meio de visualização, sonificação, imersão e brincadeira. Adoto uma abordagem pública ao meu trabalho, onde documente abertamente minhas decisões criativas e técnicas, bem como compartilho minhas ferramentas, software e recursos para que outros copiem, ampliem e adaptem.(…)”

Sendo assim, se permita perder-se nesse universo de imaginação e quase sonho. Sei que não se arrependerá.
Visite cada uma delas e faça um paralelo com o texto de Calvino.

Perder-se em uma cidade, como dizia Walter Benjamin, é também uma forma de se achar! 
Destarte escolha, se for capaz, uma delas para chamar de sua.
Enquanto isso minha votação sobre a ilustração de cidade e talvez sua relação com o espaço que aqui partilhamos vai para a City #1: Fraboo (Brian F), Otávia, suspensa em teias sobre um abismo. É uma das chamadas Cidade Delgadas.
Conheça-a:

Otávia: a cidade teia de aranha

Nas palavras de Calvino: 

“Essa é a base da cidade: uma rede que serve de passagem e sustentáculo. Todo o resto, em vez de se elevar, está pendurado para baixo: escadas de corda, redes, casas em forma de saco, varais, terraços com forma de navetas, odres de água (…) trapézios e anéis para jogos, teleféricos, lampadários (…)Suspensa sobre o abismo, a vida dos habitantes de Otávia é menos incerta que a de outras cidades. Sabem que a rede não resistirá mais que isso.”

A ideia dessa cidade em rede onde seus fios tecem a garantia de que nunca ninguém saia dali ou que pise em terra firme pode ser uma metáfora interessante…

Seria Otávia a cidade onde toda a rede virtual que nos prende, enlaça e aninha se encontra? Seriamos nós habitantes de uma Otávia no ciberespaço?
E qual é cidade para chamar de sua?

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Os Analfabetismos do Século XXI

Por: Eliana Rezende Bethancourt

De uma sociedade que chegou a ser chamada de sociedade de informação temos nos convertido num exército de analfabetos surgidos do modo de viver digitalmente neste principio do século XXI. 

O volume avassalador de informações produzidos e reproduzidos em rede tem mostrado o quanto quantidade tem sido inversamente proporcional à qualidade.
O desenho propiciado por plataformas e aplicativos digitais favorecem que as informações fragmentadas possam circular em grande quantidade e fazer um rastro imenso em diferentes camadas da população. Este estilhaçamento faz com que a mesma informação alcance nichos diversos com capacidades diversas de lidar com tais fragmentos.

Ou seja, apesar da possibilidade de maior velocidade de compartilhamento tais registros não primam por reflexão e aprofundamento. É um plainar raso sobre todo e qualquer tema. Com um outro agravante: em segundos e um clique todos se convertem em especialistas de TODOS os assuntos e temas, em vários casos, com perspectivas e defesas tão apaixonadas que podem gerar muito barulho e furor.

É óbvio que as redes surgiram para interação entre pessoas, e tinham como principal objetivo agilizar assuntos sem aprofundá-los. Era algo muito interessante inicialmente. O que ocorreu a seguir foi começar a se converter na única forma de comunicação em diferentes ambientes. De rodas de conversas entre amigos e familiares, sua adoção foi por outros setores e rapidamente foi tragada por ambientes institucionais e até educacionais. 

Tudo isso somado: superficialidade + agilidade resultou em uma gama imensa ou de publicidades de todas as ordens, em especial as indesejáveis, e de outro muuuita desinformação. O pulo para desinformação foi favorecido exatamente por esta incapacidade de ler e ter crítica sobre o que se lê. Atentem que a palavra crítica aqui possui aquele sentido de ser capaz de aprofundar um tema ou assunto por que a pessoa se deteve e estudou para aquilo, a boa crítica deveria se assentar em argumentos e bons fundamentos.
Mas não é o que temos.

O fundo deste problema é uma geração inteira que nasce e cresce num ambiente onde as redes sociais dominam e a elaboração de um pensamento crítico e aprofundado é cada vez mais abandonado. 
No geral, e propiciado por tais comunicações rápidas das redes, os mais jovens mostram uma quase incapacidade de concentração, análise e reflexão sobre um determinado tema. 

