Escrita: palavra vincada

Por: ElianaRezendeBethancourt

Houve tempos em que a gaveta era o melhor amigo de um escritor. Era ali que o texto adormecido esperava seu tempo de maturação, ou até seu tempo de descarte: do não dito e escrito. As palavras assim esperavam adormecidas e quietas, o tempo em que a tinta as materializasse e lhes propiciasse vir à existência.

O texto adormecido na gaveta esperava sua sentença que podia vir cedo. Num acesso de fúria e destruição ou num período de limbo expiatório. O melhor mesmo era quando recebia sua emancipação e tornava-se um texto livre à olhos alheios.

Sim, os textos nos tempos de imediaticidade e consumo deixaram de ter essa maturação da escrita pensada e recomposta dia a dia. Literalmente lapidada para, palavra por palavra, compor um pensamento inteiro.

O sentido de escrita original gradativamente se perdeu e o que temos é uma que se insere substituindo e anulando a anterior.

Descartes simples e rápidos que não nos dão o sentido de sua plenitude. Oferecem-nos apenas e tão somente o produto do dia, do agora. Uma escrita quase que sem passado, sem rastros ou vestígios. Novos tempos de leitores e de escritas. Não apenas de seus suportes e formas de veiculação.

A gaveta oferecia  o tempo da intimidade. Algo que se cristaliza e pigmenta. A tinta encontrava o papel e se fazia pensamento materializado. Era ideia que se expunha.

A escrita, tanto como a leitura, são coisas que se cultivam e aprofundam com o tempo. Algo que tece nossas impressões sobre o mundo. Merecem ser pensadas com cuidado, lapidadas com tempo e apreço pela palavra que se diz e por quem a lerá. O tempo de escrita rápida e imediata em busca de respostas sempre prontas e rápidas tiram os textos dessa quietude que às vezes, é tão salutar. Ao mesmo tempo, e isso por experiência própria, um texto é sempre novo a cada vez que o retocamos. O rigor da gaveta pode inviabilizar um escrito.

Às vezes o ideal é simplesmente deixar a escrita solta e entregá-la à independência para que novas ideias surjam. Nem maiores e nem melhores, apenas oxigenadas pelo novo! A escrita tem mesmo esse quê de artesanato, de cuidado lapidar. Considero normal que um texto nunca esteja concluído, o que ocorre é darmos a eles a independência de nossa tutela.
É a emancipação do escrito.

Nos dois casos é interessante: se reescrita constantemente ou se amadurecida para um momento específico.
É palavra vincada.

_____________
* 1º Post publicado no meu Blog, o Pensados a Tinta, e agora aqui no Portal em homenagem ao Dia Nacional do Escritor, comemorado em 25/07.

*** Posts relacionados:
Letra cursiva: a caminho da extinção?
Chamem o carteiro: preciso de boas notícias!
Geração TouchScreen
Memórias Digitais em busca da Eternidade
Ler de forma produtiva. Mas como?!
Você ainda escreve cartas?
Trincheira das Palavras
De Leitores e Leituras
Vamos parar de educar para a mediocrização!
Redes sociais: domesticação dos sentidos e da criatividade
Mãos: ferramentas de comunicação e inovação

****
Siga-nos:
No LinkedIn
No Pinterest

© 2021 ER Consultoria em Gestão de Informação e Memória Institucional
Todos os direitos reservados
A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação dos direitos autorais (Lei nº 9.610/1998).

Oh, olá 👋,

Nos ajude a manter sua caixa saneada e livre de conteúdos que você não deseja.

Para isso, caso aceite, inscreva-se para receber conteúdo inédito das áreas que atuamos uma única vez ao mês

Não fazemos spam! Leia nossa política de privacidade para mais informações.


Descubra mais sobre ER Consultoria Gestão de Informação e Memória Institucional

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.