Quando falamos em “digitalização” as perguntas são sempre muitas e a confusão ainda maior.
Abro este artigo fazendo uma afirmação que pode, em um primeiro momento, gerar algum desconforto para uma infinidade de pessoas e profissionais, que acreditam que, ao recomendar digitalização estão apresentando solução para diferentes situações.
A confusão pode ser rapidamente desfeita se deixarmos claro, de uma vez por todas, o que seja uma “Solução” e como esta se distancia do que seja uma “Ferramenta”. Para isso, os convido a ler um post que escrevi intitulado “O Desafio das Soluções na Era da Informação”, onde explicito esta diferença. Textualmente digo:
“(…)  Ferramenta é sempre pensada para ser simples, barata e de aplicação pontual e restrita. Depende só de você fazê-la funcionar.
Serve a uma determinada função e praticamente se encerra em si mesma. Por sua simplicidade e facilidade de aplicação tende a ser barata e tem resultados rápidos e bem mais limitados. Não adianta dourar a pílula: ferramenta tem valor restrito exatamente por possuir alcance igualmente restrito.
Isso em si não é um defeito, ou problema.
A ferramenta nasce da demanda pontual e busca atender esta, no menor tempo possível e com os melhores resultados possíveis, dentro deste universo. (…)”
“(…) As Soluções acontecem no tempo e a partir de muito estudo, análise e customização entre demandas, necessidades e possibilidades. É enfim, uma nova maneira de fazer ou gerenciar fluxos de trabalho. (…)”
Esclarecido isto, devemos passar à outra zona de confusão:
Em geral, a digitalização sempre é oferecida como sendo uma caixa de Pandora, onde todos os problemas em relação à produção, guarda e gestão de documentos estariam solucionados. Mas como muitos já aprenderam e, a duras penas, isto nem sempre acontece.
Guarde bem isso:
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Documento digital – Documento originalmente codificado em dígitos binários, acessível por meio de sistema computacional.
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Documento analógico – Toda e qualquer informação registrada em suporte estável e materializado. Exemplos: um livro, uma carta, uma fotografia em suporte de papel, uma gravação VHS de áudio e vídeo, fitas k-7, um documento micrográfico, um caderno de notas, uma tábua de argila com caracteres cuneiformes, as pinturas rupestres nas paredes de Altamira.

Esclarecidos ambos, agora é o momento de definirmos o que vem a ser a digitalização:

De forma sintética diríamos que digitalização é o processo pelo qual um documento analógico é convertido em digital a partir de um dispositivo, tal como um scanner. Apesar disso, o documento gerado não poderá ser considerado original, e sob nenhuma circunstância poderá substitui-lo para efeitos de prova ou de fonte histórica, devendo o documento original ser preservado.

Há duas possibilidades e usos da digitalização, com finalidades e aplicações bastante específicas. Uma, é seu uso a acervos imbuídos de valor probatório ou histórico. Outra, bem diferente, para usos e aplicações em rotinas organizacionais.

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Copista medieval

A digitalização em casos de acervos históricos ou documentação probatória

A digitalização, conforme citado acima, tem como foco principal facilitar o acesso, a divulgação e a preservação de acervos, em especial aqueles que tem valor histórico e necessitam estar protegidos de manuseio excessivo ou inadequado. Podem sim ser utilizados como política de preservação e conservação documental, como expliquei no meu artigo “Uso de Tecnologias como Preservação de Patrimônio Cultural”. Nele apresento algumas considerações fundamentais a se tomar em conta quando esta for a situação.

Por favorecerem a tramitação em forma digital transforma-se em excelente meio de divulgação e usos, como: compartilhamentos, e-mail ou mesmo para integrar portais, sites e exposições virtuais, mas não podem ser considerados uma substituição pura e simples do original. O original, que possui valor legal ou histórico, não poderá ser eliminado após sua digitalização.
O documento analógico original é imbuído do valor, que em História, chamamos de Cultura Material, onde o todo do documento constituído por suas informações e suportes também constituem o que se considera Patrimônio Documental.

A digitalização em rotinas organizacionais

Os usos e aplicações da digitalização nas rotinas organizacionais estão sempre mais ligadas ao acesso a determinadas informações e a “suposta economia” em substituir documentos analógicos, o que já expliquei ser um equívoco gigantesco.

Ainda neste universo de utilização reafirmo que a digitalização de grandes volumes representa um erro estratégico e de gestão, já que mudar o formato não significa organizar. Falei disso no meu artigo:“Porque Documento Digitalizado não é Documento Digital”.

Mesmo em rotinas administrativas o uso massivo e indiscriminado da digitalização causa mais problemas e dificuldades e transforma-se em uma bomba relógio à medida que o tempo passa. Por isso, é preciso estabelecer previamente uma política séria de gestão documental e tomar as decisões a partir daí.

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Papiro antigo

Em geral, a digitalização pode ocorrer em diferentes etapas da Gestão Documental, sem contudo, substituir a mesma. Em todo caso, e do ponto de vista legal, a digitalização representa apenas, e tão somente, uma cópia, como ocorria anteriormente com fotocópias reprográficas. Sua maior e principal vantagem é ser um meio eficaz para transmitir informações por meios digitais, como é o caso do e-mail. Ela não possui valor legal, e muito menos substitui qualquer original.

Algumas considerações fundamentais a cerca do uso da digitalização:

O universo de produção documental é vasto, e não se pode perder de vista que há documentos que requerem muito mais atenção ao se analisar políticas de digitalização.
É o caso dos documentos com guardas permanentes e de valor histórico. Neste ponto a discussão precisa, e deve, ganhar outro contorno. Diferentes variáveis precisam ser tomadas em conta. O acesso dos mesmos não deverá ser pensado de forma imediata apenas. O tempo precisará ser considerado e a obsolência mora neste caminho.