“A atenção fragilizada e dispersa somada a incapacidade de pensamento reflexivo nos leva diretamente  aos mais novos analfabetos do século XXI. O analfabetismo aqui tem rastros e vícios digitais. Muitos não conseguem se quer escrever com letra cursiva ou escrever corretamente sem um corretor ortográfico acionado. Pensamentos mais complexos e correlacionados quase ficam inviabilizados e o exército destes analfabetos aumentam dia a dia  e são facilmente mensurados no número de desempregados ou sem profissões. Muitos não conseguem reunir o mínimo necessário para se capacitar e desenvolver um pensamento mais abstrato e robusto”. 

Por: Eliana Rezende Bethancourt

Não confundir esta forma de analfabetismo, que é a incapacidade de formular raciocínios mais complexos e profundos em direção ao pensamento mais reflexivo e critico com o que denominamos analfabetismo digital.

Neste caso, o analfabetismo digital se refere à ausência de acesso aos meios digitais. São pessoas que mesmo alfabetizadas no sistema tradicional não conseguem usar e se valer das diferentes tecnologias digitais. Possuem dificuldade em utilizações básicas de editores de textos, planilhas, visualização ou produção de documentos em meios digitais.  

O analfabetismo digital está intimamente relacionado à pobreza.
A tecnologia não é um sistema igualitário e sua manutenção e atualização exige recursos. Quem não os possui será automaticamente alijado de todo o sistema.
Neste sentido, o analfabetismo digital é mais uma face da desigualdade social, cultural e econômica que aflige milhões na humanidade. 

Convivendo com tais formas de analfabetismo temos o mais popular de todos e que precede os que abordamos até aqui que é o analfabetismo funcional.

O analfabetismo funcional vem se transformando num clássico entre diferentes níveis de escolaridade, pois atinge de forma irrestrita uma grande gama de todas a população supostamente escolarizada.

O analfabetismo funcional pode se manifestar de diversas formas, mas as mais usuais são os casos em que o individuo de fato aprendeu a ler e tecnicamente aprendeu a fazer uma leitura pragmática envolvendo seu dia-a-dia, mas que não é capaz de interpretar um texto ou compreender subtextos. O analfabeto funcional possui seu diploma, mas é incapaz de ter um raciocínio bem elaborado ou fundamentado sobre um tema, não é capaz de construir argumentações ou fundamentações valendo-se de seu aprendizado.

Por isso, é usual encontrarmos analfabetos funcionais em níveis considerados superiores, onde a pessoas passam por processos de alfabetização, consegue ingressar em cursos que não exigem tanto em seus processos seletivos, e por isso, serão incapazes de exercer suas profissões porque simplesmente não conseguem ir além da mera leitura.
Não constroem ou elaboram a partir do que aprendem, e por isso, também não são capazes de emitir posicionamentos ou pesquisas circunstanciadas sobre o que quer que seja.

Vê-se que quando temos estas sobreposições de analfabetismos estaremos diante de um grande problema não apenas escolar mas sociocultural.

É preciso compreendermos as diferentes camadas de que são feitos tais analfabetismos, para que em todos os casos seja devolvido a estes atores a possibilidade de ter pleno acesso e cidadania social, cultural e digital. Sem compreender isso, estaremos mergulhados num pântano de preconceitos nebulosos e total incapacidade de viabilizar informação para a produção de conhecimento.

De tudo o que foi mencionado, fica claro que todos aqueles que se dedicam aos temas acima e suas conexões com a Educação terão obrigatoriamente de tomar em conta os caminhos de desigualdade social que atinge nossa população de forma avassaladora.
A partir da pandemia de Covid19 todos estes elementos se entrecruzaram e revelaram um país com muitas dificuldades e obstáculos a vencer. Foi escancarado o que já institivamente sabíamos: os fossos educacionais se estreitavam cada vez mais quanto mais carentes eram os públicos.

Milhões de alunos ficaram completamente reféns de uma situação que mostrava aos quatro cantos que seus pais e outros membros de sua família sofriam de vários níveis de analfabetismo e que pouco ou nada poderiam ajudá-los em suas dúvidas.

E não foi difícil encontrar educadores que também sentiam em maior ou menor grau seus limites em relação à alfabetização digital.

Assim, fica absolutamente claro que se não cuidarmos de nossas desigualdades todas as outras camadas de dificuldades apenas se aprofundarão e irão compor uma verdadeira erosão social e cultural em nosso país em pouquíssimo tempo. A digitalização do mundo está sendo responsável, ao mesmo tempo em que oferece novas profissões e caminhos de subsistência, um grande exército de desocupados que simplesmente não conseguem assimilar este novo mundo.

