Por: Eliana Rezende
Começo com uma pergunta simples:
Você em seu cotidiano “vê” um gari?
A pergunta pode parecer óbvia e alguns inclusive dirão: “mas é claro!”
Mas será que de fato é assim?
Acompanhe-me:
Tempos atrás lia sobre um pesquisador que para desenvolver sua pesquisa de Mestrado na área de Psicologia Social vestiu-se de gari um dia por semana durante um período de seis anos, dentro do próprio Campus da Universidade de São Paulo no Departamento de Psicologia.
Clicando aqui você pode conhecer mais sobre essa pesquisa e seu recorte.
No decorrer de sua pesquisa e para sua surpresa, percebeu o quanto essa categoria era ignorada por professores, alunos e funcionários. Em suas palavras:
“Conhecia muitas das pessoas, porém, todas passavam sem me olhar. Em determinado momento, um professor se aproximou e interrompi a varrição para cumprimentá-lo, debruçando-me sobre a vassoura. Ele não me notou. Chegou a esbarrar no meu ombro e nem sequer parou para pedir desculpas”
Sua experiência serviu apenas para mostrar que muitos destes trabalhadores mantém-se restritos aos seus próprios círculos e evitam o contato visual com outras pessoas como forma de proteger-se de formas de violência ou desprezo social. O que revela uma forte exclusão ligada à divisão social do trabalho.
No caso da pesquisa supra citada, o exemplo foi revelador, pois o pesquisador simplesmente trocou o lado e vestiu-se com um uniforme, dentro da própria instituição que estudava e descobriu que havia algo invisível à sua volta, que ele não havia se dado conta até então. Estar dentro dos muros da maior universidade do país e ainda assim encontrar tal tipo de invisibilidade apontou para um substrato de uma cultura da superioridade do conhecimento acadêmico em detrimento do trato humano entendido como relação social e humana.Isso nos causa certo “choque” exatamente por que seria um espaço onde se esperaria que tais atitudes não devessem acontecer. Infelizmente, esse comportamento pode ser recorrente: claro que não podemos generalizar, mas ocorre.
Agora, partindo-se desse ponto, a pergunta quase inevitável e que destino a todos é:
Em seu cotidiano você “vê” tais trabalhadores?
E amplio um pouco mais: Não apenas eles, mas uma gama imensa de operários, trabalhadores que edificam e erigem com seus braços caminhos, moradias, espaços e que em muitos casos (eles) não podem ser usuários dos mesmos. Vivem a exclusão e invisibilidade consentida de todos os que deles dependem e necessitam.
Falo de faxineiros, porteiros, pessoal da manutenção, jardineiros, pedreiros, ascensoristas, recepcionistas, seguranças, empacotadores, entre muitos outros.
Pergunto exatamente porque esta pesquisa veio mostrar as teias de invisibilidade que estão por trás de formas menores de preconceitos que tomam em conta a origem e a condição social.
Muitos veem apenas como seus iguais aqueles que possuem o mesmo colarinho.
Todo e qualquer trabalhador que não tenha esse parâmetro torna-se invisível.
Talvez tenhamos que avaliar como anda a redoma que às vezes nos pomos.
O cumprimento e a atenção estendidos a quem quer que seja além de denotar boa educação e consideração ao outro aponta nossos universos de prioridades e hierarquias.
Essa invisibilidade tecida muitas vezes por cargos de liderança infelizmente tem muito que ver como uma concepção muito arcaica, e pessoalmente gostaria de ver eliminada, que é a de que as pessoas são diferentes por exercerem funções tidas como menores ou terem tido menos oportunidades, escolaridade ou títulos. Isto é um equívoco imenso, mas infelizmente muitos em cargos de liderança nos fazem lembrar que essa nódoa existe e que continua sendo praticada diariamente.
É de fato algo que precisamos superar.
Hoje em dia, quando esta ‘invisibilidade’ é tão ostensiva que podemos claramente identificar sua existência, chamamos de preconceito.
Nosso mundo altamente compartimentado e segmentado criou nichos e formas de organização. E os mesmos possibilitam o funcionamento de uma complexa engrenagem de produção/utilização do mundo.
O problema começa quando permitimos que tais compartimentações que tem que ver com divisões de trabalho se confundam com a forma como olhamos este Outro.
Aí de fato podemos ir para a esfera do parar de enxergar pessoas que são fundamentais para que toda essa dinâmica exista.
Daí a importância desse olhar atento às nossas atitudes em relação aos que nos rodeiam, e que fazem toda a diferença em nossas rotinas.
A questão da invisibilidade que procurei trazer à tona aqui nada tem que ver com um maniqueísmo proposital. Elas tem que ver como indivíduos sociais inseridos num mercado consumidor veem os invisíveis dentro desta mesma sociedade.
Procurei mostrar de que forma cada um individualmente dá sua parcela de visibilidade e invisibilidades a todos esses trabalhadores no desempenho de suas funções através da forma como os tratamos e os “vemos”.
Veja, que não falo aqui daquele sentimento que também pode parecer pequeno que é o de “ajudar”.
Não.
Falo de respeito, cumprimentos dados olho no olho. Atenção dada e dispensada a um igual e não um “inferior” que eu me digno a olhar.
Essa forma que denota preconceito existe sim e a pesquisa apontada mostrava isso.
Portanto fica minha dica de auto reflexão…
Uniformes & Invisibilidade
Outro aspecto interessante nesta pesquisa foi apontar que em muitos casos os uniformes servem como “manto de invisibilidade”. Já que por meio de tais uniformes condiciona-se pessoas a determinados usos do espaço social. Indicam de onde vem e qual a função que ocupam e como devem ser “vistos”. É uma dentre tantas fronteiras que os espaços profissionais podem tecer.