Um exemplo desta preocupação, pode as ser ações de digitalização para grandes massas ou volumes de fotografias.
De novo, tal digitalização não pode ser considerada como uma Solução.
A digitalização de imagens não dispensa os processos de identificação e tratamento técnico das imagens, que para efeito de documentação histórica possuem um grau de detalhamento que os programas hoje utilizados passam muito distantes. Pirotecnias a parte, do ponto de vista técnico-metodológico, estão longe de ser uma solução de guarda permanente, ou mesmo como fonte de pesquisa histórica e produção de conhecimento.
Repito o que falo incessantemente: o problema não são as ferramentas em si, mas o que é feito com elas e os procedimentos em seu entorno. Em geral, os que fornecem e os que consomem tais ferramentas pouco sabem para além de uma digitalização (tornando o produto do seu trabalho apenas mais do mesmo, duplicando e acumulando sem sentido documentos que poderiam ser tratados de uma outra forma e com um grau muito mais interessante de assertividade).

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Livro maia

O que ocorre em geral, quer por desconhecimento ou por boa fé de uns e má fé de outros, é que muitas empresas contratantes destes serviços esperarem que a ferramenta tecnológica resolva seus problemas de organização documental. No entanto, é importante que se ressalte, que tais soluções tecnológicas não representam o trabalho de Gestão Documental, que necessita de maior cabedal, elaboração de normas e procedimentos muito mais amplos. Tal como o nome indica tais soluções são apenas e tão somente uma ferramenta dentro de um universo muito mais amplo que é a Gestão Documental.

É sempre bom ressaltar que a digitalização necessita de um trabalho de organização, pois, se houver um caos no meio físico apenas estaremos trocando o suporte: de físico para digital.

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Tabuletas romanas

Digitalização não resolve problemas nem de organização e nem de busca!

Além disso, a digitalização não resolve uma gama imensa de ações que estão diretamente ligadas à Gestão Documental, como: elaboração e aplicação de tabelas de temporalidade documental, cumprimento de prazos prescricionais estabelecidos em legislação para diferentes documentos, politicas de preservação, sigilo e acesso a documentos.

Mesmo nos casos de digitalização para simples tramitação precisa-se estabelecer critérios e hierarquização. Digitalizar indiscriminadamente tudo pode ser um tiro no próprio pé. Gerará um aumento do que simplesmente não interessa e que do ponto de vista de busca/consulta não se justificará. Em breve constará nas estatísticas de lixo eletrônico.

Outro grande equívoco é acreditar que a digitalização oferecerá a panaceia de resolver um dos maiores problemas dos Arquivos, que é sua falta de espaço, por meio da eliminação de documentos físicos. O que juridicamente torna-se inviável devido a uma ausência de legislação que autorize uma situação como esta.

Por questões de ampla obsolescência, a simples substituição de documentos físicos por digitalizados, ou mesmo digitais, não significa economia de custos. Ela obriga a ações de preservação que representam custos elevados para manutenção das mídias para garantir o acesso aos mesmos. Investimentos em tecnologia que envolvem políticas de preservação digital custam recursos financeiros, humanos e tecnológicos pelo tempo, e em geral as pessoas se esquecem disto. Simplesmente consideram os custos iniciais e deixam de olhar pela perspectiva do tempo.
Para entender melhor isto que cito sobre a obsolescência leia o post que escrevi intitulado: “Memórias Digitais em Busca da Eternidade“.

Reforço a noção de que projetos de digitalização precisam de recursos financeiros que garantam a aquisição, atualização e manutenção de versões de software e hardware, como forma de cumprir requisitos funcionais estabelecidos pelo CONARQ, que garantam a preservação e o acesso a tais documentos, a médio e longo prazo, sem prejuízo de qualquer ordem. Ou seja, a digitalização está longe de significar economia a troca de nada. Ela exige investimento e recursos tecnológicos e humanos através do tempo. Sem pausa ou descanso!

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Calendário maia

Vejo em todo este processo, de discussão e elaboração de estratégias, uma excelente oportunidade de mostrar o quanto é importante um trabalho multidisciplinar não apenas para solucionar problemas presentes, mas como também para prevenir problemas no futuro.

Em verdade, reafirmo a importância e necessidade de um planejamento que tome em conta todos estes aspectos e atenção, muita atenção para não se deixar ‘encantar’ por algo que pode trazer mais problemas e passa bem longe de ser uma Solução para as suas demandas. Consulte sempre um profissional que tome em conta todas as variáveis possíveis e tome em conta seu tipo de documentação, demanda e público alvo. Planejamento sem compulsão, deslumbramento ou pressa são fundamentais.
A digitalização se bem empregada tem excelentes resultados. Como um bom medicamento, indicado por um profissional que tenha claro seu emprego a partir de o diagnóstico certeiro pode trazer excelentes resultados. Mas a automedicação neste caso pode ser fatal.

Como podemos ajudar?
Na ER Consultoria possuímos metodologia própria, conhecimentos testados e experiência prática para o desenvolvimento e aplicação da Gestão Documental e Memória Institucional em empresas de diferentes segmentos e suas áreas de atuação. Além de podermos orientar boas práticas em relação ao uso de ferramentas tecnológicas com vistas a produção e tramitação de documentos digitais.

Veja nosso Portfólio de Cases e o que nossos clientes tem a dizer.

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Referências:
Legislação

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