O laço estreito entre analfabetismo digital e exclusão digital ocorre na medida em que parte considerável da população é alijada dos meios possíveis para gerar riqueza e conhecimento a partir destes meios digitais. Isso ficou muito patente durante a pandemia de Covid19 quando milhões de pessoas não tinham como realizar seus trabalhos remotamente, ou crianças que não tinham como ter suas aulas online.

Mas a exclusão digital possui outros tentáculos e por consequência outros alcances:
– é uma importante barreira a ser vencida para os que desejam produzir saber e conhecimento;
– acentua diferenças sociais
– dificulta acesso ao trabalho e por consequência melhoria nas condições de vida e renda;
– acentua o isolamento e a distância de territórios e pessoas (quanto mais distantes e pobres os territórios de exclusão digital aumentam)

Esta exclusão digital não possui um único tipo. Ela pode ser subdividida em:

  • exclusão de acesso
  • exclusão de uso
  • exclusão de qualidade no acesso

    O que este itens significam? Eventualmente as pessoas simplesmente não conseguem ter acesso ao meio digitais. Outros até podem possuir o acesso, mas não dominam de forma eficaz tais meios. E finalmente, há aqueles que possuem o acesso, conseguem usar algumas de suas possibilidade e ferramentas, mas não possuem conhecimento diversificado e aprofundado para tirar o máximo proveito de todos os recursos que estariam disponíveis.

    Ou seja, a exclusão digital é tão complexa quanto a exclusão social, mas possui uma série de variáveis que interferem em todo o processo e estes estão totalmente ligados aos meios digitais.

“Especificamente no caso do Brasil, a exclusão digital se assenta nas desigualdades sociais, culturais, econômicas e históricas.
Daí sua complexidade e acabar se transformando em reflexo de todas elas”.
E o principal: a exclusão digital e a exclusão social se retroalimentam reforçando uma à outra.

Por: eliana Rezende Bethancourt

Não enfrentar isso, significará ter um país cada vez mais empobrecido, famélico e sem possibilidades de exercer atividades que lhe ofereceram uma remuneração que mantenha a si e sua família.

É disso que teremos que tratar como cidadãos que ensinam e lutam por igualdade e cidadania digital e social .

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Cavernas como Acervos Vivos: seu valor de Patrimônio Natural

Por: Eliana Rezende Bethancourt

Recentemente nos defrontamos com mais um ataque ao meio ambiente em relação a um decreto que entre outras atrocidades autoriza a destruição de qualquer tipo de caverna para a construção de empreendimentos considerados de “utilidade pública”. Bastariam apenas supostas compensações e em virtude do benefício econômico qualquer outra perda seria justificada.
Até a assinatura deste decreto presidencial nº 10.935/2022, as chamadas cavidades subterrâneas de alta relevância, estavam inseridas sob a proteção de unidades de conservação. Ao ser assinado o decreto a proteção que estas unidades teriam contra tais empreendimentos fica anulado. Não apenas isso: até mesmo o cinturão em torno destas cavidades ficam sob risco. A situação fica ainda pior quando sabemos que boa parte destas cavidades estão situadas em áreas de mineração, o que levaria a sua completa extinção.

Enrico Bernard, que também é presidente da Sociedade Brasileira para o Estudo de Quirópteros (SBEQ), voltada para pesquisa sobre morcegos explica o que tudo isso pode significar: “Se baixarem uma norma que mineração é atividade de utilidade pública, isso abre a porteira para que os órgãos ambientais estaduais passem a considerar toda a atividade de mineração de utilidade pública e possam autorizar os impactos nas cavernas de máxima relevância. A boiada está em curso”.

Para entendermos o perigo deste conceito de declaração de “utilidade pública” por parte do empreendimento basta vermos o leque amplo a que se refere: sistema viários, mineração, radiodifusão, telecomunicações, energia, saneamento. Se o empreendedor “provar interesse público” está autorizado a simplesmente destruir e depois quem sabe fazer uma “compensação”. Mas a importância destas cavidades está exatamente por serem singulares e únicas, e portanto, por mais que se tente NUNCA uma substitui ou compensa a outra.

É importante pontuar que as chamadas cavidades naturais subterrâneas (cavernas) apesar de serem dividas em máxima, alta, média e baixa relevância apresentam diferenças substanciais entre si, e NENHUMA delas é idêntica à outra. Em geral, estas cavidades encontram-se em locais que compõem em suas proximidades até sítios arqueológicos. Um exemplo recente deste tipo de local foi a necessidade de embargo de uma obra que tinha como objetivo a construção de uma fábrica da cervejaria Heineken em Minas Gerais. A obra foi embargada pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) por risco de danos ao sítio arqueológico onde foi localizado o crânio de Luzia, o mais antigo fóssil humano encontrado nas Américas.