Os uniformes, muitas vezes usados como garantias de segurança ou hegemonização dos espaços liga-se profundamente a ideia de exercer o controle, poder e vigilância.
Essa coisa de exercer a vigilância como forma de centralizar o poder e controlar pessoas é talvez a grande ambição humana. Acho que a relação humana acaba sempre colocando como mediação formas de controle para justificar atuações, sejam elas políticas, sociais, econômicas, entre outras.
Basta pensarmos em Michel Foucault.
Como se vê, as barreiras não são apenas físicas e edificadas com tijolos. Podem estar à nossa volta e o que é pior, podemos ser nós a erigi-las. Por isso, creio que lidar com o diferente é algo que começa em casa e o outro terá que ser incluído em nossas existências, posturas e ações. Falar, projetar e pensar sempre é mais fácil que agir. Mas é nossa responsabilidade colaborar para esse salto qualitativo de relação.
Creio que aqui seja um bom momento para assistirmos o próprio pesquisador falando sobre seu tema:
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Vejo que o fundamental é sempre olharmos com várias perspectivas, e nisso a troca com outros é fundamental. O que para nó,s às vezes não é óbvio ou claro, pode ser oferecido pelo olhar alheio.
O que fica claro para mim a cada cumprimento é que em sua essência todos gostam da mesma atenção. Então, por criar diferenças?
Como digo sempre, temos que olhar de um ponto de vista empático. Se não soubermos exercer a empatia pouco prosseguiremos no sentido de extirpar esse mal do nosso meio. Estimular a empatia, e exercê-la cotidianamente, nos tornará melhores e mais receptivos do outro. Escrevi sobre empatia em outro post, você poderá saber mais clicando aqui:
A invisibilidade também pode projetar-se em casos de servidores, funcionários ou colaboradores que também oferecem seu intelecto e experiência por anos a fio e que de repente se defrontam com seu “descarte”. Aposentados, ou mesmo demitidos, são postos à parte como se tudo o que soubessem não valesse nada.
Neste ponto, e muito afeita a minha área de atuação, creio que entra uma forma muito interessante de uma instituição reverter esta invisibilidade/descarte com valorização de capital intelectual.
Mas, como?
Quando as instituições reconhecem que estas pessoas podem contribuir e muito para a fortalecer a Memória Institucional e a Cultura Organizacional o passo para o abandono à invisibilidade é dado!
Nós na ER Consultoria trabalhamos com prazer em Projetos que auxiliam as instituições a dar e receber o melhor enquanto preocupam-se com sua Identidade institucional e valorizam o Capital Intelectual de sua organização.
Consulte-nos e saiba como podemos trabalhar hoje, amanhã e sempre, para que nunca a invisibilidade assole e faça perder o valor primeiro de uma organização e sua herança para o futuro.
Ao mesmo tempo em que se garante a produção de Conhecimento e Inovação.
Escolho para encerrar esse post um poema.
É de Bertolt Brecht,
“Perguntas de um trabalhador que lê”:
Quem construiu Tebas, a cidade das sete portas?
Nos livros estão nomes de reis; os reis carregaram pedras?
E Babilônia, tantas vezes destruída, quem a reconstruía sempre?
Em que casas da dourada Lima viviam aqueles que a edificaram?
No dia em que a Muralha da China ficou pronta, para onde foram os pedreiros?
A grande Roma está cheia de arcos-do-triunfo: quem os erigiu?
Quem eram aqueles que foram vencidos pelos Césares?
Bizâncio, tão famosa, tinha somente palácios para seus moradores?
Na legendária Atlântida, quando o mar a engoliu, os afogados continuaram a dar ordens a seus escravos. O jovem Alexandre conquistou a Índia. Sozinho?
César ocupou a Gália. Não estava com ele nem mesmo um cozinheiro?
Felipe da Espanha chorou quando sua frota naufragou. Foi o único a chorar?
Frederico Segundo venceu a guerra dos sete anos. Quem partilhou da vitória?
A cada página uma vitória. Quem preparava os banquetes comemorativos?
A cada dez anos um grande homem. Quem pagava as despesas?
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Eliana:
Talvez fosse muito interessante que o pesquisador citado, prestasse mais a atenção para os “engravatados” e os (e as) “embaladas com uniformes da moda” que desta forma se vestem, mais para ostentar sua classe social ou pelo menos, onde gostariam de estarem situadas socialmente. Provavelmente o “tal professor” fosse outro “engravatado”, tão preocupado com sua posição social, que se esqueceu que “nasceu nu” como toda e qualquer outra pessoa. Não sei exatamente como se portam pessoas em uma “utópica sociedade socialista”, mas ouso afirmar, que este “preconceito indumentário” e típico de uma sociedade pretensamente capitalista. Não acredito que na Suécia e em outros países nórdicos as pessoas exibam este comportamento social tão “vistoso”.
Existe uma historia na China imperial, que um Imperador do momento, na ausência de pessoas competentes para ser designado Primeiro-Ministro, orientado pela Corte, nomeou um sábio que vivia mendigando na cidade e habitava em uma caverna próxima ao Palácio. Após algum tempo a própria Corte começou a insinuar que o tal nomeado, após seu “expediente” se retirava para sua caverna e o espionando viram-no remexendo em seus pertences guardados em um velho baú e que segundo seus detratores, tratavam de “riquezas” furtadas do Palácio. O próprio Imperado resolveu seguir o sábio para comprovar as denuncias. Durante o flagrante, o sábio foi questionado sobre o conteúdo do velho baú. Obteve uma simples resposta do sábio:
“Imperador, trata-se das minhas velhas e imundas roupas e sempre quando retorno para meu “lar”, remexo-as, para nunca me esquecer da minha anterior posição social”.