A importância destes espaços e seu entorno são essenciais para que diversas formas de vida se desenvolvam. Além disso, os espaços internos dessas cavidades de alta relevância possuem camadas de informações e registros de outras eras e dos seres que lá habitaram. São documentos vivos de um outro tempo. Guardam segredos de séculos de história. São portanto, Patrimônio Natural e Ambiental, e em vários casos também Patrimônio Arqueológico.

Por exemplo, a SEBEQ (Sociedade Brasileira para o Estudo de Quirópteros) também se posicionou contra as mudanças e afirmou que elas gerarão “impactos enormes e irreparáveis”:
Literalmente, milhares de espécies que vivem em cavernas, incluindo espécies criticamente ameaçadas de extinção e espécies hiperendêmicas (com ocorrência em uma única caverna, por exemplo) estão em risco mais elevado com a publicação do Decreto 10.935. Mais além, os serviços de ecossistema prestados por estas cavernas como, por exemplo, o abastecimento de aquíferos e a contenção de pulsos de inundação, poderão ser gravemente comprometidos“, disse em nota emitida.

Não bastasse isso, o decreto também alterou as definições do seja uma cavidade de alta relevância. A redução de critérios foi de 11 para apenas 7 quesitos. Mais grave ainda é retirar da mão de técnicos do ICMBio, através do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas (CECAV), avaliar as cavidades e autorizar ou não o que quer que fosse. Agora esta responsabilidade fica nas mãos de órgão licenciador, ou seja, fica nas mãos de quem não tem as devidas condições técnicas de avaliação. E, nem imagina quais sejam.
Mas fica ainda pior: foi retirada a obrigatoriedade de se preservar área de 250 m entorno da caverna (este diga-se de passagem, era uma das queixas recorrentes de mineradoras. O presidente da SBEQ comentou: “É uma mudança de legislação que atende como uma luva os interesses das mineradoras”, acrescenta. O pesquisador questiona ainda a falta de transparência para a elaboração do decreto. “Quem é o responsável por essa redação? Porque os setores da sociedade interessados não foram chamados para essa discussão? Esse decreto foi unilateral, sem discussão técnica nenhuma”.

Dito tudo isso, é fundamental compreendermos a importância de, como profissionais ligados à diferentes áreas entre Ciências Humanas e Aplicadas e as Ciências da Natureza, termos a dimensão do que significa a preservação e conservação destas unidades consideradas e definidas como Patrimônio Natural.

Do ponto de vista das definições que se aplicam à Preservação e Conservação, um aspecto muito caro a tais profissionais é de considerar que tais conjuntos formam o que na minha área de atuação são conjuntos documentais. Trazem como inscrições de um passado remoto sua ancestralidade, bem como sua riqueza inscrita nos biomas que mantém, nas camadas de rochas e nos cursos de águas que juntos compõe um habitat único, e em alguns casos, intocados há séculos.

As rochas e seus sedimentos no interior destas cavernas são testemunhas de milhares de anos de história podem ser “lidas” por meio dos elementos químicos que são depositados pela água. Como em textos e subtextos trazem informações sobre a formação deste ambiente, seu clima e o conjunto de condições que propiciaram seu surgimento desde um passado longínquo até os dias de hoje. Estão carregados de informações sobre um passado que só podemos alcançar por meio de sua mediação.

Para além disso, tais cavernas podem se converter em grandes depósitos de fósseis e outros materiais arqueológico exatamente por sua função de abrigo para diferentes animais e seres humanos. Equivalem a grandes acervos que depositam diversos tipos de informação em seu interior.

A degradação que temos assistido em diferentes Patrimônios, sejam eles Culturais, Documentais, Naturais ou Arqueológicos, nos mostram que cada vez mais precisamos entender e lutar para que sejam mantidos para as gerações vindouras. Mantê-los e protegê-los deve ser missão número um de quem compreende seu papel de Responsabilidade Histórica, Social e Civilizacional.
Infelizmente, interesses escusos, imediatistas e econômicos se sobrepõem ao que deveria ser o interesse social mais geral e abrangente e o compromisso de preservação cultural da humanidade em seu sentido mais amplo.

O tema pertence a todos, e só será devidamente tratado e cuidado se entendermos que, enquanto profissionais mesmo de áreas diversas, temos que saber de que forma auxiliar nos debates de educação patrimonial desde muito cedo. Só formando gerações de pessoas que entendem a complexidade do humano e da natureza que podemos de fato fazer a diferença.

Quando permitimos que patrimônios sejam destruídos pelo fogo, pelo abandono, pela ingerência, descaso ou ganância estamos fadados ao esquecimento.
Tempos atrás escrevi um outro artigo onde falei sobre a destruição de vários patrimônios culturais/documentais de nosso país. Intitulado “Patrimônio Cultural e Responsabilidade Histórica: uma questão de cidadania” abordei os tristes episódios do Museu Nacional, Museu da Língua Portuguesa, Instituto Butantã, Arquivo Histórico do Hospital do Juqueri, Tribunal de Justiça de São Paulo, Cinemateca, para ficar em apenas alguns exemplos.
Em todos estes casos, ficou claro que a destruição NUNCA acontece em um determinado dia ou ano. Em geral, o abandono, o descaso vão atingindo o local de forma gradativa, sorrateira e ininterruptamente até que um dia o ‘sinistro’ acontece. O que é uma inverdade, já que em todos os casos os sinais são claros e políticas de abandono eram diuturnamente aplicadas pelos que teriam a obrigação de zelar e proteger estes patrimônios.

Todos os patrimônios pertencem a Humanidade. E, portanto, cuidar deles deveria significar responsabilidade de cada cidadão: cobrando, fiscalizando e agindo sobre os que devem fazer seu trabalho.

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Como em todo debate, não há consenso entre conservacionistas e preservacionistas em assuntos relativos ao ambiente e a natureza. Tal como ocorre na área de Arquitetura e Monumentos existem basicamente duas linhas diametralmente opostas.

Explico:

Os Conservação aplicada a este debate de Patrimônio Natural possui uma atitude de que pode-se fazer uso de recursos naturais de forma responsável e parcimoniosa, no sentido de compreender que os recursos são escassos e finitos. Não colocam objeção à exploração dos recursos naturais com diferentes fins. Como em todos os casos, temos o que são criteriosos e há os que simplesmente barbarizam fingindo ser um conservacionista consciente.
De outro lado, há os preservacionistas que possuem um olhar bem mais radical, que seria manter tais locais intocados sem a permanência ou interferência do elemento humano.

Diferente do que ocorre com Patrimônios Documentais e Culturais, muitas vezes podemos ter uma estratégia híbrida e mesclar conservação e preservação, resultando no que chamamos de conservação preventiva. Ações constantes realizadas no tempo que previnem deterioração e podem inclusive prevenir restaurações.

Por não ser da área de Ciências da Terra tenho dificuldades de opinar sobre o que fazer aqui. Mas sei que permitir um uso desregrado e sem critérios levará a perdas irreparáveis e permanentes deste Patrimônio. E contra isso devemos mover todas as formas de debates e esforços.

A situação em torno de decreto que põe em risco as cavernas me fez sentir a mesma sensação que tenho diante de um acervo que está em vias de ser destruído. Comparo tais cavernas como verdadeiros tesouros de um outro tempo e como documentos de uma história que há muito se passou, mas que ao mesmo tempo interage e garante vidas futuras. Perde-las por ignorância ou ganância é uma temeridade.
Sinto como se estivéssemos diante da iminência de uma destruição em série e completamente irreversível se ficarmos passíveis a isso.

O mesmo aconteceu e tristemente ainda esta ocorrendo com os incêndios na Amazônia, onde fauna e flora ardem e exemplares vivos da nossa farmacea estão sendo completamente dizimados. São igualmente acervos vivos gigantescos de espécimes que ainda não estudamos, catalogamos ou deciframos e que poderão estar extintos. A nossa grande biblioteca verde está simplesmente virando cinzas.

Os acervos e arquivos não precisam estar fechados em instituições, em arquivos ou bibliotecas. Podem ser muito mais amplos e abrangentes. Entender tudo o que nos rodeia como um grande acervo vivo deve nos inculcar um sentido de responsabilidade cidadã. O que significa dizer que precisamos ter um olhar abrangente com o que ocorre em nossa volta e o quanto somos responsáveis por tais perdas, quer como profissionais, quer como cidadãos conscientes.

Como a ER Consultoria pode ajudá-lo?
Na ER Consultoria possuímos metodologia própria para utilizar as informações contidas nos documentos em diferentes tipos de acervos e/ou arquivos para Projetos de Memória Institucional com vistas ao fortalecimento de Identidade e Cultura Organizacional em empresas de diferentes segmentos e suas áreas de atuação. Além de ofereceremos metodologias e técnicas adequadas para a Preservação e Conservação de Acervos e seus suportes físicos ou digitais.

Se você possui dúvidas sobre como tratar seus diferentes patrimônios entre em contato e encontraremos uma forma de auxiliá-lo quer por uma Assessoria Técnica Especializada ou por meio de Capacitações Técnicas ao seu corpo de profissionais.

Conheça nosso Portfólio de Cases e o que nossos clientes tem a dizer

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* Referências:
Convenção para a protecção do património mundial, cultural e natural
Choay, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Ed. Unesp, 2001
Zanirato, Silvia Helena e Ribeiro, Wagner Costa. “Patrimônio Cultural: a percepção da natureza como um bem não renovável”. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 26, nº 51, p. 251-262 – 2006 (acessado em 20/01/2021)
Jornal da USP, 16 de Julho de 2021, matéria de Herton Escobar publicada com o título: “Cavernas do Brasil: um tesouro subterrâneo a ser descoberto, mas já ameaçado“.

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A História por trás de uma Fotografia

Por: Eliana Rezende Bethancourt

Uma fotografia representa sempre um recorte, um enfoque de algo que se quer destacar, na exata medida em que exclui o seu extraquadro. Uma fotografia é sempre o produto da intenção de um fotógrafo que nos dirige o olhar e nos aponta o que deseja pôr em relevo.

A maioria destes registros são compostos pela habilidade técnica de um especialista que se soma a um conjunto de oportunidades. O famoso: estar na hora certa, no lugar certo.

Fico fascinada com vários destes registros, pois congelam um momento que se tornará histórico para a posteridade e nos dará a exata sensação (ainda que irreal) de estarmos vivendo aquele momento e compondo com ele um registro que se cristaliza, muitas vezes nas nossa memórias, e até de toda uma sociedade ou geração. O poder de um registo iconográfico que alcança milhões e dá a todos estes o sentido de pertencimento é algo muito interessante.

O registro que escolhi para falar faz aniversário: foi em 5 de Março de 1960 que um dos retratos mais icônicos e mais reproduzido da história da fotografia foi tirado. O fotógrafo cubano conhecido como Alberto Korda (em verdade chamava-se Alberto Díaz Gutiérrez) produzia o retrato de Che Guevara intitulado posteriormente de “Guerrillero Heroico”. Um registro icônico, pois tornou-se símbolo cultural de toda uma época e que transcendeu em muito a luta socialista travada em Cuba naqueles anos.

Odiado por uns, admirado por outros esta imagem foi composta e recomposta de diferentes maneiras. Recortada, colorida, colada de diversas formas tornou-se botons, bandeiras, camisetas, canecas, banners, cartazes. Ganhou uma dimensão e um espaço no território do simbólico e tornou-se para muitos símbolo de resistência, idealismo, reverência, luta contra desigualdades e busca por justiça social. O registro fotográfico desta forma ganhou muitas camadas de significação e seu território de apropriações transitam por áreas culturais, ideológicas, sociais, politicas, antropológicas.

Da mesma forma e com a mesma voracidade é combatida, desprezada , insultada, ofendida e atacada por outros tantos.

E assim, o registro foi muito além de si próprio, e se tornou por meio de sucessivos compartilhamentos e usos uma forma de expressão.

Mas, como citado acima, nenhum registro sai de um vácuo obscuro. Ele próprio possui uma história, uma gênese. E é ela que abordaremos a seguir.

Um fotógrafo e sua obra

O momento do registro era uma solenidade realizada em memória de mais de 100 pessoas que haviam morrido em uma explosão de um cargueiro que havia partido da Bélgica em direção à Havana carregando 76 toneladas de armas e munições. O cargueiro chamava-se La Coubre.
Foram duas explosões com intervalo de mais ou menos 30 minutos, enquanto o cargueiro era descarregado.

Che Guevara estava em uma reunião no Instituto Nacional de Reforma Agrária, e como médico seguiu imediatamente para atender as vítimas.

Em pouco tempo ficou claro que havia sido um atendado patrocinado pelos EUA e que tinha um infiltrado que causou a “revolta”.

Durante a cerimônia no Cemitério Colón, o fotógrafo Korda (Havana, 1928 – Paris, 2001) se impressionou com o semblante de “implacabilidade absoluta” de Che Guevara, “cheio de pura raiva pelas mortes que ocorreram no dia anterior”. Descreveu o registro como sendo um “um instante de sorte”.
Em suas palavras:

Encontrava-me num plano mais baixo em relação à tribuna, com uma câmara fotográfica Leica de 9mm. Em primeiro plano estavam Fidel, Sartre e Simone de Beauvoir; Che estava parado atrás da tribuna. Houve um instante em que passou por um espaço vazio, estava numa posição mais frontal, e foi aí que em segundo plano emergiu a sua figura. Disparei. Em seguida, percebo que a imagem é quase um retrato, sem ninguém atrás. Volto a câmara na vertical e disparo segunda vez. Isto em menos de dez segundos. Che afasta-se então e não regressa aquele lugar. Foi uma casualidade…”

Fotógrafo oficial do jornal “Revolución” nesta ocasião Korda fez dois registros (uma foto horizontal e uma vertical, mas descartou a segunda porque sobressaia uma cabeça atrás do ombro de Guevara) que entretanto não foram utilizadas pelo jornal. Assim o famoso negativo permaneceu guardado por vários anos em meio a outros tantos registros, totalmente desconhecido pelo público em geral. Era apena mais um registro entre tantos do acervo pessoal do fotógrafo.

Korda e sua obra

Os negativos ficaram assim guardados até o ano de 1967, logo após a morte de Che Guevara, quando Korda cedeu os negativos gratuitamente para editor italiano Gianfranco Feltrinelli, que editou e espalhou as imagens em cartazes.

Um ano depois em 1968, o artista plástico irlandês Jim Fitzpatrick usou a fotografia para criar uma imagem em alto contraste e a registrou em domínio público com autorização do autor.
Nas palavras de Fitzpatrick:

“Fiz alguns pôsteres dela, mas o que importa, o preto e vermelho que é familiar para todos, o mais emblemático, esse foi feito após o assassinato e a execução (de Che) como prisioneiro de guerra, para uma exibição em Londres chamada Viva Che. O Che é muito simples. É um desenho em preto e branco ao qual acrescentei o vermelho. A estrela foi pintada à mão de vermelho. Graficamente é muito intenso e direto, é imediato, e é isso que gosto nele”, revelou Fitzpatrick.

Assim a imagem de Korda ganhou o mundo.

A partir deste momento este registro ganhou uma dimensão impensada até então, transformando-se em uma das maiores referências culturais e visuais da história contemporânea. Alguns chegando a cravar que seria uma espécie de ‘Mona Lisa’ do século XX.

Com isso, o registro ganhou nome de batismo e atravessou os muros do seu próprio contexto de produção.

O “Guerrillero Heroico” ganhou status revolucionário que despertava ao mesmo tempo amor e ódio, usos e abusos. E absolutamente conheceu estampas em diferentes objetos, suportes, campanhas para diferentes produtos, foi até inspiração para serigrafias de Andy Warhol e foi mimetizada em capa de álbum da Madonna.

Com direitos de uso de imagem doados por Korda a imagem não conheceu limites e se tornou para sempre uma referência no imaginário de todos: apoiadores ou detratores de todo o seu ideário revolucionário.

Para a pesquisadora Maria-Carolina Cambre: “o Guerrillero Heroico está sempre em movimento, passa pelo reino do simbólico ao sintomático e oscilante entre esses tipos de classificações, enquanto rejeita esses tipos de quadros. Em outras palavras, a força do apelo de Guerrilheiro Heroico quebra o quadro”.
Em sua perspectiva, “enquanto as indústrias da moda trabalham para diluir o poder simbólico da foto e despolitizá-la, outros a reinvestem com significados emancipatórios e políticos”.
“A imagem de Che Guevara representa mais do que apenas um rosto. É uma imagem que se tornou um símbolo e assumiu diferentes funções sociais, culturais e políticas. Foi reverenciado, desprezado ou realizado em procissões”, relatou a pesquisadora.

Pesquisadora Maria-Carolina Cambre

Todos estes usos só foram possíveis a partir da perspectiva de Korda sobre tais usos.
Falando sobre os motivos que o levaram a nunca cobrar direitos sobre o uso da imagem, respondeu em entrevista ao jornal australiano Herald Sun:

Como defensor dos ideais pelos quais Che Guevara morreu, não sou avesso à sua reprodução por aqueles que desejam propagar sua memória e a causa da justiça social em todo o mundo, mas sou categoricamente contra a exploração da imagem de Che pela promoção de produtos como álcool ou para qualquer finalidade que denigra a reputação do Che”.

Che Guevara tinha na época deste registro 31 anos de idade, o que trazia ao registro imagético uma força e beleza própria da idade. Mas havia mais: sua personalidade carismática imprimia ao registro muito mais elementos. O retrato, portanto, o transcendeu e se transformou em algo muito maior do que ele mesmo era como pessoa física. Tornou-se um símbolo.
É portanto, icônica neste sentido.

Como conclui a pesquisadora citada acima:


Não estamos mais falando de alguém se apropriando da imagem de Che para fazer alguma coisa. Em vez disso — em nossa cultura recortada e colada de compartilhamento contínuo de sinais — podemos dizer que o rosto de Guevara se tornou uma interface coletiva e um canal de expressão”.

_________________
* Referências:
Os bastidores da lendária fotografia que eternizou Che Guevara
Fio produzido pelo perfil @historia_pensar
IFotoChanel – O maior Portal de Fotografia
Rezende, Eliana Almeida de Souza. ”Construindo imagens, fazendo clichês: fotógrafos pela cidade”. An. mus. paul. [online]. 2007, vol.15, n.1, pp.115-186. ISSN 0101-4714. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-47142007000100003 
____________________________. “OLHARES SOBRE O TEJO: Benoliel, o fotógrafo de Lisboa

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♫ ♪ ♫ Tomara que chova…3 dias sem parar ♫ ♪ ♫

Por: Eliana Rezende Bethancourt

Começo de ano sempre é tempo de Carnaval. Às vezes, pedimos coisas que quando os deuses nos ouvem há trabalho de montão.

Emilinha Borba fez uma das marchinhas mais cantadas nos carnavais de velhos tempos. Quer ouvir?

1950 – Emilinha Borba – Tomara Que Chova

♫ ♪ ♫

Tomara que chova

Tomara que chova
Três dias sem parar
Tomara que chova
Três dias sem parar

A minha grande mágoa
É lá em casa
Não ter água
Eu preciso me lavar

De promessa eu ando cheio
Quando eu conto a minha vida
Ninguém quer acreditar
Trabalho não me cansa
O que cansa é pensar
Que lá em casa não tem água
Nem pra cozinhar

Tomara que chova
Três dias sem parar
Tomara que chova
Três dias sem parar

A minha grande mágoa
É lá em casa
Não ter água
Eu preciso me lavar

De promessa eu ando cheio
Quando eu conto a minha vida
Ninguém quer acreditar

Trabalho não me cansa
O que cansa é pensar
Que lá em casa não tem água
Nem pra cozinhar

♫ ♪ ♫

Ás vezes no calorzão pedimos que venha a chuva… e no canto de Emilinha pedimos que seja como diz o refrão:

♫ ♪ ♫ Tomara que chova…3 dias sem parar ♫ ♪ ♫

Mas aí penso que não vai dar!
O que fazer com tanta água querendo entrar?
São as ruas que se enchem e ninguém podendo andar.
Jogado daqui pra lá é o lixo que insiste em voltar.

É tanto sofá, tanto colchão flutuando na correnteza e eu sem lugar seco para deitar.
Embalagens, frascos, latas flutuam num passeio de vai e vem.
E eu aqui parada tentando me salvar!
O gato já se foi, correndo para não se afogar.
Em meio a tanto entulho, frutas e legumes dançam desordenadas em meio a água das cheias que as teimam carregar.

A compra do mês embolorou e a roupa estragou.
Com tanta água suja nada se salvou.
Ir trabalhar não vai dar não: o transporte não vai funcionar.
O ônibus não vai chegar, o metrô vai parar e o trem vai encrencar.
Os carnês ainda estarão molhados quando for pagar, mesmo que a geladeira e o fogão tenham saído para boiar.

Agora é esperar toda água abaixar.
Tem muita lama para arrastar, e o que sobrou para limpar.
E torcer para que na próxima menos lama venha me encontrar.

Tanta água na rua e a minha torneira seca sem pingar!
Sem água para beber, para limpar, ou cozinhar.
Em breve vai chegar minha conta d’água para pagar.
É certeza que irão me acusar de ter gasto toda a água que ainda vai faltar!

Pensando bem, talvez seja melhor não chover 3 dias sem parar!

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* Post atualizado de texto publicado originalmente no meu Blog, o Pensados a Tinta

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